segunda-feira, 30 de julho de 2012
Serejo: Dona Chloris
Por:
Vicente Serejo
Era
assim, com uma grafia luxuosa e antiga que seu nome está escrito na certidão de
nascimento original. Inspirado numa Ninfa dos Campos Elísios que segundo a
mitologia casou com Zéfiro e foi pintada por Boticelli. Anos depois, muito
jovem, e logo que terminou o curso na Escola Doméstica, na primeira turma,
posando, fardada e elegante, como a aluna-modelo no livro histórico da história
da ED, fundada por Henrique Castriciano, casou com Omar Lopes Cardoso.
Farmacêutico natalense, formado no Recife, mas já na época tenente do Exército,
revolucionário de trinta e fundador da Farmácia Natal.
Conheci
D. Cloris em 1970 quando comecei a namorar Rejane, aluna do curso de
jornalismo, de espírito rebelde, temporã de três irmãos – Otomar, o mais velho;
e Selma que foi uma das moças bonitas do seu tempo, desfilando nos clubes.
Rejane vinha de uma temporada na França, e lá viveu seis meses. Assistiu ao
vivo o Maio de 68, onde viu a juventude chorando lacrimogêneo num Boulevard de
Paris, como no título que Daillor Varela escolheu ao publicar uma entrevista de
duas páginas na Tribuna.
D.
Chloris era baixinha, bem humorada – ficou muito magra depois do enfarto – e
sabia fazer tudo muito bem, como era comum na sua geração de mulheres
prendadas. Sabia cozinhar, costurar e fazia renda irlandesa considerada uma
arte de tão difícil. Destilava licor e aos domingos servia empadas de camarão e
casquinhos de caranguejo pra ninguém botar defeito. Selma herdou suas
habilidades, mas Rejane é só consumidora, nesses tempos modernos, de todos
esses bufês e quituteiras de cada esquina.
Cozinhava
tão bem que um dia, precisando reavivar com doutor Omar episódios da Revolução
de 30 para o depoimento que gravava na Fundação Getúlio Vargas, Dinarte Mariz
foi visitá-los. E perguntou, vendo que aquela conversa seria comprida: Clóris,
você ainda faz aquele peixe gostoso? Ela confirmou e ele convidou-se para
almoçar no dia seguinte. Foi. Não era casado com Rejane, mas já era jornalista,
e estava lá. Veio o cozido com pirão mexido na hora e postas de peixe ao forno,
impecáveis.
Já
com falhas de memória, pediu a mim para ver Aluizio Alves. Ele foi comigo e
Agnelo à casa da Afonso Pena. Demorou quinze minutos. Não conseguiu esconder a
emoção diante daquela velhinha frágil, olhos vivos, fixos na fisionomia dele.
Rompido o silêncio do reencontro, depois de tantos anos, disse como se
exclamasse e ao mesmo tempo perguntasse para ter certeza: ‘É Aluizio!’ Ele, pra
disfarçar, lembrou: ‘Você e Alice – mãe de D. Cloris – eram alcoviteiras do meu
namoro com Ivone’.
Fui
o último a quem chamou pelo nome no hospital, horas antes de fechar os olhos
para sempre. Respirava forte, como se puxasse dos pulmões as últimas forças
para ver o filho Otomar que voava de Brasília. Fui apanhá-lo no aeroporto,
início da tarde. Ainda vivia, mas não sei se sentiu sua presença. Cloris Lopes
Cardoso, como depois passou a assinar, sem o h antigo, era minha sogra,
personagem das minhas afeições. Hoje, sete de julho, se estivesse viva, faria
cem anos. É por isso que escrevo sobre ela.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
SEREJO: Relatório do inverno
Por:
Vicente Serejo
Não
gostaria, Senhor Redator, de parecer vaidoso, mas não vou negar: sou pastor de
nuvens numa vila muito velha e muito pobre. Não que quisesse, fosse candidato
ao cargo ou lutasse para ser. Foi por destino e não por escolha. Fui ficando,
esquecido e sozinho na sua solidão sem mágoa, como no poema de Ferreira Gullar,
e quando cuidei de mim já não sabia sair. E se pastoro nuvens como se fossem
ovelhas é porque nada além de um pequeno rebanho me foi dado ter nestas ruas de
cachorros magros e famintos.
Outros,
como no soneto de Lêdo Ivo, viriam bêbados e enlutados. Eu venho lúcido abrir
as janelas das manhãs e muito cedo deixo a primeira nuvem entrar. No inverno,
são longos e quietos seus silêncios. Adornados pelo melão de São Caetano
subindo nas cercas dos quintais adormecidos e as ramagens das buchas que se
enroscam nas latadas. Tão pobre é minha vila que não tem nem aquelas mulheres
de vida besta, entre laranjeiras sonolentas, que um dia descobri num poema de
Carlos Drummond de Andrade.
Para
ser pastor de nuvens não precisei ser dono de nada. Só ser íntimo. Das suas
manhãs, das suas tardes, das suas noites. De mais nada. Que as nuvens todas vão
chegando suaves, e, lentamente, como se balissem. E ficam ali, acocoradas, no
frio manso da noite, chamando o dia. No máximo, o latido magro de um cão vadio
e triste rasga o silêncio escuro e pobre da noite. E os gatos sem dono que
repetem sobre os muros a geometria dos quintais cheios de sono, de malvões e espadas
de São Jorge no último orvalho.
Temos
poucas coisas, Senhor Redator. E nenhuma riqueza. A não ser o grasnado
estridente das gaivotas quando passam em pequenos bandos nos seus vôos rasantes
sobre o mar. Ou o trinado banal dos pardais que parecem cair dos beirais em
vôos rápidos e desajeitados nos pequenos abismos até o chão. Desconfio, mas só
desconfio, é de andorinhas pelo leque de suas caldas a passarada ruidosa que
festeja a manhã, antes do sol. E uns poucos bem-te-vis que vão indo embora
nesta vila hoje de tão poucas árvores.
Ainda
vive aqui um pequeno e envelhecido povo feito de pescadores, talvez o último
neste beiço de rio e mar. Um tresmalho resiste na pesca de arrastão trazendo
gingas, pequenos bagres, algumas vezes, e raramente, um camurim. Os xaréus que
eram fartos desapareceram. E mesmo as varas modernas de pescadores de fim de
semana só fisgam os pobres barbudos como passatempo. E caícos, Senhor Redator,
que é como o pescador chama a miunça dos peixes miúdos e sem valor que sobram
no fundo do samburá.
Acabou-se
o tempo da fartura neste mar antigo. Dos peixes e dos risos fartos que enchiam
a vida dos viventes da aqui. O inverno faz medo. Todas as casas vizinhas do mar
apagam suas janelas e acendem sensores de olhos vermelhos e miúdos espreitando
a noite. Os casais não mais ocupam os alpendres nas horas calmas e
clandestinas, feitas para o mormaço do amor. Tudo pode acontecer. De repente
soa uma sirene, grita um alarme, ladra um cão raivoso. E o vigia apita,
rasgando o silêncio e a solidão da noite.
Poroca: When I'm sixty four
José Carlos L. Poroca
Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br
O
título deste texto está incompleto, falta algo. Não me refiro ao uso
desnecessário da língua inglesa na terra que pariu Machado de Assis. Não é o
trazer à tona uma música feita há mais de 40 anos que não tem nada de
extraordinário. Também não é exclusivamente a melancolia de um dia chuvoso
associado ao dia da semana. Acho que falta um ponto de interrogação. Com o uso
dele, surge a oportunidade de fazer a pergunta aos meus botões e a quem dorme
ao lado deles.
A
verdade é uma só: vamos ter, daqui a pouco, muitos brasileiros de 64 anos. Nada
de tricô ou crochê, nada de ficar olhando jardins para matar o tempo. Os tempos
são outros neste Brasil que ostenta a 7a economia do Planeta. Tá difícil, mas
quero uma aposentadoria com estilo parecido com o do cara daquela outra música
que falava sobre campo, sobre plantar e colher discos, livros, não sei lá mais
o quê. E tomando umas de vez em quando, afinal, ninguém é de ferro.
Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br
Essa
frescura de ficar colocando títulos em inglês nos textos de meu português ruim
deve ser fruto de uma das daquelas fases sorumbáticas das manhãs de segunda,
quando, no dia anterior, o time perdeu ou venceu sem convencer. Se a perda foi
por mau desempenho e resultou em goleada, vem à boca um gosto de acre misturado
com azedo. Não é só. Todas as vezes que vejo uma vitória suada do meu time,
pergunto de imediato sobre a próxima para minha bola de cristal e ela responde,
bocejando: - vai perder! Se for questionada sobre os números da megasena, a
bola engasga, tosse, espirra, fica apitando incessantemente e emudece. Injusto.
Resultados
de jogos à parte, sempre associei o humor ao tempo: tempo bom, melhor o humor;
tempo ruim, pinta o grumf. A percepção coincide com o ar sombrio e ausência de
escracho no temperamento das pessoas dos chamados países frios. Deve ser muito
chato (não é a palavra que queria usar) passar meses a fio com roupas pesadas e
sem ver um piscar de olho do sol. Se vier com o peso de 64 anos sobre o casaco
e as botas, o peso aumenta e o tempo fecha ad eternum.
O
título é o de uma música composta por aquela dupla de Liverpool que mexeu com
os pés e cabeça de muita gente. Reapareceu há poucos dias num site potiguar e
resolvi fazer o autoquestionamento imaginando a aproximação daquele número
gigante (64), numa cena parecida com a da assustadora boca do tamanho de um
jacaré de 5m que me perseguia, num sonho. O fato de ser um admirador de bocas
bonitas não dá o direito a qualquer uma de querer me engolir ou de obrigar este
atleta a colocar a língua para fora de tanto correr. A música tem uma
sonoridade agradável, boa batida; a letra traz um traço engraçado
principalmente para quem tem menos de trinta (cadê o Marcos Valle?). Mas, cá
pra nós, para quem já percorreu 50% da linha, coloca o dedo na ferida ao falar
de temas que mexem com a vaidade masculina, como perda de cabelo. Do lado
feminino, a letra diz algo sobre tricotar e fazer comida para o
"velho".
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Menina de 4 anos sofre racismo na escola
A
Polícia Civil de Minas Gerais abriu inquérito para apurar denúncia de racismo
contra uma menina de quatro anos em Contagem (região metropolitana de Belo
Horizonte). Segundo informações do boletim de ocorrência, a menina foi xingada
de “negra e preta, horrorosa e feia” pela avó de um colega de escola com quem a
garota dançou quadrilha.
O
delegado Juarez Gomes, da 4ª Delegacia de Contagem, disse que a mulher negou
ter ofendido a menina. Ainda de acordo com o delegado, durante depoimento
prestado nesta segunda-feira (23), Maria Pereira da Silva teria se referido à
garota como “a moreninha” e dito que nunca a chamou de horrorosa.
Segundo
o boletim de ocorrência, no último dia 7 de julho, a menina participou da dança
no Centro de Educação Infantil Emília. No dia 10, a avó do garoto, Maria
Pereira da Silva, invadiu a escola querendo saber por que deixaram uma negra
dançar quadrilha com o neto dela. De acordo com a mãe da garota, Fátima Viana
Souza, mesmo ouvindo as ofensas, a menina não reagiu e foi cercada pelos
colegas sem entender o que estava acontecendo.
A
professora Denise Cristina Pereira Aragão denunciou o caso para a diretoria da
escola. Incomodada com a situação e com a falta de ação da diretora, pediu
demissão e procurou a família da menina para contar o que havia acontecido.
Segundo
a mãe, a menina passou mal no dia seguinte aos xingamentos, porque ficou muito
abalada com as ofensas. A mãe registrou o boletim de ocorrência e buscou apoio
jurídico na organização não governamental SOS Racismo.
Suspeita
de ofender a aluna da escola, Maria Pereira chegou de surpresa à delegacia
nesta segunda. Ela estava intimada para prestar depoimento amanhã, mas
compareceu sozinha à unidade policial por volta das 16h. O depoimento durou
cerca de uma hora. Segundo o delegado, ela relatou que no dia 10 esteve na
escola e foi abordada pela professora que a acusou de ter ofendido a menina no
dia da festa junina. As duas discutiram e, para impedir uma confusão maior, a
diretora pediu para que saísse da escola.
Também
nesta segunda, a mãe e a professora da menina foram ouvidas. Conforme o
delegado, os depoimentos foram muito parecidos com os relatos do boletim de
ocorrência.
A
diretora da escola, Joana Reis Belvino, prestou depoimento na tarde de hoje.
Segundo o delegado, ela não pode ser responsabilizada criminalmente pelo que
ocorre nas dependências da escola. O advogado da mãe da criança, Amadeus Carlos
de Miranda Pimenta, disse que vai processar a diretora e a instituição de
ensino pedindo uma reparação por danos morais à menina. A diretora não falou
com a imprensa.
Injúria
O
delegado que investiga o caso deve autuar a mulher que gritou com a criança por
injúria. “Eu acho que vai ser injúria qualificada. Não acho que encaixa no
racismo. Para configurar o racismo, o problema teria que ter partido, por
exemplo, da diretora da escola se impedisse o acesso da menina no ato da
matrícula ou na própria dança durante a festa”, afirmou no delegado.
Para
autuação de Maria Pereira, o delegado deverá tomar como base o parágrafo 3º do
artigo 140 do Código Penal, que dispõe sobre a injúria preconceituosa. O crime
se configura quando há ofensa à honra subjetiva mediante utilização de
elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de
pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Os
advogados de Fátima Viana vão tentar provar o racismo trazendo ao caso novas
testemunhas que disseram ter presenciado Maria Pereira tentando impedir a dança
entre o neto e a menina negra.
A
defesa da mãe diz que exige que o delegado autue a suspeita levando em conta o
artigo 20 da Lei 7.716, que define como crime praticar, induzir ou incitar a
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional.
Intolerância religiosa: Evangélicos tentam invadir terreiro em Olinda
Babalorixá
Érico Lustosa filmou o que classificou de ato de intolerância religiosa
Centenas
de evangélicos com faixas e gritando palavras de ordem realizam protesto em
frente a um terreiro de matriz africana e afro-brasileira – candomblé, umbanda
e jurema. As imagens poderiam ser de um filme sobre a Idade Média. No entanto,
foram registradas no domingo, no Varadouro, em Olinda, Grande Recife. As cenas
de intolerância religiosa circularam ontem nas redes sociais e provocaram a
revolta de milhares de internautas.
As
imagens foram captadas pelo filósofo e babalorixá Érico Lustosa, vizinho do
terreiro alvo dos ataques. Segundo ele, por pouco os evangélicos não invadiram
o espaço. “Eles gritavam ‘Sai daí, satanás’ e forçaram o portão. Foi aí que me
coloquei em frente ao portão e meu filho começou a gravar. Um deles gritou para
a gente tomar cuidado, que ele era evangélico mas era também um ex-matador”,
relembrou.
O
fato ocorreu uma semana depois que pessoas invadiram terreiros em Brejo da
Madre de Deus, no Agreste, após o assassinato de uma criança, segundo a
polícia, a mando de um pai de santo. Pesquisadores dizem que essas religiões
não realizam sacrifício de humanos.
Com
a repercussão nas redes sociais – o vídeo teve mais de 1,5 mil
compartilhamentos no Facebook e cerca de 400 visualizações no YouTube em menos
de 12 horas – representantes de dezenas de terreiros se reuniram, ontem à
tarde, no Palácio de Iemanjá, no Alto da Sé, em Olinda.
No
encontro foram discutidas propostas para coibir a intolerância religiosa. Entre
elas a de ser registrado um boletim de ocorrência coletivo para denunciar o
fato ocorrido no Varadouro.
O
terreiro alvo dos ataques é o de Pai Jairo de Iemanjá Sabá, na Rua Manuel Souza
Lopes. Vizinhos repudiaram o protesto. “Moro aqui desde criança e o pessoal do
terreiro nunca trouxe problema. Sou católica, mas respeito as outras religiões.
O que fizeram foi um absurdo. Por pouco não invadiram o espaço”, disse a dona
de casa Cintia Gomes, 25 anos.
O
secretário-executivo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial do Estado, Jorge
Arruda, lamentou o fato em Olinda e afirmou que os ataques têm relação com o
caso de Brejo da Madre de Deus. A igreja responsável pelo protesto não foi
identificada.
Hoje
haverá reunião entre representantes do Ministério Público, da Secretaria de
Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e de terreiros. Também será lançada a
cartilha Diversidade Religiosa e Direitos Humanos e debatida a intolerância
contra as religiões de matriz africana e afro-brasileira em Pernambuco.
Preconceito - Líderes de religiões afro cobram medidas contra a intolerância religiosa
Encontro
realizado na sede do Ministério Público contou com a participação de
praticantes das religões e da SDSDH
P articipantes
do encontro assinaram uma carta de repúdio aos ataques contra terreiros
ocorridos no interior e na capital
Praticantes
de religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras e representantes da
Secretaria de Desenvolviento Social e Direitos Humanos (SDSDH) participaram na
manhã desta quarta-feira (18), na sede do Ministério Público, na Rua do
Imperador, Centro do recife, de um encontro para discutir estratégias para
coibir e por fim às práticas de intolerância religiosa no Estado depois dos
registros, nos últimos dias, de tentativas de invasão e depedração de terreiros
na capital e no interior. Durante a reunião foram anunciados os lançamentos de
duas cartilhas, que serão distribuídas à população, para tentar acabar com o
preconceito existente contra essas religiões.
Representantes
dos terreiros tentam desvincular das religiões rituais macabros como o ocorrido
no Brejo da Madre de Deus, onde uma criança foi morta supostamente a mando de
um pai de santo. Os religiosos explicam que nos rituais da umbanda, do
candomblé e da jurema, dentre outras religiões, não há práticas que envolvam o sacrifício
humano.
O
Comitê Estadual de Promoção da Igualdade Étnica-Racial (CEPIR), vinculado à
SDSDH, irá distribuir em escolas e em grandes eventos, a começar no Festival de
Inverno de Garanhuns, a cartilha Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. A
Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Pernambuco, também anunciou a produção
e distribuição de uma cartilha nos mesmos moldes.
No
encontro também foi assinada, por todos os participantes, uma carta de repúdio
aos ataques contra os terreiros ocorridos em Brejo da Madre de Deus e em
Olinda. "Mais do que uma cartilha, é preciso interromper o que vem
ocorrendo com os terreiros de matrizes africanas. O direito à cidadania
pertence à todos", afirmou Edson Axé, um dos babalorixás presentes na
reunião
sábado, 21 de julho de 2012
Jairo Lima - No bar
No bar
E com olhos irônicos fitaste o Vazio dos meus olhos
E nos meus olhos te atiraste como um predador na rota de sua presa
Na boca um sorriso zombava de futuros e certezas
E eu te vi.
Te vi como se vê mares e dunas
Como coisas que são sem oráculos nem seitas
Que não se anunciam, nem aguardam, nem ficam, nem se vão:
Ali estavas de pé em frente aos panos da noite
E parecia que contigo aquela noite estava feita Te vi coxas, riso, ombros e mãos
Perdidos entre afago e maldição
Enquanto o sol ainda se esconde tua mão me marca a pele e impõe fronteiras de posse
Num corpo que já não é mais o meu e se entrelaça no teu e se contorce
Os lábios se encontram e vão em busca dos vapores quentes da alma
Se colam, se penetram, se invadem;
Não são asas de pássaros, são patas de cavalo
Destruindo colheitas
Aquela noite só prometia suores
Conquistados a cada beijo
Os latifúndios do desejo
Eram cada vez maiores
(-----------)
Vim de longe
Em hora incerta
Vim de lunas
Vim de céus perfurados de estrelas
Vim de amores submersos em dores e desfeitas
Para que celebrasses a consagração bizarra
Que faz a carne virar pão
O sangue virar vinho
E a cama virar mesa
Onde a fome dispõe as suas facas
Para cortar as carnes e sugar a seiva
Chegaste a mim não como lume
Mas como Pergunta exposta na toalha
sobre a mesaE com olhos irônicos fitaste o Vazio dos meus olhos
E nos meus olhos te atiraste como um predador na rota de sua presa
Na boca um sorriso zombava de futuros e certezas
E eu te vi.
Te vi como se vê mares e dunas
Como coisas que são sem oráculos nem seitas
Que não se anunciam, nem aguardam, nem ficam, nem se vão:
Ali estavas de pé em frente aos panos da noite
E parecia que contigo aquela noite estava feita Te vi coxas, riso, ombros e mãos
Perdidos entre afago e maldição
Enquanto o sol ainda se esconde tua mão me marca a pele e impõe fronteiras de posse
Num corpo que já não é mais o meu e se entrelaça no teu e se contorce
Os lábios se encontram e vão em busca dos vapores quentes da alma
Se colam, se penetram, se invadem;
Não são asas de pássaros, são patas de cavalo
Destruindo colheitas
Aquela noite só prometia suores
Conquistados a cada beijo
Os latifúndios do desejo
Eram cada vez maiores
Em hora incerta
Vim de lunas
Vim de céus perfurados de estrelas
Vim de amores submersos em dores e desfeitas
Para que celebrasses a consagração bizarra
Que faz a carne virar pão
O sangue virar vinho
E a cama virar mesa
Onde a fome dispõe as suas facas
Para cortar as carnes e sugar a seiva
Back to black
José Carlos L. Poroca
Executivo
jcporoca@uol.com.br
Executivo
jcporoca@uol.com.br
Falo
e escrevo mal a nossa língua. Não sou o único e não estou na minoria. Fico
pouco à vontade para discutir ou explicar o “objeto direto”, o “objeto
indireto” e, muito menos, o “aposto” ou o “adjunto adnominal”. São “coisas” que
alguém criou para complicar o que já é tão complicado e para criar situações
que cabem bem em concursos, os mesmos que não avaliam nada e dão o mérito de
saber coisa alguma para os primeiros classificados. Não falo como um estudioso
(nem poderia) e sim como alguém que aprecia os que sabem falar e escrever com
nível de compreensão adequado para os que estão, pelo menos, na chamada linha
média.
O
título em inglês pode parecer desproposital, mal situado ou fora do contexto,
já que confessei o desconhecimento da língua pátria. Peguei emprestado da
letra/música de Amy Winehouse, uma artista talentosa que caiu numa poça fétida
e contaminada chamada “vício de droga”. A artista era de um talento
extraordinário, fora do lugar comum, um daqueles que surgem a cada 50 anos.
Aproveito
a oportunidade para lembrar um episódio ocorrido há não sei quantos anos. Ouvi,
gostei e trouxe para casa o CD de Chico Science. Surpresa geral, principalmente
para os meus filhos, que estranharam o “coroa” elogiando e ouvindo algo novo,
cujo público tinha pelo menos 20 anos a menos. Não mudei o que pensava e
lamento não ter tido a oportunidade de ver a continuação do trabalho de um
artista talentoso e incomum.
Volto
ao “Back...” de Amy. Interpretação sui generis, personalizada e com a
característica de alguém que certamente escutou muita matéria prima de boa
qualidade quando criança e na adolescência. A letra é sutil, “pesada” e admite
mais de uma interpretação, dependendo do campo de audição ou do estado emotivo
de quem ouve. É uma daquelas que não depende de momento, de moda, de ocasião ou
de fase, como acontece com a música popular em qualquer lugar do Planeta. Há
umas que vem, fazem um barulho sem igual e, passada a onda, vão embora e não
fica nem o cheiro. Há outras que independem de estações, de moda, de idade -
como a suave e encantadora Bewitched, bothered & bewildered, que foi
regravada pela também excepcional Stacey Kent.
Tudo
aí foi escrito pra dizer que não quero ir ou voltar ao escuro ou chorar de
luto; não quero ir ou voltar à penumbra ou à lama – dependendo da tradução que
se queira dar. E sem admitir a possibilidade de justificativa de
contra-argumento, rejeito a pecha de que sou naturalmente corrupto porque nasci
na América do Sul, tese defendida pelos causídicos de uma entidade
internacional de futebol para justificar as propinas que foram dadas a não sei
quem. O corromper e ser corrompido não se pega por osmose, por contágio nem é
hereditário. Se o Brasil pretende ser o que a folhinha marca, precisa mostrar o
destino que deve ser dados aos corruptos, independente da categoria: xilindró.
Sem volta.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Jairo Lima - A foto que eu vi
A foto que eu vi
Jairo Lima
Jairo Lima
A Fernando Monteiro
vi o sangue e o pus de
Anna Akhmátova
celebrados em duras taças de granito
e ali estava um corpo de suores
feito poema
transformado em mito
ou salmo de escárnio e maldições ferozes
ou ainda em memória de gritos
vi a grande mordaça cujo
número é vinte e dois
jogada inútil num monte de pó
para que um canto, uma blasfêmia
fosse buscar sua têmpera
nas próprias fornalhas do sol
ah, estes clarões de
sangue
como iluminam
e rasgam
as rimas, os risos, os guizos
a sensibilidade em febre, assustada
de minúsculos passarinhos
que negam o trovão da Grande Mágoa
e se entretêm em cantar pequenas insolências
ritmadas
em versos ruiz
vi, de fato, a foto
ensangüentada
enclausurada num sacrário ateu
e vi escrito em suas carnes devastadas
queste parole di colore oscuro
que dante um dia no inferno viu
UM ATO NOCIVO E ARBITRÁRIO
A Associação Brasileira de Antropologia - ABA vem a publico
manifestar o seu repúdio a recente Portaria No. 303 elaborada pela AGU e
publicada no DOU. A pretexto de
homogeneizar o entendimento dos organismos de governo no que tange a aplicação
das chamadas condicionantes para o reconhecimento de terras indígenas apontadas
pelo STF durante a decisão sobre a TI Raposa/Serra do Sol, esta portaria
pretende impor uma leitura da legislação indigenista brasileira em total
dissintonia com os interesses indígenas, com
os princípios constitucionais estabelecidos na Carta Magna de 1988 e com
as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.
É um ato totalmente arbitrário e inadequado pretender
resolver questões complexas e da maior importância para a ação indigenista
mediante uma simples portaria. As
chamadas condicionantes estabelecidas no curso de um processo judicial
específico e cheio de singularidades, não poderiam de maneira alguma ser
tratadas de modo caricatural e mecânico, ignorando por completo as múltiplas
interpretações antropológicas e jurídicas que podem receber.
A portaria atropela ainda de maneira grosseira e acintosa a
própria ação indigenista e a distribuição de mandatos e competências entre os
órgãos públicos. Assim ignora os esforços desenvolvidos pela própria FUNAI e pela
Secretaria-Geral da Presidência da República, em amplos foros de debate, no
sentido de promover a regularização do direito de consulta, considerando-o
procedimento dispensável sempre que algum governismo governamental vier a
entender, por critérios puramente internos, que está lidando com questão de
superior interesse nacional (art. 1º, itens 5, 6 e 7). Por outro lado com uma
simples canetada e sem qualquer justificativa que o embase, transfere para o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade as responsabilidades, o
poder de administração e controle sobre uma imensidade de terras indígenas
(art. 1º, itens VII, IX e X).
Ao leitor atento a portaria não deixa dúvidas – sem um
embasamento doutrinário e sem cercar-se dos devidos cuidados de estudar a
questão a fundo e promover os debates necessários a cristalização de um
entendimento democrático, a AGU selecionou questões totalmente diversas
colocadas a administração pública no seu trato com as comunidades indígenas e
procurou dar-lhes a interpretação mais restritiva e negativa possível aos
direitos dos indígenas.
Por seu primarismo e incongruência, buscando restringir e
amesquinhar os direitos indígenas presentes na CF-1988, a ABA considera a
portaria 303 um instrumento jurídico-administrativo absolutamente equivocado e
pede a sua imediata revogação.
Bela Feldman Bianco
e João Pacheco de Oliveira
Presidente da Associação Brasileira de Antropologia e
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas
quarta-feira, 18 de julho de 2012
SEREJO: Dos ricos quando empobrecem
Dos
ricos quando empobrecem
Por:
Vicente Serejo
O pior lugar para a pobreza é o mundo dos
ricos. Dito assim pode parecer prevenção, mas não é.
Tenho bons exemplos para pensar desse jeito. O
primeiro é que foi tema de um curso de pós-graduação de Otomar Lopes Cardoso,
meu cunhado, na Universidade de Louvain, Bélgica, lançado originalmente numa
edição acadêmica, em Bruxelas. O segundo, a pastoral criada pelo cardeal
Eugênio Sales, no Rio, para atender aos ricos empobrecidos e envergonhados que
sequer tinham como pedir esmola nas ruas.
Foi
com esse título – A pobreza no mundo rico, em versão não acadêmica, que Otomar
publicou suas idéias pela Nossa Editora, em 1985, do escritor Pedro Simões.
Ali, numa ilustração para a capa, foi reproduzida a marca do tal quarto mundo,
dos pobres na Europa rica: o desenho de um globo terrestre dividido em quatro
partes e na última delas uma figura humana despencando. Era o retrato perfeito
dos mais pobres do que os do terceiro mundo que nós outros tínhamos como única
parte pobre do planeta.
Para
Otomar que viveu as leituras e os debates em Louvain, os pobres no mundo dos
ricos foram sempre invisíveis ainda nos anos oitenta. Deles não se falava.
Sobre eles não se escrevia. A realidade era tema só dos estudiosos de
universidade católicas como Sorbonne e Louvain envolvidas com a doutrina social
no mundo. Para nós, não existiam. E mesmo assim, mais que os pobres
tradicionalmente vistos como terceiro mundo, também simbolizam o fracasso da
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Lembro
que os jornais cariocas – não recordo mais o ano – deram o maior destaque a uma
nova pastoral da Arquidiocese do Rio de Janeiro, criada e implantada pelo
cardeal Sales que se dedicava a ajudar os ricos empobrecidos e envergonhados.
Sem nomes, mantidos em absoluto sigilo pelo Palácio São Joaquim, gabinete do
cardeal, as matérias apenas revelavam a fachada de um casarão onde estava
funcionando a sede da pastoral que recebia ajudas e distribuía discretamente a
quem estava precisando.
No
texto, impressionante como narrativa, os voluntários contavam que eram
dramáticos os encontros com os velhos que um dia foram ricos e, abandonados,
não tinham sequer comida e remédio garantidos. Pior, pois eram mais pobres do
que todos os pobres: a eles, por uma vergonha humanamente compreensível, não
era dado sequer o direito de pedir esmola ou remédio porque seria aumentar a
dor do fracasso num mundo rico, mas socialmente distante e impiedoso, incapaz
até de perdoa-lhes os erros.
Quando
os governos se omitem na montagem de programas de ação social e nem ao menos
são bons parceiros da Igreja na assistência aos desvalidos, é sinal de que
governar já não é mais fazer o bem. Nem o governante alguém consciente de que é
o escolhido para cuidar do destino humano do seu povo. É apenas alguém, tão
comum e banal como todas as pessoas comuns e banais do mundo. E a ostentar no
colarinho branco o pedantismo que o poder, mesmo legítimo na conquista, pode
deixar de ser na ação.
POROCA: Contém glúten
Contém
Glúten
jcporoca@uol.com.br
José
Carlos L. Poroca
Executivo
do segmento shopping centersjcporoca@uol.com.br
O aviso do título é necessário para que não se
diga que houve omissão, descuido ou negligência do autor. Também é importante
para prevenir os que não podem passar perto ou sentir o cheiro do glúten. Por
último, é necessário para informar a quem ainda não sabe que o glúten é uma
substância fibrosa e pegajosa muito utilizada na fabricação de pães, macarrão,
etc. Informo que desconhecia esse tal de glúten e só me interessei quando vi
repetidas vezes em algumas embalagens o aviso de "não contém glúten".
Outro grande responsável foi um documentário interessantíssimo que vi sobre a
história do macarrão e a extensão de sua fabricação na China e em toda a Ásia.
Vão pensar não estou levando o assunto a sério. Longe de mim esta
possibilidade. Sei que a intolerância ao glúten, além de produzir diarreias,
pode provocar reação que danifica o forro do intestino delgado e outros males.
O
que estou querendo levantar, mas não tenho conhecimento para tanto, é tentar
saber e comparar se o ocidental é menos resistente que o oriental. Estou me
referindo aos chineses, japoneses, coreanos, tailandeses, butaneses,
indonésios, etc. São bilhões de pessoas que se alimentam de macarrão de arroz
ou de trigo, este com glúten, usado para dar mais consistência e mais
resistência. Os caras são craques e conseguem produzir fios de macarrão com
mais de dois metros de comprimentos. Os macarrões asiáticos são ingeridos de
todas as formas e com centenas de acompanhamentos. Se acharem pouco, aí vai: o
macarrão também é usado em cerimônias religiosas, casamentos (fertilidade) e
aniversários (felicidades).
Quando
vi o documentário, o nariz indicou: ooops!. Primeiro, porque sou comedor de
macarrão e não sou chinês; segundo, porque cheguei à conclusão: estou morto e
os que convivem comigo pensam que estou vivo. Não vão espalhar por aí, posso
tirar algum proveito do meu estado de zumbi. Explico: se juntar as doenças que
aquele programa de domingo diz que temos (eu também), somadas às bactérias que
aquele médico famoso diz que carregamos (me too) e se adicionar a quantidade de
'bichinhos' que estão no nosso organismo, o coração parou há não sei quanto
tempo. Adiciono os riscos da ida ao trabalho, de ligar qualquer aparelho
doméstico, de ver o céu à noite e de ter que encarar um urubu de frente a mais
de 2.000 metros de altura.
Os
irmãozinhos chineses são mais espertos que os de cá. A cultura milenar ensinou
aos nativos de olhinhos puxados que o corpo precisa de sustento: aprenderam a
fazer macarrão com trigo original, com trigo sarraceno (mais escuro), com
arroz, com soja e com mais algo que desconheço. Adicionam ovo e algum(uns)
vegetal(is) que pode(m) ser plantado(s) e colhido(s) em terras altas ou baixas.
Síntese: alimentados. Na China, "não tem boquinha" nem bolsa disso ou
daquilo, afinal são mais de um bilhão de pessoas para comer todos os dias.
Agora, o melhor da história: sabem o que se faz com o produto descomido? -
Depois eu conto, acabou o espaço.
terça-feira, 17 de julho de 2012
Jairo Lima: ATA MEUS OLHOS
Ata meus olhos
ata meus olhos às rodas do
sol
Jairo Lima
(A Adriana Falcão)
e faz com que eles descubram entre nuvens
passantes
um claro indício de teus hinos
deixa que a luz deles se
apodere
e te diga
vem
e te enlace em gritos
ata meus olhos ao
esplendor dos sinos
pois os últimos grãos desta tarde já foram
banidos
e tua sombra interroga os vales do sol
ata meus olhos
ao linho branco da luna
aos músculos da noite
aos vidros frios dos cimos
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Jairo Lima: Incêndio
INCÊNDIO
Jairo Lima
E então me entregaste em fragmentos
Umas lonjuras de mar, com suas velas e ventos;
E um gélido sangue de luna
Derramaste sobre o meu telhado;
Ainda te vi recitar folhas e pedras
E
deitar a maldição
Que abriu a cortina da madrugada
E
trouxe em cena para as águas dos meus olhos
O
incêndio de um sol assassinado
Isto foi ontem: hoje sei
que tua vingança
Esqueceu um caminho
Entre o crime e a memória:
Um fio esticado
Uma palavra inascida
Um choro macio e claro
Um regato incerto
Um relato truncado
Uma partícula viva da morte
Um estar agora sobre a sílaba de ontem
Imóvel, insone, transitória
Como uma faca de pé
Ou um sangue deitado sobre lagos
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Amália Rodrigues: Quero cantar para a lua
Amália Rodrigues
Pois foi da rua que eu vim
Não sei de vossas regras
Regras não são para mim
Pode ser que chegue ao céu
Deixe-me o meu pensamento
Que embora seja tormento
Que seja, mas seja meu.
Quero cantar para a lua
Deixe-me cantar na ruaPois foi da rua que eu vim
Não sei de vossas regras
Regras não são para mim
Deixe-me chorar ao vento
Deixe-me andar meu lamentoPode ser que chegue ao céu
Deixe-me o meu pensamento
Que embora seja tormento
Que seja, mas seja meu.
SEREJO: Entre risos gaios…
Por:
Vicente Serejo
Veja
Senhor Redator, como é perigoso o ofício de escrever. Ontem revelei mais uma
frustração, entre tantas, e um amigo desta coluna, sequer acreditou. A tarde
nem escondia o sol para a noite chegar, e ele impávido, bom leitor de Dalton
Trevisan, a duvidar que o vampiro de Curitiba tivesse sonhado em ser um jovem
coronel das Índias, só para fazer nascer das mãos de Katherine Mansfield,
petúnias. Tão inutilmente, embora soubesse da história da escritora
neozelandesa que, sem amor, morreu de tristeza.
Leitor
de livros velhos é assim. Guarda sempre em algum lugar da memória, quando não
na própria alma, uma palavra, uma frase, um pedaço de uma história de amor.
Pequenas coisas jogadas no mar das lembranças e que um dia, por uma razão sem
razão aparente, dão na praia das lembranças. É como se flutuassem em longas
travessias, lixo para a glória e a fortuna. Mesmo que alguns tenham uma
terrível piedade de nós quando nos vêem apanhando coisas inúteis no chão, é
impossível não guardá-las.
Sou
obrigado, pois, Senhor Redator, a contar a história. Antes peço desculpas por
contar uma notícia de amor tão inservível e inútil nesses tempos de glória e
fortuna, creia, mas não contar seria não honrar, mesmo num jeito pobre, a
paixão que Dalton Trevisan deixaria revelada para sempre no conto que publicou
no primeiro livro: Sete anos de pastor. Um livrinho de 1948, que há anos dorme
aqui nestas prateleiras. Pequeno, feio, papel de segunda. Ninguém daria, para
tê-lo, um centavo de vintém.
Por
conta disso, e é até com certo pudor e medo de ser chamado cabotino, é que
informo ter visto na Estante Virtual dois exemplares em catálogo para venda: um
por R$ 420 reais, capa descolada e sem contracapa; e o segundo um pouco mais
caro, R$ 460 reais, com capa, mas sem a parte do dorso. Para quem deseja, pouco
importa muitas vezes, a não ser um colecionador de exigências preciosas que
busca a brochura sem mácula e, se encadernada, com as capas preservadas e sem ter
suas fímbrias refiladas.
Carta
a Catarina, pequeno conto de duas páginas, não seria exaustivo reproduzir na
íntegra por ser de edição única do primeiro livro que Dalton Trevisan nunca
autorizou reeditar, depois da edição Joaquim, Curitiba, 1948, com ilustrações
de Poty Lazzarotto. Assina apenas com um D. Talvez de Dalton, talvez não. Que
importa se era para ele a adorável Miss Beauchamp, casada com um, por alguns
dias, e dormindo com outro, por quem ardia de amor, ou sozinha em Paris, sem um
homem para amar?
Transcrevo
o fecho, com se por esses dias, anos e anos depois, tão longe a lembrança, as
petúnias de repente desabrochassem no túmulo de Kathy, entre risos gaios, para
apagar a dúvida dos olhos e na alma de um amigo e leitor:
Poor Kathy, feia mas tão linda, faltou-lhe na
vida (essa mágoa matou-a) um coronel da Índia como eu, bravo moço de óculos
que, morta ainda, lhe beija com delírio as mãos de onde nascem, entre risos
gaios, petúnias.
O bom e o mau gosto são virtudes
José
Carlos L. Poroca
Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br
Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br
No
texto anterior ("Vamos e Venhamos"), tentei falar sobre o "O
Artista", filme de Michel Hazanavicius, que recebeu cinco Oscars. Não
consegui comentar uma única linha, alegando falta de espaço, o que não é
absolutamente verdadeiro. O velho e nem sempre sensato subconsciente, para não
enfrentar a estrada principal, procurou atalhos, parou para fazer xixi e deixou
a máquina em stand by - como justificativa para apreciar a paisagem, esperar a
lagartixa sair da toca, esticar as pernas -, tudo para ganhar tempo.
Volto
ao assunto. Vendo "O Artista", cheguei a uma conclusão que já
desconfiava e não queria admitir: sei nada ou quase nada sobre cinema. Sou um
apreciador e ponto. O 'desconfiômetro' foi acionado quando 'Titanic' recebeu 11
Oscars, a mesma quantidade recebida por 'Ben-Hur' e "O Senhor dos
Anéis". Nenhum dos três merecia receber tamanha quantidade de estatuetas,
confirmando o que já se sabia: a escolha não se baseia exclusivamente em
critérios 'técnicos'. Entram componentes políticos, históricos e outros
(compensação, equilíbrio, nostalgia, etc.). Há quem diga - não estou afirmando
- que argumentos como "você está me devendo um favor" ou "lembra
daquela grana que emprestei?" também entram na conta.
"O
Artista" não é um filme ruim, mas não é bom o suficiente para receber
cinco Oscars. O enredo não é novo, já foi levado à tela outras vezes. Três, de
cara, com temas parecidos: "Cantando na Chuva", "Cidadão
Kane", "Crepúsculo dos Deuses". Há outros, com certeza. E também
há o caso que contam como real (fora das telas), da belíssima e sensual Louise
Brooks que "não tinha uma boa voz para o cinema". A atriz de "A
Caixa de Pandora" recusou uma oferta dos produtores de permitir a dublagem
de suas falas. Também comentaram que Greta Garbo teve o mesmo problema. Mas
isso já é outra história. O filme de Hazanavicius não me convenceu. O ator é
bom? - Sim. Que mais? - ... (silêncio) .... Nada de extraordinário, tudo
certinho, sem pontos de interrogação ou de exclamação. Nada contra "O
Artista", mas, para mim, é um daqueles que dificilmente proporcionarão o
desejo, vontade ou interesse no repeteco.
Volto
a uma questão que defendo desde não sei quando: os filmes precisam prender a
atenção do espectador, precisam agradar, precisam mostrar algo diferente - como
ocorreu, foi o que percebi, com o extraordinário "Melancolia", de
Lars Von Trier. Aproveito para inserir os filmes argentinos como as boas
surpresas dos últimos tempos. Não há superproduções, não há grandes estrelas,
não há 3D, não há efeitos especiais."A Janela", "O Filho da
Noiva", "Abutres", "Nove Rainhas", "Clube da
Lua", "O Conto Chinês", "Medianeras", "O Homem ao
Lado" e o encantador "O Segredo dos seus Olhos" (ganhou um
Oscar, merecidamente) são demonstrações de que o Brasil também pode realizar
boas obras cinematográficas. The end.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
SEREJO: A casa de Robin Hood
Por:
Vicente Serejo
Nunca
faltam sonhos, Senhor Redator, à pobreza de alguns. Lembro que uma vez, numa de
suas crônicas mais líricas, vi Berilo Wanderley lamentar com tristeza não ter
fortuna para comprar uma ilha exposta à venda. Dizia ele, que a notícia saltou
do jornal e caiu bem na alma. Como também não teria como comprar uma ilha,
passei a invejar seu sonho. Por isso, às vezes, ando pelo mundo. E invento ser
dono de ilhas e castelos só para não deixar de nascer em mim um pouco de
glória, mesmo de mentira.
Foi
assim outro dia quando dei com os olhos num anúncio publicado pela Isto É,
edição do dia 20 de julho. Estava lá, página 27: ‘Casa de Robin Hood vai à
venda por R$ 22 milhões’. Fiquei olhando o anúncio e foi nascendo no chão da
alma uma imensa frustração. O que significaria para um milionário uns míseros
22 milhões de reais para ter a casa onde o lendário Robin Hood viveu os seus
últimos dias, construída no ano de 1135, que foi mosteiro e abrigou o silêncio
de seus monges até o século dezesseis?
É
verdade que não poderia comprá-la diretamente ao proprietário, mantido em
sigilo, porque vai ser vendida em leilão. Mas, sendo um anônimo, nativo dessas
ribeiras daqui, quem daria importância a um desconhecido que por acaso desse o
primeiro lance superior as 22 milhões de reais e arrematasse a casa de Robin
Hood? No máximo, e se muito, uma notinha de pé de página. E aqui, talvez por
inveja, se é que há invejosos aqui. Ou um resmungo, um desdenhoso dar de
ombros. Talvez um muxoxo, se tanto.
Cito
Le Goff por ser dele o único livro que tenho aqui sobre esses heróis medievais.
É um herói que viveu como personagem nas baladas dos séculos treze a quinze,
mas não se sabe se foi de carne e osso. Sua lenda, e basta a lenda, já o
eterniza como símbolo do bem contra o mal, roubando dos ricos para dar aos
pobres. Para Le Goff, sua história se assemelha à história de Shakespeare sobre
um herói que se refugiou na Floresta de Arden, depois de ‘desapossado de suas
terras e de funções por seu irmão’.
Le
Goff também reconhece que o pai do Robin Hood moderno é Walter Scott que o faz
renascer no romance Ivanhoé. Robin usa o nome de Locksley e salva o Rei, preso
por um irmão ao chegar das Cruzadas. Esta sua ardente aventura, nascida da
imaginação de Scott, o faz libertar o rei Ricardo Coração de Leão. Ao revelar
seu verdadeiro nome – Robin Hood – a Ricardo, este o perdoa como o rei de
verdade e o absolve dos seus roubos – ‘Nada do que hás podido fazer jamais será
usado contra ti’.
Não
importa se seu nome também é lendário e nasceu do seu chapéu adornado com penas
das aves da floresta de Sherwood, em Nottinghamshire. Importa a sua luta contra
o xerife de Nottingham, ‘símbolo do poder político e social, impiedoso e impopular’.
Com seu arco, observa Le Goff, que o torna um arqueiro, a sua única nobreza vem
do povo pelo qual luta na sua história até hoje lendária para uns e verdadeira
para outros. Não foi à toa que Eric Hobsbawm o viu como um modelo de
anti-herói.
sábado, 7 de julho de 2012
Por uma história de amor
Por:
Vicente Serejo
Há
os que cantam a fortuna, o poder, a glória. E há os outros, os imprestáveis
para a vida que só sonham saber contar uma grande história de amor. Sem valor
nenhum, que fosse. Mas uma história que ninguém tivesse contado antes. E que
talvez começasse como aquela história que a atriz Carolina Ferraz começou a
contar outro dia, mas interrompeu. Agora ninguém nunca vai saber o fim. De um
grande amor que um dia chegou suave. Cruzou a sua vida. Tocou a sua pele.
Marcou a sua alma. E nunca mais voltou.
Não
é que isso de não saber um segredo de amor roube a alegria de viver. Mas é que
dito assim, envolvido num certo mistério, é como se o dito escondesse o não
dito para cair na alma como se fosse a última grande história de amor. Só os
desvalidos, pobres de riqueza, contam nos próprios dedos a pobreza de não ter
sido um belo aventureiro das legiões estrangeiras. Como aquele moço, coronel
das Índias, de quem um dia Dalton Trevisan imaginou fazer nascer, das mãos
frágeis de Katherine Mansfield, petúnias.
Não
faz muito tempo li numa dessas revistas que tratam da vida que um pobre homem
muito rico e muito infeliz, só podia receber cartas de amor na sua
posta-restante. Todas as semanas saia sozinho até o correio e de lá trazia, sob
sigilo postal, uma carta de amor que ele guardava, como um segredo, entre as
páginas dos muitos romances de amor da sua vasta biblioteca. Escondia nos
livros, sem marcá-los. Como se fossem os capítulos de uma história que preferia
escrever sem escrever. Feita de confissões proibidas.
Ora,
Senhor Redator, como seria bom ser o bibliotecário naquela casa e todo dia
arrumar aqueles livros. Não apenas para vê-los limpos, prisioneiros dos seus
dorsos enfileirados, como se fossem caixas de segredos silenciosos que iam se
revelando ao acaso, sem ordem, sem numeração. Uma história sempre incompleta,
inacabada. Como, aliás, deveriam ser as grandes histórias se o amor é também
assim, feito de pedaços que se encontram, se completam, e depois, tão
desencontrados, reinventam começos sem fim.
Tenho
pra mim que as histórias e os poemas de amor guardam entre suas linhas e versos
muitas leituras. São pequenas aventuras espreitando os olhos dos leitores. Um
encontro mágico, abrindo o olhar humano em veredas numa floresta encantada.
Quando li Moby Dick só vi a baleia a perseguir o sonho do capitão Ahab. Um dia,
muitos anos depois, lendo Carlos Heitor Cony, de repente a baleia branca se
ergueu diante de mim como a busca de um destino e só então compreendi o
absoluto, o sinal de Deus.
Talvez
Herman Melville na sua longa contemplação do mar, entre tristes e grandes
silêncios de espera, tenha contado ao mundo uma história profundamente humana e
que só se revela a quem joga os olhos do outro lado da baleia branca. No vazio
do seu mar sem nada, onde nascem os sinais do absoluto e do infinito, como
escreve Cony. Ali está a história de uma derrota humana que humaniza seus
leitores. Mas só aqueles que sobrevivem à morte do capitão Ahab descobrem que
sua única riqueza era sonhar
Tempos maduros: de cotas raciais
Poroca
O estado precisa investir na educação e deve começar pelo início: ensino básico. Lamentavelmente, hoje, no Brasil, para onde se vai, há lideranças partidárias - muitas vezes defendendo interesses próprios ou de partido A ou B, em detrimento do objetivo maior e mais importante, que é a educação - comandando políticas, práticas e movimentos. No quesito educação, o Brasil caminha a passos de tartaruga, para não dizer que caminha como os caranguejos. Se tivermos boas escolas, bons educadores (leia 'educadores preparados') e uma política de longuíssimo prazo, não vamos precisar reservar vagas e cadeiras para quem quer que seja.
A
política de cotas das universidades públicas não pode e não deve se aplicar ao
mundo atual e, muito menos, para as universidades. O Brasil já viveu algo
parecido (Capitanias Hereditárias) e a história nos conta que NÃO DEU CERTO.
Nem poderia. Aliás, distribuição de cotas de acordo com a cor dos olhos,
conforme o tamanho das pernas ou conforme seja lá o que for, não pode dar certo
num país que diz aos quatro cantos do mundo que vai se transformar numa grande
potência
As
alegações que o Brasil precisa corrigir erros do passado é discurso de quem já
tomou todas: não tem consistência e se transformará em vazio quando chegar a
ressaca. Não quero, não devo e não posso pagar as dívidas dos meus bisavós e
tataravós. Não quero, não devo e não posso pagar pelos erros dos portugueses e
dos dirigentes da primeira ou da segunda república. Aliás, pago todos os meses
a minha contribuição mensal pelos erros atuais e pelos erros do passado,
através de um tributo chamado imposto de renda, o que é um grande equivoco até
que me convençam o contrário: salário é salário, renda é aquele 'bolo' que os
bancos chamam de lucro líquido. Pior, se colocar uma lupa (e não precisa ser de
primeira), a minha contribuição absorve até a parte que não foi paga por
aqueles que já vestiram o paletó de madeira.
O estado precisa investir na educação e deve começar pelo início: ensino básico. Lamentavelmente, hoje, no Brasil, para onde se vai, há lideranças partidárias - muitas vezes defendendo interesses próprios ou de partido A ou B, em detrimento do objetivo maior e mais importante, que é a educação - comandando políticas, práticas e movimentos. No quesito educação, o Brasil caminha a passos de tartaruga, para não dizer que caminha como os caranguejos. Se tivermos boas escolas, bons educadores (leia 'educadores preparados') e uma política de longuíssimo prazo, não vamos precisar reservar vagas e cadeiras para quem quer que seja.
Na
Bahia, as escolas estaduais estão em greve há três meses. Não quero apontar
para fulano ou beltrano e dizer que a culpa é de um ou de outro. Mas tenho
convicção suficiente para afirmar: alguma coisa está fora de ordem. Quando se
fala em educação, não pode haver partidos da cor tal ou qual; não pode haver
queda de braços entre o poder de fato e o poder de direito; não pode ser
desprezada uma causa maior e que está acima de todos os interesses: os
estudantes e, claro, a educação.
O
espaço do texto ("Tempo dos Maduros") não permitiu, mas, no mesmo
tema, há outro ponto que precisa ter um final: universidade pública de graça. O
que vi, o que vejo, o que soube e o que sei é que a grande maioria dos
estudantes das universidades federais é composta de pessoas que tem condições
de pagar uma universidade. Aí está um grande desequilíbrio que merece ser
corrigido. A universidade pública deve ter as portas abertas para os melhores:
se o estudante (ou seus pais) tem condições, não tem boquinha, deve pagar; se o
estudante não tem recursos, também deve pagar sob forma de prestação de serviço
ou outro modo compensatório.
É
o que penso.
Forte
abraço
José
Carlos Poroca
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Ariano Suassuna - O arauto dos compadecidos
Douglas
Portari e João Claudio Garcia Rodrigues – de Brasília
Escritor,
membro da Academia Brasileira de Letras, autor de Auto da compadecida e Romance
d’a pedra do reino, Ariano Suassuna fala sobre globalização, manifestações
populares, literatura e das relações entre cultura e desenvolvimento. E
ressalta: “Eu faço uma distinção entre o sucesso e êxito. Eu não acredito que
nenhum artista verdadeiro procure o sucesso”.
Ariano
viveu até os 15 anos na fazenda Acahuan, de propriedade de sua família, no
sertão. Ainda adolescente, foi morar no Recife (PE), onde se formou em direito.
A
carreira literária começou cedo, em 1947, com o lançamento de sua primeira
peça, Uma mulher vestida de sol. Oito anos depois seria encenado o espetáculo
que lhe deu projeção nacional, Auto da compadecida.
Professor
de estética na Universidade Federal de Pernambuco entre 1956 e 1994, Ariano
Suassuna construiu uma sólida carreira literária, materializada em 19 peças de
teatro, cinco livros de prosa – entre os quais se destaca Romance d’A Pedra do
Reino (1971) – além de vários volumes de poesia.
Entre
1975 e 1978 foi Secretário de Educação e Cultura do município do Recife e entre
1994 e 1998, foi Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, no Governo
Miguel Arraes.
O
vínculo com a alma popular o levou a estudar profundamente a Guerra de Canudos
(1896-97). O arraial, construído por camponeses pobres liderados por Antonio
Conselheiro, foi arrasado por forças federais, temerosas de uma organização
popular autônoma.
Em
seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, proferido em agosto de
1990, Ariano sintetizou as lições do episódio: “O que houve em Canudos, e
continua a acontecer hoje, no campo como nas grandes cidades brasileiras, foi o
choque do Brasil oficial e mais claro contra o Brasil real e mais escuro”. Mais
adiante, completou: “Na história recente, existem povos que souberam fazer de
suas respectivas culturas instrumentos de luta e de resistência, como
aconteceu, entre outros, com o Vietnã e a Argélia”.
Ariano
Suassuna proferiu uma palestra na abertura das comemorações do aniversário do
Ipea, em setembro último. Pouco depois, ele concedeu a entrevista que se pode
ler nas próximas páginas.
Ariano
Suassuna - Olha, está melhor que quando eu era jovem. Hoje, ainda há uma certa
preocupação. Com a criação do Ministério da Cultura, ele tem exercido um certo
papel nesse caminho. Eu destaco no Ministério da Cultura um dado que me parece
muito positivo, o estabelecimento dos chamados Pontos de Cultura, que serviram
muito para a interiorização da cultura. Antigamente, pensava-se em cultura como
uma espécie de perfumaria, quer dizer, algo que permanecia nas capitais. As
poucas iniciativas do poder público, no sentido de fomentar e defender a
cultura eram tomadas mais no litoral. Isso vem de um historiador baiano do
século XVI, frei Vicente do Salvador, que dizia que os portugueses chegaram
aqui e ficaram como caranguejos, arranhando a costa.
Ariano
Suassuna - Para conversar comigo, você precisa fazer uma distinção entre isso
que chamam de globalização e a universalidade da cultura. Veja bem, falo da
globalização nos termos em que ela é feita hoje. Desse ponto de vista, é um mal
terrível, porque é uma tentativa de uniformização das culturas, niveladas pelo
gosto médio, que é uma das coisas piores que pode acontecer à cultura. Vou
falar de um artista verdadeiro, como Villa-Lobos. Você está para me apresentar
um artista de fora que tenha a importância de Villa- -Lobos. Eu tenho grande
admiração por dois músicos franceses, Débussy e Erik Satie, que representam
para a França o que Villa-Lobos representou e representa para nós. Você tem de
fazer diferença entre um artista desse e um que atinge o sucesso, que é outra
distinção fundamental para se entender o que há comigo. Eu faço uma distinção
entre sucesso e êxito. Eu não acredito que nenhum artista verdadeiro procure o
sucesso. O sucesso é efêmero por natureza. Outro dia, eu estava falando da época
em que Michael Jackson ainda era vivo. Eu dizia que Michael Jackson e Madonna,
e hoje eu diria Lady Gaga, têm mais sucesso que Euclides da Cunha, Cervantes,
Dante ou Nero. E levando pro campo da música, têm mais sucesso que Mozart.
Agora, a música de Mozart foi um êxito e vai ser assim daqui a três séculos,
quando ninguém mais vai saber quem foi Lady Gaga. Mozart continuará sendo um
dos músicos mais importantes que já existiu. Quando eu falo contra a
globalização, é essa globalização de Lady Gaga, e não o valor universal de
Mozart.
Suassuna
- Naquele tempo não se cuidava muito de globalização porque não existia ainda.
Mas eu não me considero um regionalista e, se você olhar bem, há distinções
fundamentais. Eu considero regionalismo um neonaturalismo. Quando eu estava
escrevendo a peça Auto da Compadecida, muita gente me perguntava se era uma
peça regionalista. Eu dizia que era, porque não tinha nem como explicar na
época. Mas eu sabia desde logo que haveria uma distinção fundamental. Porque eu
não sou um escritor naturalista. Existe no que escrevo uma dose de fantástico e
de poético que vem da literatura de cordel e de outros tipos de escritos pelos
quais eu tenho muita admiração. Eu gosto muito do Apocalipse de São João, eu o
considero uma obra prima literária. Eu acho a Bíblia, como um conjunto, a
epopeia mais importante que já foi escrita. Superior à Odisseia, à Ilíada, no
sentido literário, e não religioso. São João e o profeta Ezequiel são, para
mim, os maiores autores da Bíblia, aqueles com os quais eu mais simpatizo. São
grandes poetas e grandes escritores. Repare em São João, que coisa linda: “E
viu-se um grande sinal do céu. Uma mulher vestida de sol e a lua estava sob
seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça”. Jamais um naturalista
escreveria isso. E o fundamento poético da minha primeira peça são esses versos
de São João. Então, eu sabia que não era regionalista, mas entre o regionalismo
e o modernismo, eu me ligo mais ao regionalismo.
Desenvolvimento
- Mas, como Tolstói dizia: “Se queres ser universal, pinta a tua aldeia”...
Suassuna
- Isso aí já é outra coisa, você está discutindo a oposição local e universal.
Na minha opinião, não existe obra que seja universal, obra importante. Todas as
obras que eu conheço, e das quais eu gosto, de início são locais, nem
regionais, nem nacionais. Dom Quixote é um livro que só poderia ter sido
escrito na Espanha, em Castela e na Mancha. Quer dizer, Cervantes é um autor
que só poderia surgir na Espanha. Dostoiévski é um escritor que só poderia
nascer na Rússia. Eles são profundamente locais, mas eles são universais por
causa da quantidade de sonho humano que eles conseguiram captar em seus livros.
Eu não acredito em grande obra universal, mas em grande obra universalizada,
pela qualidade e pela grande quantidade de sonho humano que ela recebe.
Suassuna
- Está começando a melhorar e a ser superada. Eu assisti a duas, três ou quatro
fases de desenvolvimento do Brasil. O pessoal da minha idade costuma dizer: “No
meu tempo, era melhor”. Mas é mentira deles, eu sou testemunha e era muito pior
no meu tempo. Eu estou com 84 anos, eu já recebi gente na minha casa. E tenho
muita falta de sorte quanto a isso, porque tem gente que vai para dizer o que
eu devo pensar e o que devo ler. Foi uma pessoa que disse: “Se você continuar
com essas posições, você vai ser execrado pela juventude”. E eu disse:
“Paciência, eu vou dizer o que penso, que é o que gosto e sei fazer. Se a
juventude gostar, para mim tá ótimo, se não gostar, paciência. Eu não vou
mentir”. Eu já posso dizer que percorri o Brasil inteiro, eu tenho ido do
Amazonas ao Rio Grande do Sul, do Nordeste ao Centro-Oeste, Mato Grosso e
Goiás, e em todos os lugares eu tenho dito isso, porque para mim a juventude
brasileira está ansiosa para ouvir falar do Brasil. Ela corre aos montes, a
grande maioria das pessoas que vão me ouvir é constituída por jovens.
Suassuna
- Essa é uma mudança inevitável. Nunca houve um tempo que se congelasse. Outro
dia um jornalista escreveu um artigo e disse: “Ariano Suassuna precisa levar em
conta que o homem que andava a cavalo hoje anda de moto”. Aí eu disse: “E você
precisa levar em conta que o homem que anda a cavalo é o mesmo que anda de
moto”.
S uassuna
- É claro. O ser humano é o mesmo, em todos os lugares e em todas as épocas. Os
problemas do ser humano são os mesmos: fome, injustiça, ciúme, amor, paixão,
morte, que é o principal problema de todos e o mais democrático, que atinge
todo o mundo. Esses problemas, enquanto existir o ser humano, eles vão valer.
Já que eu falei no Dom Quixote, hoje não é mais o tempo de Cervantes. Acontece
que, quem escreve somente com os elementos de seu tempo, nas suas
circunstâncias, que são acidentais, está desgraçado, liquidado, fadado a ser
esquecido e deixado de lado. Do tempo de Cervantes, você sabe o nome de Lope de
Vega, Calderón de La Barca e Góngora. E quantas centenas de escritores não têm
hoje? Já desapareceram, e o Dom Quixote vai ficar. E a obrigação de Cervantes
era recriar, na literatura, a Espanha de sempre, o espanhol de sempre, pelo
espanhol de suas circunstâncias. Então, se Cervantes escrevesse hoje, o Dom
Quixote teria a mesma grandeza.
Desenvolvimento
- O que o senhor disse agora é uma resposta àqueles que atacam a defesa que o
senhor faz da cultura brasileira, afirmando que é a defesa de uma cultura
estática e fossilizada...
Suassuna
- Eu escrevo sobre a fase que eu conheci. Minha obra está praticamente
completa, estou agora escrevendo meu último livro. Então, ainda não aparece
moto, mas aparece uma bicicleta. E podia aparecer uma moto. Se ela for boa, ela
fica, se for ruim, não tem cavalo que a sustente. Nem moto. Eu acho muita graça
disso, do povo que ficou vaidoso. Porque além de antipáticos, eles são burros.
Nenhum escritor pode saber da importância de sua obra, se ela vai ficar ou não,
enquanto ele é vivo. O passar do tempo é que decanta isso. Tanto que eu tenho
grande admiração por Guimarães Rosa, fui amigo pessoal e tenho grande admiração
por ele como escritor. Mas quando eu vou falar de um escritor que falou sobre o
sertão, que apresentou os jagunços e o messianismo, eu prefiro falar de
Euclides da Cunha. Por um motivo muito simples: já se passaram mais de 100 anos
da publicação de Os Sertões, e Rosa foi meu contemporâneo. Tanto eu quanto ele temos
de esperar, apelar para o tempo.
Desenvolvimento
- O senhor disse que a juventude brasileira tem sede de conhecer o Brasil, que
ela quer conhecer o verdadeiro Brasil. Qual é o caminho para facilitar esse
conhecimento? Depende de uma ação da própria juventude, do governo?
Suassuna
- Isso eu não sei. Vocês estão me chamando de professor, mas eu não sou
sociólogo, nem antropólogo. Eu sou um escritor, eu estou fazendo o meu, porque
literatura é o que gosto. Eu acho que o problema do desenvolvimento do país não
pode ser olhado estritamente do ponto de vista econômico ou político, ele tem
que ser visto como um todo, e eu acho que a cultura tem um papel fundamental
nisso. Eu acho que a cultura é a ponta de lança, até do desenvolvimento. A
gente tem que colocar um sonho na frente. Porque se você for contar somente com
a razão e com a ciência, você fica quieto num canto e isso pode te levar para
um bom caminho ou para os piores cantos do mundo. Basta dizer que o progresso
científico do século XX levou para a bomba atômica.
Desenvolvimento
- O Ipea assumiu isso, que o desenvolvimento não é uma questão só econômica...
Suassuna
- É uma boa notícia. Eu acho que o sonho é o fundador da arte e da literatura.
Então, eu falo do Brasil que sonho e do Brasil que há de vir. Fiquei muito
satisfeito porque um escritor português falou que A pedra do reino era o
apocalipse do sertão do Brasil que há de vir. “Que está a vir”, como uma força
cósmica, semelhante à da Rússia. Do ponto de vista político, meu sonho é esse.
Desenvolvimento
- Como profundo conhecedor do sertão, como admirador de Euclides da Cunha, como
escritor que viajou o país inteiro: o que avançou do sertão que o senhor
conheceu na infância e na juventude, que o inspirou em A pedra do reino, até
hoje?
Suassuna
- Avançou muito. Primeiro, as telecomunicações avançaram muito, hoje você não
encontra mais aquele homem do sertão isolado, como Euclides da Cunha viu, como
se fosse um país estranho. Não foi defeito dele não. Machado de Assis já dizia
que existiam dois países no Brasil, o oficial e o real. Euclides da Cunha foi,
como eu, nascido, criado, formado e deformado pelo Brasil oficial, mas ele teve
a grandeza de perceber o Brasil real e se converteu para o Brasil real. Mas a
conversão foi rápida demais, e ele ficou meio perturbado. Tanto que ele não
conseguiu encarar e perceber o Brasil real das cidades. A favela é o sertão das
cidades. Ele passou a identificar como Brasil real apenas o sertanejo. E para
mim era até bom, porque eu sou sertanejo. Mas eu acho que, sem querer, ele foi
até injusto com o Brasil das cidades. Inclusive ele não percebeu que, em
Canudos, havia uma parcela do Brasil real recrutada pelo Brasil oficial para
tirar dos seus irmãos. Existe uma coisa certa, uma coisa do símbolo, que para
mim, como escritor, me toca muito. Eu não sei se você sabe, mas pra mim sempre
chamou atenção, que eu não sei por que se chamam os aglomerados urbanos das
grandes cidades brasileiras de favelas. Favela é o nome de um vegetal
sertanejo. Estava escrito em Os Sertões. É um vegetal sertanejo, espinhoso. Aí
eu disse: esse negócio só pode ter relação com a Guerra de Canudos. Fui
pesquisar e é mesmo. Canudos era situado em uma zona baixa. Euclides descreve:
Canudos era uma tapera situada dentro de uma furna, era cercada por um cinturão
de serras. No lugar dessa serra que circunda a cidade, havia um chamado morro
da favela, porque tinha muita favela nele. Então, quando acabou a guerra, os
soldados e oficiais voltaram para as cidades, para o Rio inclusive. E, quando
voltaram, os oficiais ficaram nas casas de baixo, como sempre. E os soldados
subiram para o morro, que começou a ser chamado de morro da favela. Canudos foi
o momento em que o Brasil real tentou levantar a cabeça e o Brasil oficial foi
lá e cortou essa cabeça. E veja como isso se tornou importante.
S uassuna
- Teve e tem. Veja bem, eu tive de fazer uma reflexão crítica sobre mim mesmo.
Eu tenho grande admiração pela figura de Dom Sebastião. O que me seduz nele é
isso: o homem que procurou, além de si mesmo, ir atrás de um sonho. Mas hoje eu
noto uma coisa que me desagrada muito: ele é um integrante privilegiado e
diferenciado, mas é um integrante dessas pessoas que atacam o chamado terceiro
mundo. Ele não é um bruxo, que ficou trancado lá, encastelado, e mandou os
outros morrerem. Mas ele procurou alçar-se acima de si mesmo e, apesar de seus
erros e de tudo que ele fez, a morte bela sagra a inteira. Então, como ele
morreu belamente, depois de adulto eu notei que lá estava ele assaltando
Canudos também. Eu, quando menino, peguei os fragmentos de uma cantiga
sebastianista e decorei. Já depois de adulto, eu chamei meu amigo Antônio
Madureira e passei para ele a música, fiz uma reconstituição literária da
cantiga, da qual eu só tinha fragmentos esparsos. Fiz uma versão integral e dei
a ele, que musicou. E esse romance de cantiga sebastianista está no romance A Pedra
do Reino. E eu vou dizer para vocês a cantiga, porque ela é linda: “Nosso rei
foi se perder nas terras do mal passar”, é o Dom Sebastião; “deitam sortes
aventura quem o havia de ir buscar/ O cavaleiro escolhido não se cansa de
chorar/ Vai andando, vai andando sem nunca desanimar/ Até que encontrou um
mouro num areal a velar/ Por Deus te peço, bom mouro, me diga sem me enganar/
Cavaleiro de armas brancas, se o viste aqui passar/ Este cavaleiro, amigo,
diz-me tu, que sinal traz/ Brancas eram suas armas, seu cavalo é Tremedal/ Na
ponta de sua lança levava um branco sedal/ Que lhe bordou sua noiva, bordado a
ponto real/ Este cavaleiro amigo, morto está nesse pragal/ Com as pernas dentro
d’água e o corpo no areal/ Sete feridas no peito, cada uma mais mortal/ Por uma
lhe entra o sol, pela outra o luar/ Pela mais pequena delas, um gavião a voar”.
Esse gavião, para mim, é o símbolo da morte. O jovem rei morto ali, com sete
feridas – olha o número mágico. Aí dizia lá: “Mas é mentira do mouro, seu
desejo é me enganar/ O nosso rei encantou-se, nas terras do mal passar/ E um
dia, no seu cavalo, nosso rei há de voltar”.
Ariano
Suassuna é enfático. As palavras saem de sua boca como um texto já copidescado
e revisado. Mas não se trata de uma fala formal, ao contrário. As entonações e
a espontaneidade de suas frases exaltam a paixão de quem vê nas manifestações
populares a afirmação do que o Brasil tem de melhor.
Nascido
em João Pessoa (PB), em 1927, Ariano Villar Suassuna perdeu o pai, assassinado
por motivos políticos, aos nove anos de idade. João Suassuna havia sido
presidente – cargo equivalente ao de governador – da Paraíba e foi figura de
destaque nos acontecimentos que desembocaram na Revolução de 1930.
Desafios
do Desenvolvimento - O senhor diz que globalização é um novo tipo de
colonialismo. Outros países têm políticas mais direcionadas para proteção da
cultura nacional, como França, outras nações europeias e Estados Unidos. No
Brasil, falta política pública para defender a cultura nacional face à
globalização?
Desafios
do Desenvolvimento - O Brasil hoje é um país com projeção maior no mundo. Do
ponto de vista da cultura, não há benefício na globalização?
Desenvolvimento
- Apesar de o movimento regionalista de literatura ser anterior ao século XX,
ele ganhou força no século XX, meio que como resposta ao movimento modernista.
O movimento modernista, essa coisa de tentar deglutir o que vem de fora,
estaria mais como uma aceitação da globalização ou uma universalização?
Desenvolvimento
- Professor, uma expressão bastante comentada no Brasil recentemente é o
complexo de vira-lata, que Nelson Rodrigues já mencionava. Essa mania de
desprezar o que é nacional e exaltar o que é estrangeiro continua bastante
forte e arraigada no Brasil?
Desenvolvimento
- Isso nos leva à próxima pergunta, exatamente sobre essas inf luências de
infância. Sua infância foi bastante marcada pelo circo, pelo mamulengo, pela
criança que brinca no campo, na terra. A criança de hoje é muito levada pelas
novas tecnologias, brinca mais dentro de casa, em contato remoto com outras
crianças. Haveria uma forma de as novas tecnologias recuperarem esse passado?
Desenvolvimento
- Mudou a ferramenta, não mudou o homem...
Desenvolvimento
- O tema do Sebastianismo, na obra do senhor, é bem recorrente. O senhor acha
que o povo brasileiro tem muito disso, de esperar o salvador da pátria?
Desenvolvimento
- O senhor está como secretário especial da Cultura, e o senhor já teve outras
experiências na administração pública. É mais difícil promover a cultura como
intelectual ou como gestor público?
Suassuna
- Para mim, o ideal seria permanecer como escritor. Eu sempre adverti as
pessoas que me chamaram: olha, vocês estão convidando uma pessoa que não tem
vocação, eu não tenho vocação administrativa. Ou seja, se vocês querem me pegar
como uma espécie de bandeira, então eu concordo, porque aí eu torno mais eficaz
a minha atuação de escritor. Eu tenho uma pena de político. O político decente
– que existe, vocês sabem –, porque eles ficam no meio de um bombardeio e eles
têm de ser astuciosos porque os do mal são mais astuciosos. Então, se eles
forem ingênuos, como eu sou... Qualquer vereador de uma cidade menor de
Pernambuco ou da Paraíba me enrola em dois minutos. Então, eu não posso. O
doutor Arraes queria me fazer prefeito do Recife. Eu disse: me desculpe, mas um
compromisso desse eu não aceito não. Eu gosto muito do Recife e não ia fazer um
mal desses. E eu poderia inclusive ser atingido na minha reputação, porque que
eu não ia roubar eu sei, porque não sou ladrão, mas se eu descobrisse que estão
roubando... Eu vi Getúlio Vargas, e eu tenho grande admiração por ele. Ele
tinha uma parte ruim que era o autoritarismo, mas também tinha projeto para o
país e uma preocupação com os mais pobres. Isso ficou evidente, tanto que
Fernando Henrique Cardoso se jactou, quando estava perto de terminar o governo,
e disse que tirou os últimos vestígios do getulismo no Brasil, que era a
legislação trabalhista, avançadíssima. E outra coisa, ele foi deposto não por
causa do que ele tinha de ruim não, mas do que ele tinha de bom. Por causa
exatamente dessa preocupação nacional e da preocupação com os mais pobres. A
embaixada americana liderou a derrubada dele, articulou. Então eu vi Getúlio,
que era honesto, honrado, e quando ele se viu cercado de ladrões e acuado pelos
adversários, disse: “nunca pensei que estivesse cercado por esse mar de lama”.
Aí deu um tiro no peito. Eu até falei em uma entrevista que, se os adversários
do Lula pensam que vai ser igual, eles estão enganados, porque Getúlio Vargas
não tinha, como Lula tem, a sabedoria, a astúcia e a paciência do povo
brasileiro, porque ele não vai dar tiro no peito nenhum.
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