O que doeu, Senhor
Redator, não foi a morte, mas a solidão de um poeta na última notícia de sua
vida. Num obituário de jornal, na secção geral de ‘Mortes’. Depois, seu nome e
as datas do seu começo e fim. Uma frase lembrando seu amor a Minas, num texto
curto, a citação de alguns livros, e sua grande paixão pelo estudo do barroco
mineiro. Uma história que acaba poucas linhas adiante dizendo que nos últimos
anos lutava contra um enfisema que roubava a vida e sufocava os pulmões.
Foi assim: ‘Affonso
Ávila – 1928-2012 – Paixão por Minas marcou o poeta’. Nem ao menos um verso do
seu amor a Minas – ‘Eu em Minas de mim’ – ou talvez aquela epígrafe de
Guimarães Rosa inscrita como numa pedra na abertura do seu belíssimo código
poético: ‘Minas em mim. Minas comigo. Minas’. Um resumo biográfico é muito
pouco para lembrar um grande poeta. E nele não cabe sua poesia. Principalmente
com um nome alexandrino – Affonso Celso Barros de Ávila e Silva.
Naqueles anos
sessenta, já tão passados, era comum nas estantes de uma juventude curiosa de
tudo o livro de Affonso Ávila na edição da Civilização Brasileira, de Ênio
Silveira, que lançou num só volume ‘Código de Minas & Poesia Anterior’.
Livro medido e contado, de partes que se abrem em pórticos de belas epígrafes.
Numa delas, antes da Carta sobre a Usura, Tomás Antônio Gonzaga grita na página
toda em branco: ‘Daqui veio mandar-lhes Deus que não levassem usuras uns aos
outros’.
Um dia chegou o poeta
Dailor Varela trazendo ‘O Poeta e a consciência crítica’. Cada ensaio de
Affonso Ávila parecia um manifesto, tão fortes eram as suas verdades. Num
deles, aquele que interessava mais a Dailor, a ‘Iniciação Didática à Poesia de
Vanguarda’ que começa assim: ‘Falar de vanguarda é falar do novo, do que se
cria, é falar do que se pesquisa, do que se procura acrescentar ao mundo ou à
existência do homem’. Como sei? Ora, tenho um exemplar aqui, desde aquele
tempo.
Anos depois daquela
noite no Grande Ponto vi numa livraria do Recife a nova edição do livro que
marcou os anos sessenta. Estava revisto e ampliado, destacando na folha de
rosto os títulos de suas duas partes: ‘Uma linha de tradição, uma atitude de
vanguarda’, como na primeira edição, Vozes. Só em 1978 saiu a segunda, pela
Summus. Tudo ficou aqui, na estante, vigiando os anos que também envelheceram a
vanguarda que para Caetano Veloso derrubava as prateleiras e as estátuas.
Poeta de vanguarda,
nascido entre as montanhas de Minas e feito para conspirar, Affonso era também
um poeta do amor e fazia sonetos. É tanto que nos primeiros anos da década de
cinquenta chegou a publicar um livro com os ‘Sonetos da Descoberta’. Não para cantar o amor antigo, cortês, em
enlevos, mas para avisar: ‘Fôssemos pedra e o amor seria curto / ou, num ato,
moroso como o tédio’. Mas o poeta Affonso Ávila morreu e coube numa gaveta de
obituário. Como se não fosse ele.
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