segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Serejo: A solidão do poeta

Por: Vicente Serejo

 O que doeu, Senhor Redator, não foi a morte, mas a solidão de um poeta na última notícia de sua vida. Num obituário de jornal, na secção geral de ‘Mortes’. Depois, seu nome e as datas do seu começo e fim. Uma frase lembrando seu amor a Minas, num texto curto, a citação de alguns livros, e sua grande paixão pelo estudo do barroco mineiro. Uma história que acaba poucas linhas adiante dizendo que nos últimos anos lutava contra um enfisema que roubava a vida e sufocava os pulmões.

 Foi assim: ‘Affonso Ávila – 1928-2012 – Paixão por Minas marcou o poeta’. Nem ao menos um verso do seu amor a Minas – ‘Eu em Minas de mim’ – ou talvez aquela epígrafe de Guimarães Rosa inscrita como numa pedra na abertura do seu belíssimo código poético: ‘Minas em mim. Minas comigo. Minas’. Um resumo biográfico é muito pouco para lembrar um grande poeta. E nele não cabe sua poesia. Principalmente com um nome alexandrino – Affonso Celso Barros de Ávila e Silva.

 Naqueles anos sessenta, já tão passados, era comum nas estantes de uma juventude curiosa de tudo o livro de Affonso Ávila na edição da Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, que lançou num só volume ‘Código de Minas & Poesia Anterior’. Livro medido e contado, de partes que se abrem em pórticos de belas epígrafes. Numa delas, antes da Carta sobre a Usura, Tomás Antônio Gonzaga grita na página toda em branco: ‘Daqui veio mandar-lhes Deus que não levassem usuras uns aos outros’.

 Um dia chegou o poeta Dailor Varela trazendo ‘O Poeta e a consciência crítica’. Cada ensaio de Affonso Ávila parecia um manifesto, tão fortes eram as suas verdades. Num deles, aquele que interessava mais a Dailor, a ‘Iniciação Didática à Poesia de Vanguarda’ que começa assim: ‘Falar de vanguarda é falar do novo, do que se cria, é falar do que se pesquisa, do que se procura acrescentar ao mundo ou à existência do homem’. Como sei? Ora, tenho um exemplar aqui, desde aquele tempo.

 Anos depois daquela noite no Grande Ponto vi numa livraria do Recife a nova edição do livro que marcou os anos sessenta. Estava revisto e ampliado, destacando na folha de rosto os títulos de suas duas partes: ‘Uma linha de tradição, uma atitude de vanguarda’, como na primeira edição, Vozes. Só em 1978 saiu a segunda, pela Summus. Tudo ficou aqui, na estante, vigiando os anos que também envelheceram a vanguarda que para Caetano Veloso derrubava as prateleiras e as estátuas.

 Poeta de vanguarda, nascido entre as montanhas de Minas e feito para conspirar, Affonso era também um poeta do amor e fazia sonetos. É tanto que nos primeiros anos da década de cinquenta chegou a publicar um livro com os ‘Sonetos da Descoberta’.  Não para cantar o amor antigo, cortês, em enlevos, mas para avisar: ‘Fôssemos pedra e o amor seria curto / ou, num ato, moroso como o tédio’. Mas o poeta Affonso Ávila morreu e coube numa gaveta de obituário. Como se não fosse ele.

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