sábado, 3 de novembro de 2012

Serejo: A paisagem

Por: Vicente Serejo

 Devo ter sido o principal redator de Luiz Maria Alves – com as exceções naturais – nas suas lutas em defesa da paisagem. No caso do Mirante da Caern, certamente a primeira, ali no alto da balaustrada da Getúlio Vargas, era um foca. Fui só repórter. Em muitas outras, não. Fui repórter, redator e editorialista. Com ele fiz um curso geral de redação e dele ouvi muitas vezes que a boa opinião se constrói de forma substantivada e não com adjetivação pesada. Para que assim o adjetivo se justifique na cabeça do leitor.

 Lembrei o detalhe em dois instantes recentes: a entrevista de um tecnocrata que assisti cantando as glórias do projeto da Via Costeira, e um artigo de Carlos Heitor Cony, na Folha de S. Paulo. O tecnocrata tripudiou, embora com elegância, louvando o Governo Tarcísio Maia ao construir a Costeira, e Cony deu seu grito contra esculturas do museu a céu aberto, no Rio, que ‘quebram a paisagem estonteante de uma cidade que, em termos panorâmicos, é considerada a mais bela mundo’, ele que defende o Rio, sempre.

 É preciso não ter vivido a luta – o tecnocrata viveu, sim – ou ser omisso – e ele foi, sim – para negar a corajosa posição de Luiz Maria Alves. O projeto da Costeira teria sido inteiramente outro se realizado como inicialmente concebido. A começar do traçado da avenida que seria do lado do mar, reservando a faixa contígua às dunas para a edificação de hotéis. Da função de barreira natural de proteção dos morros, até hoje, passaria a uma porteira escancarada para a destruição da nossa bela reserva de Mata Atlântica.

 Não vou recontar a história que já contei, numa entrevista de página inteira, a Sílvio Andrade, do Novo Jornal. É só pra dizer que o Diário de Natal, aquele outro e bem outro, trouxe a Natal Vasconcelos Sobrinho, o grande geógrafo pernambucano que havia integrado a comissão sobre a desertificação no mundo, e Burle Max, o mestre na flora tropical, inclusive estudioso da Mata Atlântica. Não foi fruto de improvisação. Pelo contrário. A luta foi para desmontar a falácia inculta e insensível dos tecnocratas.

 A Costeira sempre foi vítima de desejos vorazes. O que era para ser um parque com vários hotéis, todos horizontais e erguidos nos seus platôs naturais integrados ao conjunto da paisagem e deixando livre a bela visão de Ponta Negra – o único a cumprir foi o Vila do Mar – acabou sendo cercada por verdadeiros edifícios-tapumes. Para não falar no crime que foi o governo permitir que as áreas de servidão pública, para acesso das pessoas às praias – fossem engolidas pelos que já haviam recebido os terrenos de graça.

 Agora foi Carlos Heitor Cony que protestou com o título de ‘Poluição Visual’ a fixação de uma escultura na enseada de Botafogo e de onde, defende, se tem a mais perfeita visão do Pão de Açúcar. Para ele, ‘a escultura quebra dramaticamente a harmonia do cenário que é uma das logo-marcas do Rio’. É por essas e outras que Luiz Maria Alves foi um gênio além do seu tempo. Não tinha culpa de ser um leitor bem informado nos jornais britânicos que aproveitava dos dirigentes ingleses nas madrugadas insones como telegrafista da Western Telegraph. E onde um dia acabaria assumindo o cargo de gerente geral.

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