sábado, 17 de novembro de 2012

Serejo: O fim do mundo


Data: 16 novembro 2012 - Hora: 17:52 - Por: Vicente Serejo

Não sei Senhor Redator, se o mundo acaba em dezembro como anunciam os profetas bíblicos ou zodiacais. Sei que o mar avança com o furor de mil gigantes. Ontem, no 15 deste novembro, altruístico e republicano, uma das casinholas – de madeira e cobertas de fibra – do porto onde os pescadores guardam as redes e apetrechos, amanheceu com os alicerces devorados pelas águas. Foi preciso escorar às pressas para não tombar. É a segunda. A terceira é a próxima. Já mostra os seus tijolos, expostos à arrebentação.

Não é que se possa evitar o fim do mundo só com o escudo do medo. Ou fugindo pelo oitão. Mas bem que poderia ser mais suave. Pelo menos para os que vivem na beira do mar, ali na praia onde todas as ondas antes chegavam mansas como se fossem simples remansos do que sobrou da viagem ao longo do maralto. Agora se erguem furiosas, empurradas pelo vento Leste que parece ter escondido a força das ventanias de agosto em algum lugar e agora chegam devolvendo tudo quanto jogaram em suas águas.

Confesso Senhor Redator: não espero ver o mundo acabar. Não acho ser coisa pros nossos dias. Deus deve andar arrependido de umas tantas coisas e com remorso diante de umas tantas outras. Quem não estaria? Mas o mundo é a mais bela criação de Deus. Foi aqui, criando a beleza do nada, no mar e no deserto, que fez do vazio o grande instante da monumentalidade. E se nas descrições do Paraíso há a ausência do mar, talvez tenha sido intencional. É que o mar tem uma beleza só sua. Trágica e sublime.
Fui menino e hoje arrasto mais de sessenta anos ouvindo que o mar é triste, tem a melancolia das coisas monótonas. Não, não é. A tristeza e a alegria estão dentro de nós. No mar de dentro. Aquele feito das águas de nossas próprias almas. É lá que flutuam as sensações humanas. No doce mar de Dorival Caymmi, aquele que embala a morte e o sono cansado e humano de João Valentão, ou o mar primevo e talássico de Baudelaire, espelho onde os homens contemplam as mágoas da sua própria humanidade.

Por isso a beleza do mundo não vai acabar assim, num dia qualquer de dezembro de um ano sem graça. É maior do que o apocalipse dos profetas e os economistas, bruxos da eternamente anunciada crise. Li outro dia que a tristeza dos catastróficos anunciando o fim do mundo infelizmente não seria mais em dezembro deste ano. Outros, os inconformados, vendo que Deus não lhes deu a menor satisfação, transferiram para 2018, quando um cataclismo destruirá num só golpe toda a raça humana.

Aliás, Senhor Redator, pra ser sincero, nada demonstra melhor a grandeza de Deus do que a raça humana. Trágica e ao mesmo tempo sublime, há de ser fruto de sua misericórdia. Ora, quem seria capaz de ungir todos os seres humanos à imagem e semelhança de Deus? Sem distingui-los diante da grandeza de uns e da miséria de outros? Quem perdoaria a todos, todos os dias, fracos e reincidentes, que mordem o fruto proibido como se viver não fosse uma graça, e essa graça não representasse o próprio Paraíso?

 

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