Tempos estranhos, esses, Senhor Redator. De verdades postas,
supostas, sobrepostas e superpostas que se misturam entre realidades e
irrealidades que os doutos chamam de simbiose e sinergia. São tempos feitos de
matéria plástica que se moldam e amoldam ao vasilhame de cada interesse, como
se fossem líquidos. Sempre soube que a
política tinha um tanto de ciência, outro de arte. Mas foi na artimanha que
aprendeu a vivacidade dos truques, sobretudo esse jeito milagreiro de vender
sonhos e fazer promessas.
Devo reconhecer que se
fosse só ciência, e se apenas uma questão de fórmula, talvez fosse chata.
Qualquer matemático seria deputado ou senador. E se fosse apenas arte
certamente não escaparia dos devaneios e delírios de espécie. Melhor, bem
melhor, que tenha assim, desde que nascida da boa medida de cada coisa. O diabo
é que veio o marketing, manhoso e furta-cor, fazendo da palavra e do gesto algo
meio camaleônico e o mimetismo fez do falso o verdadeiro. E nunca mais se soube
sua cor de verdade.
Alguns deles, mais vistosos e falantes, enganam com mais
perfeição o eleitor de poucos olhos e muito riso. Outros mais, aparentemente
frios e cerebrais, solenizam o falso e com tal fragor de imitação sopram vida
no que dizem que os desavisados caem nas malhas da simulação. E há os ingênuos,
Senhor Redator, ingênuos, como se diz, de pai e mãe. A estes só a misericórdia
de Deus pode salvar se antes a paciência Divina não encher as medidas de sua
benevolência que, embora santa, tem algo de humano.
Assim vamos indo,
palmilhando um vale de risos e lágrimas, como se a vida fosse sempre assim. E
é. Há um pouco de real e irreal em cada palavra e cada gesto. O ser e o não ser
são partes de um mesmo todo que é a condição humana. Não importa se no chão ou
na sacada, na tribuna ou no púlpito, no trono ou no altar. É da natureza do
homem essa teatralidade em todas as suas coisas. Horas no drama, horas no
cômico. E veja Senhor Redator, pois não exagero: a comédia conta mais fielmente
o drama que é a vida.
O horário eleitoral nesses tempos de artes e artimanhas tão
expostas é bem um grande mostruário das reações humanas. Lá e cá. Na tela e na
sala. Na tela atuam os bons e maus atores e atrizes desse novo dramalhão que é
vender o futuro, uma mercancia de sonhos e desejos. Vieram depois da era
chamada industrial, num mercado de trocas simbólicas que substituiu os
mercadores de objetos. Carros, geladeiras e computadores são meras
consequências de algo muito mais poderoso de riquezas que são os símbolos.
E um deles, Senhor
Redator, talvez o mais valioso, seja o poder. E veja: nenhum outro no mundo
moderno, pós-industrial, soube renovar-se tanto como o exercício do poder. São
tantos seus artifícios que em mãos ousadas se transformam em instrumentos de
conquista. Por isso hoje é o mais perfeito dos símbolos. É uma credencial da
sociedade para quem deseja jogar o jogo das ambições. É preciso ter um tanto de
coragem, um outro de ousadia, e outro mais de despudor. E, principalmente,
nenhum remorso
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