sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Serejo: Nas artes da danação

Por: Vicente Serejo

Tempos estranhos, esses, Senhor Redator. De verdades postas, supostas, sobrepostas e superpostas que se misturam entre realidades e irrealidades que os doutos chamam de simbiose e sinergia. São tempos feitos de matéria plástica que se moldam e amoldam ao vasilhame de cada interesse, como se fossem líquidos.  Sempre soube que a política tinha um tanto de ciência, outro de arte. Mas foi na artimanha que aprendeu a vivacidade dos truques, sobretudo esse jeito milagreiro de vender sonhos e fazer promessas.

 Devo reconhecer que se fosse só ciência, e se apenas uma questão de fórmula, talvez fosse chata. Qualquer matemático seria deputado ou senador. E se fosse apenas arte certamente não escaparia dos devaneios e delírios de espécie. Melhor, bem melhor, que tenha assim, desde que nascida da boa medida de cada coisa. O diabo é que veio o marketing, manhoso e furta-cor, fazendo da palavra e do gesto algo meio camaleônico e o mimetismo fez do falso o verdadeiro. E nunca mais se soube sua cor de verdade.

Alguns deles, mais vistosos e falantes, enganam com mais perfeição o eleitor de poucos olhos e muito riso. Outros mais, aparentemente frios e cerebrais, solenizam o falso e com tal fragor de imitação sopram vida no que dizem que os desavisados caem nas malhas da simulação. E há os ingênuos, Senhor Redator, ingênuos, como se diz, de pai e mãe. A estes só a misericórdia de Deus pode salvar se antes a paciência Divina não encher as medidas de sua benevolência que, embora santa, tem algo de humano.

 Assim vamos indo, palmilhando um vale de risos e lágrimas, como se a vida fosse sempre assim. E é. Há um pouco de real e irreal em cada palavra e cada gesto. O ser e o não ser são partes de um mesmo todo que é a condição humana. Não importa se no chão ou na sacada, na tribuna ou no púlpito, no trono ou no altar. É da natureza do homem essa teatralidade em todas as suas coisas. Horas no drama, horas no cômico. E veja Senhor Redator, pois não exagero: a comédia conta mais fielmente o drama que é a vida.

O horário eleitoral nesses tempos de artes e artimanhas tão expostas é bem um grande mostruário das reações humanas. Lá e cá. Na tela e na sala. Na tela atuam os bons e maus atores e atrizes desse novo dramalhão que é vender o futuro, uma mercancia de sonhos e desejos. Vieram depois da era chamada industrial, num mercado de trocas simbólicas que substituiu os mercadores de objetos. Carros, geladeiras e computadores são meras consequências de algo muito mais poderoso de riquezas que são os símbolos.

 E um deles, Senhor Redator, talvez o mais valioso, seja o poder. E veja: nenhum outro no mundo moderno, pós-industrial, soube renovar-se tanto como o exercício do poder. São tantos seus artifícios que em mãos ousadas se transformam em instrumentos de conquista. Por isso hoje é o mais perfeito dos símbolos. É uma credencial da sociedade para quem deseja jogar o jogo das ambições. É preciso ter um tanto de coragem, um outro de ousadia, e outro mais de despudor. E, principalmente, nenhum remorso

Nenhum comentário:

Postar um comentário