sábado, 17 de novembro de 2012

Serejo: Litigância hospitalar

Data: 18 outubro 2012 - Hora: 18:09 - Por: Vicente Serejo

 Parece que tem sido muito difícil aos donos de empresas hospitalares compreenderem, na sua essência, a natureza do negócio que empreendem. Para eles, a menos que o façam por litigância de má fé – e neste caso são passíveis de censura pública – a prestação de assistência a urgências e emergências na área da saúde é igual a qualquer outro tipo de assistência técnica. E que podem ou não, a seu juízo, de acordo com o livre arbítrio de cada empresário e sem quaisquer direitos assegurados à sociedade.

 Reincidentes, tentaram uma primeira vez a greve patronal sem qualquer observância das leis que regulam esse tipo de decisão. Como se fossem livres para movimentos paredistas acima de toda a força conceitual do crime de omissão de socorro. Mesmo compelidos a manterem suas portas abertas por decisão da Justiça, tentaram outra vez, agora arrimados numa fixação de prazo com antecedência, convencidos de que desta feita seria fácil driblar a norma legal, agora com feia e abusiva transgressão.

 Os hospitais são estruturas juridicamente híbridas nas relações com a Unimed. Dentro deles, na condição de sócios e dirigentes, estão médicos que também são sócios da cooperativa e, portanto, eleitores de suas decisões plenárias com acesso a todas as informações. Como sabem, quando sentam à mesa de seus gabinetes hospitalares, que a Unimed representa em média nada menos de cinquenta por cento do faturamento, o que por si só garante uma magnitude que só pode ser negada como pressão.

 Mais: seus clientes pagam suas mensalidades, sem direito a voz e a voto, sob pena de suspensão automática da prestação de serviço no prazo contratual. Ora, por mais leonino que possa ser quando se fecha ao voto e à voz dos que pagam, não pode ser unilateral a ponto de qualquer parceiro suspender o atendimento com a justificativa de um simples aviso e como se a sociedade não fosse regida por leis e essas leis cuidassem apenas de preservar a saúde financeira de uns contra a saúde da vida de outros.

 Não se nega que as negociações entre a Unimed e os hospitais se arrastam e que estes merecem ter os seus serviços corretamente remunerados. Mas, daí a se permitir que vidas humanas venham a ser usadas como buchas de canhão das empresas hospitalares, pressionando uma cooperativa que também é deles, médicos, seria aceitar o caos como prumo e fio de conduta. Não, não é assim que os parceiros devem conduzir suas relações, num melancólico espetáculo de transgressões que beiram o cinismo.

 Não queiram os donos de hospitais que a sociedade livre e democrática aceite a reencarnação de Frederico II, o déspota louco da Prússia na escuridão do século dezoito. Aquele que ao construir seu castelo incomodou-se diante de um moinho que impedia a visão da bela paisagem do alto das ameias e, irritado, quis comprá-lo ao proprietário que não aceitou vender por ser uma velha tradição de família, de geração a geração. Ameaçado de destruição, respondeu sem ter medo: ‘Ainda há juízes em Berlim’

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