O verão é sempre
assim, Senhor Redator. Começa com chuvas finas e rápidas acalmando o calor das
primeiras horas que ameaça os maturís e a renda fina das mangueiras em flor. O
céu fica nublado dos lados do mar, como se fosse inverno. Mas lá longe dá pra ver
o sol sobre as nuvens cinzentas anunciando a vida. Agosto passou e levou a
ventania forte. Agora é só o ventos Leste e verânico que lambe o chão, o
telhado e as árvores nos seus quintais anunciando que nesses dias de setembro
há sempre uma manhã.
Naqueles verões antigos as tainheiras, e como nos sonetos
parnasianos, já balouçavam docemente. Daqui, deste alpendre que mais parece o
tombadilho de uma velha nau perdida no mar sem fim, era possível seguir os
reflexos luminosos das tainhas presas nas redes. Eram fartas e gordas, e
desejadas por todos, como uma tradição. Hoje escassas e pequenas, só aparecem
depois de setembro, quando o vento acalma, o mar abranda e as novas águas,
limpas, afugentam as turvas desse resto de inverno que ficou.
Quando o veraneio começava em dezembro e esticava até depois
do carnaval, tudo ganhava uma vida mais intensa nesta pequena enseada. Hoje,
não. As casas dormem até o fim do ano, com suas janelas apagadas e os seus
armadores suspendendo o silêncio dos alpendres. Uns poucos pássaros, uns poucos
bichos e uns raríssimos coqueiros. Onde estão os coqueiros gigantes que um dia
Newton Navarro viu como se fossem velhos caciques, adejando sobre os telhados,
desenhando sombras com o sol do verão?
Hoje este pequeno mundo não tinha medo no abandono do seu
sono ingênuo. Agora as câmeras vigiam o mar e as ruas. Os alarmes gritam como
fantasmas histéricos espantando os gatos que passeavam nos muros na mansa
geometria dos quintais. A vida era calma, de manhãs e tardes que se
espreguiçavam nas sombras dos beirais. E as noites não escondiam a espreita na
esquina dos becos. Era uma vila humilde e sem estrangeiros, fechada no seu
pequeno mundo sem novidades, como se tudo fosse feito para sempre.
De uns tempos para cá, Senhor Redator, reparei que as coisas
mais simples também fenecem como nos sonetos parnasianos. E do encanto que
tiveram – exatamente porque eram simples – nada restou. Talvez a lembrança de
outros tempos, agora que a vida vai guardando em algum lugar da alma, como se
fosse um velho sótão, todos os dias que passaram. E escrevendo num livro de
haveres a contabilidade de todas as perdas. Quem vai resgatá-las se tudo passou
e se nada mais serve nessa vida que se vive agora?
E, no entanto, por mais inútil que seja a notícia do medo, já
começa o verão. Pouco a pouco. Nas quebradas da barra, entre uma chuva e outra.
A manhã vai se construindo lentamente, enquanto os barcos ainda dormem e suas
velas guardam os ventos que engoliu de antigas navegações. Só o mar, parnasiano
e triste, no seu eterno retorno. Levando e trazendo a carga das velhas ambições
humanas. Um dia, quando o verão chegar, virá carregado de alegria. Como aquele
verso da canção que avisa: há sempre uma manhã.
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