quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Serejo: Concurso de miss


Por: Vicente Serejo

Agora faço como se faz nessas horas: passou o concurso de miss e nem dei conta. É que sou desse tempo, Senhor Redator. Mais: fui jurado, vendo as medidas dos quadris, coxas, busto e a altura das pernas, diante da pequena multidão entusiasmada que lotava o Palácio dos Esportes. No centro da quadra, no meio da passarela, Eunice e Nilson Freire, o casal de locutores que Luiz Maria Alves fazia questão que transmitisse o desfile, ao vivo, para a Rádio Poti. Ser jurado, naqueles anos, era um sucesso.

O concurso de miss, mesmo depois da morte de Assis Chateaubriand, continuou por algum tempo sendo exclusivo dos Diários Associados. A tevê Tupi do Rio comandava o desfile nacional e nas capitais, rádios e jornais onde não existisse canal de tevê. Era um desassossego. Alves centralizava todas as decisões para que fosse um exemplo de organização. O jornal estimulava a escolha nos municípios com cobertura de tudo e o desfile final em Natal, sob controle absoluto e total de cada diretor regional.

Nos bastidores, o concurso de miss tinha detalhes que muitos são sabem até hoje. Além dos dois patrocínios comerciais exclusivos e marcantes – Helena Rubinstein e maiôs Catalina – tinha um instante que mais parecia segredo de guerra: dias antes chegava, via aérea, uma caixa com os maiôs que só Luiz Maria Alves abria, conferia, lacrava outra vez, e deixava debaixo de sua mesa. Ninguém, absolutamente, ninguém, podia vê-los. O próprio Diário só divulgava no dia do desfile para evitar o risco de imitações.

O concurso dava trabalho antes, durante e depois. Antes, para que os prefeitos assumissem a escolha em seus municípios. Durante, pois ficavam em Natal, hospedadas num hotel, e eram muitas as atividades. Era preciso melhorar o visual. Cabelos, maquiagem, trajes típicos e longos elegantes que Alves chamava vestidos de baile. Tudo pronto, o desfile. Com cuidados inacreditáveis como não faltar modess. Algumas menstruavam emocionadas, por isso uma funcionária do jornal ficava lá, de prontidão.

Uma vez eleita, a miss Rio Grande do Norte assinava contrato com os Diários Associados, que passavam a ter a exclusividade de sua imagem. O jornal financiava tudo: do tratamento dentário a aulas de etiqueta, num código de ferro que embora não fosse divulgado, era observado discretamente e com rigor: não bastava ser moça, a exigência era um sinônimo fiel de virgindade. Era preciso, sobretudo, não ser moça falada. E Alves, detalhista, determinava que fossem tratadas pelos locutores de ‘senhorinhas’.

Eleita, e na hipótese de ter emprego, o jornal garantia a reposição salarial. Mas uma vez certo comerciante não aceitou manter o vínculo, mesmo ressarcido, e demitiu a Miss RN. Alves reagiu e admitiu no Jornal como secretária, garantindo o emprego, um dever contratual. Meses depois, precisou ir ao Rio – só viajava de carro – e deixou cheques assinados para pagar seu Imposto de Renda, tarefa que confiou a Afonso Laurentino. Bastava, na data correta, ele dizer o valor e ela preencheria o cheque.

Dois meses depois Alves retornou, recuperado da cirurgia de catarata que fez no Rio, hóspede da irmã. Afonso vai entregar a quitação das parcelas do imposto, e avisa que pagou com cheque dele mesmo, Afonso. E explicou, com ar crítico, que a miss preencheu duas vezes errado o cheque e o banco não aceitou. Alves, machão e maroto, não contava assim a história. Dizia, com o riso lavando os olhos: ‘Afonso é muito exigente. A biologia nos deu uma perfeição e ele ainda queria que fosse inteligente’.

A cena hilariante foi na redação. Uma vez a miss eleita foi visitar o jornal e por coincidência lá já estavam Cauby Peixoto e uma Banda de Música homenageando o jornal. Cassiano Arruda Câmara, então editor, pediu a Cauby que cantasse Conceição, enquanto a banda acompanhava e a miss desfilava. Um espetáculo que nunca mais uma redação vai assistir. Ainda lembro a cena: Alves num canto, mãos nos quadris, cachimbo apagado no canto da boca, morrendo de rir. Não se faz mais concurso de miss como antigamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário