sábado, 10 de novembro de 2012

Serejo: Camilo Barreto

Por: Vicente Serejo

 Quando ninguém na Prefeitura cuidava da arborização e ajardinamento de Natal Camilo Barreto, com um pequeno orçamento de secretário de serviços urbanos, já projetava praças e plantava árvores na cidade. Fui repórter cobrindo a área urbana e freqüentava sua secretaria em busca de notícias, ali na Av. Rio Branco. Preocupava-se com o pequeno horto municipal que reproduzia mudas de árvores e plantas ornamentais para os canteiros e jardineiras que ele mesmo desenhava, até nos detalhes, na sua mesa.

 Lembro que antes de construir sua casa de veraneio numa pequena enseada de Pirangi, entre dois pontais de pedras que reservavam de forma natural uma perfeita praia particular, teve a preocupação de preservar a vegetação nativa. Fez a estrada de acesso, dentro do seu terreno, cumprir o traçado natural e respeitar o relevo entre os pequenos morros, até alcançar o platô que dava para o mar, onde construiria a casa. E fez nascer a vivenda, entre árvores, no alto, com um nome bem cascudiano: Quinta das Dunas.

 Tinha raízes sertanejas e por isso tinha visão cósmica da terra e das árvores, do sol e dos ventos, defendendo as casas voltadas para o nascente, como na velha tradição do sertão onde foi menino. Sabia dizer o nome das árvores, das plantas, comuns ou raras, e das madeiras, e gostava de explicar traçando tudo com sua lapiseira de engenheiro, o grafite desenhando formas e detalhes. Muitas vezes, vi desenhar uma praça, em rabiscos rápidos, para mostrar como seria o jardim anunciado para esse ou aquele bairro.

 Quando projetou os anexos do Instituto Ludovicus – todos indispensáveis à funcionalidade de um espaço cultural – nas áreas externas do chalé de Câmara Cascudo, teve senso e bom gosto de manter a harmonia arquitetônica nos detalhes caracterizadores de sua beleza, sobretudo sem ferir o pitoresco do seu jeito de ser. Lembro que elogiei na coluna. Como se ali, numa daquelas sacadas debruçadas sobre a cidade antiga, a qualquer momento Cascudo surgisse fumando seu charuto para olhar seu rio antigo.

A própria restauração do chalé é um exemplo de padrão técnico. Desde seus móveis originais recuperados nas suas formas e vernizes naturais e perfeitos, portas, bandeirolas, soleiras e janelas que se abrem para os oitões e os fundos. As treliças do terraço que margeava a área de serviço, até a antiga banheira com os seus azulejos e sua velha torneira, estão preservadas. Tudo que de moderno foi preciso fazer – como a cantina, o auditório, os arquivos – mas sem nada quebrar a harmonia de um lugar único.

 Semana passada, depois de uma longa e silenciosa enfermidade, Camilo deixou a cidade. Acho até que voltou para a sua casa que construiu com uma técnica milenar de alvenaria, sem concreto, num exemplo perfeito de sensibilidade e engenhosidade. Atendeu a Ana Maria, mas confessava, discreto e bem humorado, que não gostava de apartamento. Mas foi, e levou seus santos. Natal perdeu aquele que um dia, na Prefeitura, exerceu o bom ofício de plantar árvores nas ruas e jardins nas suas praças.

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