Quando ninguém na
Prefeitura cuidava da arborização e ajardinamento de Natal Camilo Barreto, com
um pequeno orçamento de secretário de serviços urbanos, já projetava praças e
plantava árvores na cidade. Fui repórter cobrindo a área urbana e freqüentava
sua secretaria em busca de notícias, ali na Av. Rio Branco. Preocupava-se com o
pequeno horto municipal que reproduzia mudas de árvores e plantas ornamentais
para os canteiros e jardineiras que ele mesmo desenhava, até nos detalhes, na
sua mesa.
Lembro que antes de
construir sua casa de veraneio numa pequena enseada de Pirangi, entre dois
pontais de pedras que reservavam de forma natural uma perfeita praia
particular, teve a preocupação de preservar a vegetação nativa. Fez a estrada
de acesso, dentro do seu terreno, cumprir o traçado natural e respeitar o
relevo entre os pequenos morros, até alcançar o platô que dava para o mar, onde
construiria a casa. E fez nascer a vivenda, entre árvores, no alto, com um nome
bem cascudiano: Quinta das Dunas.
Tinha raízes
sertanejas e por isso tinha visão cósmica da terra e das árvores, do sol e dos
ventos, defendendo as casas voltadas para o nascente, como na velha tradição do
sertão onde foi menino. Sabia dizer o nome das árvores, das plantas, comuns ou
raras, e das madeiras, e gostava de explicar traçando tudo com sua lapiseira de
engenheiro, o grafite desenhando formas e detalhes. Muitas vezes, vi desenhar
uma praça, em rabiscos rápidos, para mostrar como seria o jardim anunciado para
esse ou aquele bairro.
Quando projetou os
anexos do Instituto Ludovicus – todos indispensáveis à funcionalidade de um
espaço cultural – nas áreas externas do chalé de Câmara Cascudo, teve senso e
bom gosto de manter a harmonia arquitetônica nos detalhes caracterizadores de
sua beleza, sobretudo sem ferir o pitoresco do seu jeito de ser. Lembro que
elogiei na coluna. Como se ali, numa daquelas sacadas debruçadas sobre a cidade
antiga, a qualquer momento Cascudo surgisse fumando seu charuto para olhar seu
rio antigo.
A própria restauração do chalé é um exemplo de padrão
técnico. Desde seus móveis originais recuperados nas suas formas e vernizes
naturais e perfeitos, portas, bandeirolas, soleiras e janelas que se abrem para
os oitões e os fundos. As treliças do terraço que margeava a área de serviço,
até a antiga banheira com os seus azulejos e sua velha torneira, estão
preservadas. Tudo que de moderno foi preciso fazer – como a cantina, o
auditório, os arquivos – mas sem nada quebrar a harmonia de um lugar único.
Semana passada, depois
de uma longa e silenciosa enfermidade, Camilo deixou a cidade. Acho até que
voltou para a sua casa que construiu com uma técnica milenar de alvenaria, sem
concreto, num exemplo perfeito de sensibilidade e engenhosidade. Atendeu a Ana
Maria, mas confessava, discreto e bem humorado, que não gostava de apartamento.
Mas foi, e levou seus santos. Natal perdeu aquele que um dia, na Prefeitura,
exerceu o bom ofício de plantar árvores nas ruas e jardins nas suas praças.
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