As efemérides
Por: Vicente Serejo
Gosto das
efemérides, Senhor Redator. Gosto tanto que há anos guardo aqui, perto dos
olhos e ao alcance das mãos, um exemplar da edição fac-similar das Efemérides
Brasileiras, volume VI das obras completas do Barão do Rio Branco lançadas pelo
Ministério das Relações Exteriores. Edição que tem uma singularidade que nos
toca de perto: o prefácio é do historiador Rodolfo Garcia, nascido em Ceará
Mirim e hoje patrono da moderna e informatizada biblioteca da Academia
Brasileira de Letras.
Antes de chegar às efemérides, é preciso não
esquecer que além da História Administrativa do Brasil, registrando e estudando
os atos oficiais indispensáveis à historiografia brasileira, Rodolfo foi o
grande anotador da História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen.
A erudição das suas observações é considerada até hoje a parte mais importante
e indispensável da volumosa história escrita pelo visconde de Porto Seguro,
para não precisar citar outros títulos do seu legado intelectual.
O nariz de cera, bem de doze, é para dizer que
outro dia Ruy Castro lembrou a grande memória de Brício de Abreu que sabia de
cor todos os grandes acontecimentos do seu tempo. Como revela o próprio Ruy,
frequentador da velha Fiorentina, no Rio, ele tinha sido testemunha de tudo ao
longo dos anos e das décadas do século vinte. Do recital do Maxixe Corta-Jaca
no Palácio do Catete, em 1914, aos beijos ardentes da grande Isadora Duncan em
João do Rio, numa noite plena de glória e espanto.
Como gosto de datas e não gosto de vê-las
esquecidas, andei reclamando da pobreza de gestos das principais instituições
culturais do Estado, como a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e o
Instituto Histórico – a inconsistência e o alinhavo são nossas marcas – diante
de tantas datas simbólicas de nascimento e morte de nomes da nossa história
cultural e política. Acabei desistindo de lutar contra o silêncio das almas
notáveis e festejei aqui, sozinho, neste canto de página, sem fulgor e sem aplauso.
Mas, fiquei acompanhando nos grandes jornais e
revistas os cem anos de Jorge Amado, Lúcio Cardoso e Nelson Rodrigues; de Luiz
Gonzaga e Mário Lago, do forrobodó de Chiquinha Gonzaga e de ‘Lábios que
Beijei’, de J. Cascata. Como lembrou Ruy Castro, neste 2012 são cinquenta
passados da Garota de Ipanema e da morte de Greta Garbo, quando apagou aquele
olhar de mormaço na beleza de um rosto inesquecível que tenho aqui, na parede,
como um ícone a reviver ao toque de cada olhar.
Há vinte anos, Senhor Redator, era votado o
‘Impeachment’ do presidente Fernando Collor no calor de um furor nacionalista e
hoje, duas décadas depois, seus algozes sentam no banco dos réus no maior
julgamento do Supremo Tribunal Federal a punir aquele que, nas palavras do
ministro Celso de Melo, foi assalto de uma quadrilha aos cofres públicos.
Quando já parecia não haver sinal de punição e como se nestes trópicos
carnavalescos e sensuais a corrupção fosse um movimento popular vitorioso.
Agora morreu o maior historiador marxista atuante,
com quase cem anos, Eric Hobsbawm, que em 1995 veio ao Brasil para a Festa
Literária de Parati, percorrendo suas ruas coloniais e pedregosas, ele que
demonstrou ao mundo o papel simbólico dos bandidos sociais, dos distantes
países ao sertão nordestino de Lampião e Labareda. E no seu olhar erudito
mostrou as formas arcaicas dos movimentos sociais, de milenaristas a
anarquistas, dos loucos aos bandoleiros nas estradas ermas do mundo afora.
Nada
floresce nas nossas instituições, Senhor Redator. Nada aguça a curiosidade
intelectual. Já não temos razões profundas. Somos uma gente alegre a se fartar
e a se apojar na fanfarra da mesmice. É o insosso ramerrão lítero-recreativo
protagonizado por invenções e simulacros cultivados no húmus da desinformação,
quando não da incultura solenizada. É chegada a hora de repetir o velho Cícero
quando diante de um tempo assim desabafou: Ó tempora, ó mores! Ah, que tempos!
Ó que costumes!
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