quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Serejo: As efemérides


As efemérides

 Por: Vicente Serejo

Gosto das efemérides, Senhor Redator. Gosto tanto que há anos guardo aqui, perto dos olhos e ao alcance das mãos, um exemplar da edição fac-similar das Efemérides Brasileiras, volume VI das obras completas do Barão do Rio Branco lançadas pelo Ministério das Relações Exteriores. Edição que tem uma singularidade que nos toca de perto: o prefácio é do historiador Rodolfo Garcia, nascido em Ceará Mirim e hoje patrono da moderna e informatizada biblioteca da Academia Brasileira de Letras.

Antes de chegar às efemérides, é preciso não esquecer que além da História Administrativa do Brasil, registrando e estudando os atos oficiais indispensáveis à historiografia brasileira, Rodolfo foi o grande anotador da História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen. A erudição das suas observações é considerada até hoje a parte mais importante e indispensável da volumosa história escrita pelo visconde de Porto Seguro, para não precisar citar outros títulos do seu legado intelectual.

O nariz de cera, bem de doze, é para dizer que outro dia Ruy Castro lembrou a grande memória de Brício de Abreu que sabia de cor todos os grandes acontecimentos do seu tempo. Como revela o próprio Ruy, frequentador da velha Fiorentina, no Rio, ele tinha sido testemunha de tudo ao longo dos anos e das décadas do século vinte. Do recital do Maxixe Corta-Jaca no Palácio do Catete, em 1914, aos beijos ardentes da grande Isadora Duncan em João do Rio, numa noite plena de glória e espanto.

Como gosto de datas e não gosto de vê-las esquecidas, andei reclamando da pobreza de gestos das principais instituições culturais do Estado, como a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e o Instituto Histórico – a inconsistência e o alinhavo são nossas marcas – diante de tantas datas simbólicas de nascimento e morte de nomes da nossa história cultural e política. Acabei desistindo de lutar contra o silêncio das almas notáveis e festejei aqui, sozinho, neste canto de página, sem fulgor e sem aplauso.

Mas, fiquei acompanhando nos grandes jornais e revistas os cem anos de Jorge Amado, Lúcio Cardoso e Nelson Rodrigues; de Luiz Gonzaga e Mário Lago, do forrobodó de Chiquinha Gonzaga e de ‘Lábios que Beijei’, de J. Cascata. Como lembrou Ruy Castro, neste 2012 são cinquenta passados da Garota de Ipanema e da morte de Greta Garbo, quando apagou aquele olhar de mormaço na beleza de um rosto inesquecível que tenho aqui, na parede, como um ícone a reviver ao toque de cada olhar.

Há vinte anos, Senhor Redator, era votado o ‘Impeachment’ do presidente Fernando Collor no calor de um furor nacionalista e hoje, duas décadas depois, seus algozes sentam no banco dos réus no maior julgamento do Supremo Tribunal Federal a punir aquele que, nas palavras do ministro Celso de Melo, foi assalto de uma quadrilha aos cofres públicos. Quando já parecia não haver sinal de punição e como se nestes trópicos carnavalescos e sensuais a corrupção fosse um movimento popular vitorioso.

Agora morreu o maior historiador marxista atuante, com quase cem anos, Eric Hobsbawm, que em 1995 veio ao Brasil para a Festa Literária de Parati, percorrendo suas ruas coloniais e pedregosas, ele que demonstrou ao mundo o papel simbólico dos bandidos sociais, dos distantes países ao sertão nordestino de Lampião e Labareda. E no seu olhar erudito mostrou as formas arcaicas dos movimentos sociais, de milenaristas a anarquistas, dos loucos aos bandoleiros nas estradas ermas do mundo afora.

Nada floresce nas nossas instituições, Senhor Redator. Nada aguça a curiosidade intelectual. Já não temos razões profundas. Somos uma gente alegre a se fartar e a se apojar na fanfarra da mesmice. É o insosso ramerrão lítero-recreativo protagonizado por invenções e simulacros cultivados no húmus da desinformação, quando não da incultura solenizada. É chegada a hora de repetir o velho Cícero quando diante de um tempo assim desabafou: Ó tempora, ó mores! Ah, que tempos! Ó que costumes!

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