quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Oliveira Jr.: Brevíssimo Manual para se tornar um intelectual de Shopping Center


  Geraldo de Oliveira

Segundo o antropólogo Robert B. Edgerton: “Os seres humanos em várias sociedades, sejam urbanas ou tradicionais, são capazes de empatia, bondade, até amor, e por vezes podem alcançar notável domínio sobre os desafios impostos pelo meio ambiente. Mas são capazes também de preservar crenças, valores e instituições sociais que resultam em crueldade sem sentido, sofrimento desnecessário e monumental estupidez em suas relações internas, com outras sociedades e com o ambiente físico onde vivem. As pessoas nem sempre são sábias, e as sociedades e as culturas que elas criam não são mecanismos de adaptação ideais, perfeitamente projetados para prover necessidades humanas. É um erro sustentar, como o fazem muitos especialistas, que se uma população se apega a uma crença ou prática tradicional por muitos anos ela necessariamente desempenha papel importante em sua vida. As crenças e práticas tradicionais podem ser úteis, podem até servir como importantes mecanismos de adaptação, mas também podem ser ineficientes, danosas e até letais.

A Antropologia em uma de suas divisões, a antropologia urbana, busca entender os fenômenos que ocorrem como resultantes do convívio do homo sapiens sapiens em ambientes que se caracterizam por uma dicotomia em relação ao ambiente rural.
A urbanização crescente criou uma nova categoria em termos de ocupação social e cultural dos territórios: o ambiente rurbano. Uma junção de categorias relacionadas ao viver urbano e rural. É a tal da globalização chegando à roça. As famílias da zona rural vão à feira semanal: os pais vão vender sua produção agropecuária; os filhos vão à lan house; os homens vão tomar cachaça; e, as mulheres vão comprar um edredom ou uma capa para o sofá. E por aí vai.

Na cidade os rumos também se alteram. Ler é crime. O bom é ver televisão e comentar o big brother. A música é só uma: forró que diga que a mulher é puta e o cabra é corno (ou o grande comedor). Uma versão para jovens traz o hip hop questionador das periferias de São Paulo e o funk da foda do Rio de Janeiro. Mas, contra esse tsunami de apatia em relação ao pensar há quem resista: os intelectuais.

Intelectual, na acepção comum, é quem faz jus ao adjetivo Homo sapiens sapiens. Ledo engano. Hoje é um bicho em flagrante e crescente extinção. Os óculos, os livros, as conversas de conteúdo,... Tudo indo às favas. E por osmose, as livrarias que não vivem de livros didáticos e de auto-ajuda. Um segmento das livrarias, contudo, vem sobrevivendo nesse mercado global e banal: as livrarias que estão irmanadas às praças de alimentação de shoppings centers.

Essa junção literogastronômica em um lugar comum vem subsidiada por atitudes comportamentais próprias. Atitudes estas que pretendem configurar um novo personagem: o intelectual de shopping. Ele vai comer porcarias em um fast food, e fingir que ler em uma library. Neste último, também acontecem eventos de lançamentos de livros de auto-ajuda e correlatos. Lança-se uma moda que implica em uma nova postura para ser notado, agora, como um intelectual nessa nova configuração social.

Na condição de antropólogo, bisbilhoteiro desse novo modus vivendi, e querendo contribuir para a felicidade geral dessa nova geração de micróbios humanos, venho expor a solução antropológica para se tornar um legítimo Intelectual de Shopping Center. Assim, basta seguir as regras abaixo:

01) Freqüente assiduamente os shoppings, particularmente nos horários de almoço. Isso fará de você uma pessoa notada. Se tiver e puder, leve o notebook e fique papeando na net. Claro, sempre fazendo uma cara séria (mesmo que esteja em sites pornográficos) e com aqueles óculos de leitura que são vendidos na farmácia do shopping e que custam menos de 20 reais. Não precisa ter grau. Mas tem que estar de óculos.

02) Faça amizade com os vendedores das livrarias locais. É importante que quando você chegue lá seja recebido com um grande sorriso e um aperto de mão. Isto pode valer muitos pontos, caso esteja por lá alguém sério querendo comprar um lançamento literário.

03) Trabalhe muito e compre uma camisa pólo da marca Lacoste. Isto é fundamental: o jacaré, símbolo máximo do glamour, trará olhares pra você. Nem que seja por inveja, alguém irá notar a sua presença. Depois, caso você não tenha um perfil étnico de freqüentador de shopping Center isso lhe evitará problemas com vendedoras de classe média decadente e, evidentemente, com os seguranças.

04) Compre, preferencialmente em um sebo, um livro de Saramago – isto para dar a idéia de que este é manuseado. Não se preocupe: você não precisa ler. Nem a orelha. Basta tê-lo embaixo do braço e fazer as pessoas notarem. Mais fácil: veja o filme recente “Ensaio sobre a cegueira” (também não precisa ver todo) e com ar blasé diga: _é, eu vi o filme, mas nada que se compare ao que está escrito. Caso queira pegar pesado, consiga na net o comentário de alguém, decore uma frase de efeito ou apenas diga: _é uma obra que trata da complexidade do homem de forma atemporal e única.

05) Por último, nada de ter um look underground ou de comunista dos anos 80. Portanto, mantenha os cabelos curtos, use perfume e esteja sempre sorridente.

Felicidades antropológicas.

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