segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Fonsêca: Impressões sobre uma certa mattinata

 Por Homero Fonseca


Nas minhas mãos Mattinata, de Fernando Monteiro (coedição da Nephelibata ,SC, e da Sol Negro, RN), composto de três poemas longos, de que destaco versos do que dá nome ao livro:

Um oculto coro

perto

longe

como agora estamos,

unidos

separados

apesar da palavra “amem”

sem o assento de Deus

para sempre esmagando-a

também (o trono da divindade

vazio como a dispensa dos pobres).

 

Confesso não me sentir muito apto a comentar poesia, por falta absoluta de aparato técnico-teórico, mas, como também me ocorre com a música, de igual lacuna, consigo suprir parcialmente a deficiência, por ter um bom ouvido, capaz de distinguir semitons e arquiteturas harmônicas.

Também leio “de ouvido” poesia.

E, do alto da minha insignificância, avalio o poema pela capacidade de me comover e “entender” a linguagem necessariamente condensada e elíptica.

Assim, por vias tortas, percebo algo de brilho e beleza num Drummond e num Whitman, num Cabral e num Auden, num Bandeira e num Pessoa, e basta de metonímias.

No caso do meu querido amigo Fernando Monteiro, cujas divergências tópicas sobre isso ou aquilo no paul das li(n)des literárias jamais chamuscaram o afeto que se encerra em nossos peitos sazonados, tenho-o em conta de um dos escritores de maior domínio técnico, tanto na prosa quanto na poesia, de nossa atualidade.

[Em alguns de seus romances, bem urdidos todos, penso que sua virtuosidade poderia ter como matéria-prima menos (meta)literatura e mais vida concreta, mas isto é apenas uma opinião.]

Em Mattinata, deparo-me com uma poesia formalmente refinada, centrada no dilema universal do amor-desamor, separação-solidão, cantado de forma estritamente pessoal, num tom de melancolia que se derrama quase materialmente das páginas do livro. Um homem acorda num apartamento ou quarto de hotel, numa cidade inominada (Roma?) ao lado da mulher com quem viveu um amor que se desfez na noite anterior e da janela observa o albor (a mattinata) mergulhado em recordações, suspeitas e certeza da separação, precipitada por atos ou palavras não nos reveladas. E, para meu gáudio (oh palavra!), a ruminação do amante sombrio é, vez por outra, iluminada por flashes da vida que corre à revelia de todos nós, amantes iludidos ou desiludidos, profetas ou balconistas, como a imagem dos dois últimos versos citados (“o trono da divindade / vazio como a dispensa dos pobres).

Bravo, Fernando!

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