ENVIADA
ESPECIAL A SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)
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Polícia Federal investiga casos de exploração
sexual de adolescentes indígenas
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Doze
meninas prestaram depoimento à polícia em São Gabriel da Cachoeira;
ex-vereador, comerciantes e militares são suspeitos
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No
município amazonense de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira do Brasil com a
Colômbia, um homem branco compra a virgindade de uma menina indígena com
aparelho de celular, R$ 20, peça de roupa de marca e até com uma caixa de
bombons.
A pedido das mães das vítimas, a Polícia Civil
apura o caso há um ano. No entanto, como nenhum suspeito foi preso até agora, a
Polícia Federal entrou na investigação no mês passado.
Doze meninas já prestaram depoimento. Elas
relataram aos policiais que foram exploradas sexualmente e indicaram nove
homens como os autores do crime.
Entre eles há empresários do comércio local,
um ex-vereador, dois militares do Exército e um motorista.
As vítimas são garotas das etnias tariana,
uanana, tucano e baré que vivem na periferia de São Gabriel da Cachoeira, que
tem 90% da população (cerca de 38 mil pessoas) formada por índios.
Entre as meninas exploradas, há as que foram
ameadas pelos suspeitos. Algumas foram obrigadas a se mudar para casas de
familiares, na esperança de ficarem seguras.
A Folha conversou com cinco dessas meninas e,
para cada uma delas, criou iniciais fictícias para dificultar a identificação
na cidade.
M., de 12 anos, conta que "vendeu" a
virgindade para um ex-vereado. O acerto, afirma a menina, ocorreu por meio de
uma prima dela, que também é adolescente.
"Ele me levou para o quarto e tirou minha
roupa. Foi a primeira vez, fiquei triste."
A menina conta que o homem é casado e tem
filhos. "Ele me deu R$ 20 e disse para eu não contar a ninguém."
P., de 14 anos, afirma que esteve duas vezes
com um comerciante. "Ele me obrigou. Depois me deu um celular."
Já L., de 12 anos, diz que ela e outras
meninas ganharam chocolates, dinheiro e roupas de marca em troca da virgindade.
"Na primeira vez fui obrigada, ele me deu R$ 30 e uma caixa com
chocolates."
DEZ ANOS
Outra garota, X., de 15 anos, disse que
presenciou encontros de sete homens com meninas de até dez anos.
"Eu vi meninas passando aquela situação,
ficando com as coxas doloridas. Eles sempre dão dinheiro em troca disso [da
virgindade]."
P. aceitou depor na PF porque recebeu ameaças
de um dos suspeitos. "Ele falou que, se continuasse denunciando, eu iria
junto com ele para a cadeia. Estou com medo, ele fez isso com muitas meninas
menores", afirma.
Familiares e conselheiros tutelares que
defendem as adolescentes também são ameaçados. "Eles avisaram: se abrirem
a boca a gente vai mandar matar", diz a mãe de uma menina de 12 anos.
Frase
"Ele me
levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez, fiquei
triste"
"Ele me
deu R$ 20 e disse para eu não contar a ninguém"
M., de 12 anos
M., de 12 anos
Casos de
exploração sexual de garotas indígenas são denunciados desde 2008 em São
Gabriel do Cachoeira, no Amazonas
DA ENVIADA A
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)
A situação
das meninas indígenas exploradas sexualmente é conhecida como um caso de
impunidade na isolada São Gabriel da Cachoeira.
Na Polícia
Civil, três inquéritos foram abertos, mas nenhum dos nove suspeitos foi preso
nem indiciado.
O delegado
titular da cidade, Normando da Barbosa, afirma que pediu a prisão de um
suspeito, mas ele fugiu da cidade. Os demais nunca prestaram depoimento.
Os crimes de
estupro de vulnerável e exploração sexual têm penas previstas de quatro a dez
anos de reclusão.
A irmã Giustina
Zanato, 63, presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do
Adolescente, diz que os casos são denunciados desde 2008.
"Fomos
procurar a Justiça. Lá disseram que deveríamos ficar quietinhos no nosso lugar,
que isso acontecia todos os dias", afirma Giustina.
Promotora de
Justiça de São Gabriel, Christina Dolzany diz que ouviu depoimentos de dez
meninas. "É uma coisa animalesca e triste, algumas delas relatam que
perderam a virgindade nessa situação de exploração."
Algumas
meninas, segundo Christina, já estão recebendo assistência psicológica.
O procurador
federal Júlio José Araújo Junior, que atua no direito indígena, determinou a
abertura de inquérito.
"A
investigação pela PF se deve muito pela insatisfação da sociedade com as
investigações que não andaram [na Polícia Civil]. Os acusados são pessoas que
têm certo poder dentro da cidade, o que intimida qualquer tipo de
denúncia", disse o procurador.
O delegado
titular em São Gabriel atribui a morosidade da investigação à dificuldade de
encontrar as garotas. "Passamos 30 dias para localizar quatro meninas.
Apenas uma delas fez o exame de corpo de delito para comprovar a conjunção
carnal. Assim fica difícil, elas mesmo dificultam."
CABEÇA DO
CACHORRO
São Gabriel
da Cachoeira fica no Alto Rio Negro, região rica em minérios que abriga a maior
população indígena no Brasil. São 22 etnias, daí 90% da população ser formada
por índios, incluindo o prefeito e o vice-prefeito do município.
A região,
também conhecida como Cabeça do Cachorro, é estratégica para as Forças Armadas
do Brasil, pois é alvo do tráfico de drogas e de incursões de guerrilheiros.
Em muitas
aldeias não há escolas e opções de sustento o que leva as famílias à cidade.
Lá, encontram a exclusão.
Os brancos
formam a elite, em sua maioria funcionários públicos e militares. Os índios
sobrevivem com ajuda de programas sociais e moram em casebres de chão de terra
batida e sem água encanada.
O alcoolismo
e o suicídio entre eles são o maior drama social local.
(KÁTIA
BRASIL)
"Fomos
procurar a Justiça. Lá nos disseram que deveríamos ficar quietinhos no nosso
lugar, que isso acontecia todos os dias"
GIUSTINA ZANATO, 63
presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, que afirma que desde 2008 existem denúncias de abuso sexual contra meninas indígenas
GIUSTINA ZANATO, 63
presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, que afirma que desde 2008 existem denúncias de abuso sexual contra meninas indígenas
"Os acusados têm certo poder na cidade, o que
intimida qualquer tipo de denúncia"
JOSÉ ARAÚJO JUNIOR
procurador federal
"Passamos 30 dias para localizar quatro
meninas"
NORMANDO DA BARBOSA
delegado titular
Versão
local de Dorothy Stang, irmã Giustina vira referência
Religiosa
italiana acolhe as meninas e cobra polícia
DA ENVIADA A
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)
A italiana
Giustina Zanato, 63, é para as meninas indígenas uma espécie de versão
amazonense de Dorothy Stang, missionária assassinada no Pará em 2005 e que
dedicou parte de sua vida à defesa dos camponeses.
Natural de
Marostica, província de Vicenza, chegou ao Brasil em outubro de 1984.
Ligada à
Congregação das Irmãs Salesianas, da Igreja Católica, já enfrentou embates com
pessoas do Judiciário e da polícia cobrando a punição dos suspeitos de abusar
das meninas da região.
"Denúncias
foram feitas, mas não vimos o resultado. É muito triste pensar que quem se
colocou ao lado da Justiça é injusto", diz a missionária.
Desde 2008,
a religiosa coordena o programa assistencial "Menina Feliz", que
atende vítimas de violência sexual e abandono.
Lá, as
menores são abrigadas, recebem alimentação, educação e podem fazer cursos de
artesanato, costura e também de informática.
AMEAÇAS
A missionária
diz que familiares de duas dessas 12 meninas exploradas sexualmente se
interessaram pelo dinheiro dos suspeitos."São famílias desestruturadas, o
dinheiro se tornou uma segurança."
Irmã
Giustina prestou depoimento no inquérito da Polícia Federal e diz que não temer
as ameaças.
"Eu
ando na cidade toda e não tenho medo. Sei que estou fazendo o meu papel como
religiosa, como alguém que se sente parte da família indígena e que me acolheu
tão bem no Brasil."
Ela afirma
que já teve vontade de se encontrar frente a frente com os homens suspeitos de
comprar a virgindade das meninas da cidade.(K.B.)
"Já tive vontade de encará-los, mas sinto
nojo; é um crime que deveria ser combatido com todas as forças"
IRMÃ GIUSTINA
religiosa que protege as adolescentes
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