sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Yanomami: Davi contra Golias


Serejo: O que é a natureza

Por: Vicente Serejo

Veja Senhor Redator, o que é a natureza. Enquanto a cada dia vou tendo mais certeza de que a minha nova frustração é não ter sido pastor evangélico e dono de uma igreja, dessas que preparam as almas deste mundo para o mistério dos últimos dias, vejo que a prefeita Micarla de Souza não gostou nem um pouco do que noticiou a revista Época. Certo, inventou. Afinal não é verdade. Mas se fosse, que de mal teria, se hoje há tantas igrejas cuidando dos nossos pecados nesse mundo de meu Deus?

Não discordo do cuidado das pessoas que exercem a vida pública contra as falsas notícias que nascem não se sabe de onde e ficam andando por ai. Confesso que até nesse sentido já fui muito mais radical. Hoje compreendo melhor a maldade humana. Mais jovem, reagia a tudo prontamente. Adorava provocar e ser provocado. Com o tempo, fui relevando tudo. A idade ensina a gente a pesar e sopesar as misérias e grandezas da carne humana como se a alma fosse morar separada, num lugar distante.

Sim, voltando à vaca fria, hoje seria um pastor. Não seria santo, daquela santidade que de tão falsa chega a ser antipática. De uma santidade mediana, suportável como artifício. De preferência, com um leve toque de magia se por acaso faltasse um certo ar de misticismo. E pregaria na minha igreja as profecias dos últimos dias até por acreditar que o mundo anda perto de se acabar. Se não sucumbiu em sessenta e se resistiu a tantos cataclismos, desses tempos de hoje, tenho impressão, não vai passar.

Modéstia parte, Senhor Redator, não teria tanta dificuldade assim em subir ao púlpito, como os novos pregadores. E de braços abertos alertar as poucas almas que lá estivessem do perigo da soberba nesse mundo de danações. Principalmente do veneno que é a falsa bondade, aquela que esconde toda a vaidade do mundo. Faria orações fortes e poderosas para afugentar os falsos humildes que na calada da noite e nos lugares mais escondidos da alma colecionam troféus na avareza da incurável vaidade.

Hoje vejo que foi bobagem minha, naqueles dias de juventude, discordar da força da expressão como ungüento, cataplasma e curativo para todas as feridas que a vida vai abrindo como chagas na carne da gente. Nem liguei. Dei tudo por visto e ouvido, e segui. Faltou acreditar na eloqüência da palavra, na força dos gestos, na magia do drama, na chama do riso que incendeia a comédia. E fiquei aqui a insistir na tolice de consertar o mundo ao invés de fazer do medo a boa moeda da gratidão.

Ora, Senhor Redator, nunca imaginei descobrir que os padres fossem homens tão comuns e tão parecidos com os pecadores. Há quem veja nesta descoberta um pobre homem de pouca fé e de olhos caídos nas águas da blasfêmia. E, no entanto, aqui está um velho devoto de Nossa Senhora da Conceição que justamente por tê-la assim, como uma grande mãe, deixou de ser um pastor de almas com medo do pecado. Numa pequena igreja de subúrbio, anônimo e feliz, como se fosse um santo.

YANOMAMI: ONGs relatam massacre de até 80 indígenas

30 de agosto de 2012 | 3h 09
CARACAS - O Estado de S.Paulo

Organizações não governamentais de defesa dos direitos dos indígenas que atuam na Venezuela denunciaram ontem que mineiros mataram até 80 ianomâmis na região da fronteira venezuelana com o Brasil. As informações são da emissora britânica BBC.

O ataque, de acordo com os relatos, ocorreu no mês passado, na comunidade de Irothatheri, localizada nas proximidades do território brasileiro.

Testemunhas que estiveram no local da matança afirmaram que os mineiros atearam fogo a uma casa comunal dos indígenas, pois encontraram os corpos dos ianomâmis carbonizados ao passar pela tribo.

Membros da comunidade indígena têm reclamado de mineiros invadindo suas terras à busca de ouro.

Segundo a ONG Survival International, a demora na descoberta do massacre ocorreu em virtude da remota localização da tribo atacada. A entidade afirmou que as pessoas que descobriram os corpos levaram vários dias para caminhar até a localidade mais próxima.

Organizações de defesa dos ianomâmis afirmaram ter encontrado três sobreviventes e pediram, em um documento dirigido ao governo venezuelano, que Caracas investigue a matança e colabore com o Brasil no "controle e vigilância" de mineiros na região ocupada pelos indígenas.

"Todos os governos com terras na Amazônia devem impedir a mineração ilegal desenfreada, a extração de madeira e os assentamentos nos territórios indígenas", afirmou à BBC Stephen Corry, diretor da Survival International.

A emissora britânica informou que os ativistas pelos direitos dos ianomâmis que atuam na região amazônica já haviam relatado, recentemente, que mineiros ilegais vinham fazendo ameaças aos indígenas e praticando violência contra as comunidades da região

Governo faz concessões a ruralistas em lei florestal

Mudança permitirá replantio menor de áreas desmatadas em beira de rio

Para aprovar medida provisória em comissão, Planalto cede de novo à bancada de grandes proprietários de terra.

DE BRASÍLIA

Após 20 dias de debates e novas concessões do governo à bancada ruralista, o Congresso aprovou ontem em comissão mista o relatório da MP (medida provisória) do Código Florestal.

A MP foi enviada ao Legislativo pela presidente Dilma como um complemento aos vetos feitos por ela ao projeto de código aprovado antes.

A medida, que vence em 8 de outubro, segue agora para a Câmara dos Deputados e, depois, para o Senado. Novas disputas em torno do teor da lei ainda podem surgir.

As cessões do governo ocorreram no ponto que mais causou polêmica durante a tramitação anterior da norma ambiental no Congresso: a recuperação de APPs (áreas de preservação permanente) desmatadas em beira de rios.

Se aprovadas ao final do processo legislativo, as mudanças de ontem permitirão recuperações menores.

REDUÇÕES

A comissão mista -formada por deputados e senadores- aprovou que, em fazendas de tamanho médio com rios de até dez metros de largura, deverão ser replantados 15 metros a partir das margens. A previsão original era, grosso modo, de 20 metros.

Segundo a decisão de ontem, se o rio dentro desse mesmo tipo de propriedade tiver mais de dez metros de largura, a recuperação mínima deverá ser de 20 metros e a máxima de 100 metros, a depender da largura do rio. Antes, esses valores variavam de 30 metros a 100 metros.

Para grandes fazendas, serão sempre replantados entre 20 metros e 100 metros, a partir da beira e de modo proporcional à largura do rio. Antes, a determinação era de recuperar entre 30 m e 100 m.

Por outro lado, governistas impediram uma alteração mais radical, de interesse dos ruralistas: a que acabava com qualquer proteção permanente nas matas de margens dos rios intermitentes (com períodos de seca no ano).

MP do Código Florestal aprovada em comissão mista beneficia ruralistas

DENISE MADUEÑO / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

A comissão especial do Congresso aprovou ontem a medida provisória do Código Florestal, com alterações que beneficiam as médias e grandes propriedades rurais.

Foi reduzida a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente. Como queriam os ruralistas, a mudança também remeteu para o Plano de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União. Essa decisão fica a cargo de cada Estado - hoje ela é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal.

A mudança na área a ser recuperada era pedida pelos ruralistas desde que a MP foi para a avaliação da comissão mista. Sem conseguir emplacá-la no texto do relator, senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), eles acabaram forçando uma medida considerada por ambientalistas como um "bode na sala".

No início do mês, quando a votação da comissão recomeçou, os ruralistas conseguiram aprovar uma emenda que tirava a proteção dos rios intermitentes (temporários), resguardando apenas os perenes. A medida foi considerada catastrófica por colocar em risco a sobrevivência desses rios. Havia estimativas extraoficiais de que ficariam sem proteção em torno de 50% dos rios brasileiros.

Agora os ruralistas aceitaram voltar atrás nessa decisão em troca de obter uma redução nas obrigações de recuperação. Continuaram desprotegidos, porém, o que foi chamado de cursos de água efêmeros, considerados os que surgem com as fortes chuvas, mas que não fluem como rios durante o ano.

As negociações entre governo, ruralistas e ambientalistas prorrogaram a reunião por seis horas. Luiz Henrique apresentou um novo texto fora das regras regimentais. Dessa forma, apenas um consenso permitiria sua votação. Os deputados Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Abelardo Lupion (DEM-PR) eram os mais resistentes. Quando o texto foi aprovado por unanimidade, ruralistas comemoraram.

Segundo deputados da bancada agropecuária, com esse entendimento, a MP deverá ter uma aprovação tranquila no plenário da Câmara, na próxima semana, e no do Senado, na segunda semana de setembro, quando as duas Casas estarão trabalhando durante o recesso branco do período eleitoral. Um atraso nesse calendário compromete a MP, que expira em 8 de outubro.

Pelo texto aprovado, em rios de até 10 metros de largura em propriedades médias, de 4 a 15 módulos fiscais, a recomposição de áreas desmatadas será de 15 metros contados da borda da calha do leito regular. Nos outros casos, com rios de qualquer largura, em propriedades acima de 15 módulos fiscais, a definição da área de recuperação foi remetida ao Plano de Regularização Ambiental, respeitado o parâmetro de, no mínimo, 20 metros e, no máximo, 100 metros, contados do início da margem.

Na MP, a exigência era maior. Para propriedades de 4 a 10 módulos fiscais, 20 metros e, imóveis acima de 10 módulos fiscais, o mínimo de 30 metros e o máximo de 100 metros. Para imóveis menores, ficou mantida a exigência de 8 metros até 2 módulos, e de 15 metros até 4 módulos.

O relator da MP fez outra mudança no texto de ontem, atendendo à pressão dos ruralistas, principalmente de Tocantins e Mato Grosso, Estados da Amazônia Legal. A mudança reduziu a área de recomposição no Cerrado amazônico, que passou a ser beneficiada com a regra que limita em 25% o total do imóvel para recuperação da vegetação, no caso de médias propriedades. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%.

Para técnicos do Ministério do Meio Ambiente, o "equilíbrio entre social e ambiental que havia na MP" está ameaçado, assim como a segurança jurídica. / COLABOROU GIOVANA GIRARDI

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Brasil: mineria em tierras indígenas


Serejo: O verde secou

 Por: Vicente Serejo

Não será apenas de orfandade – e já seria muito – o papel do Partido Verde nas eleições municipais deste ano. Aquele mesmo que há quatro anos, puxado pelo fenômeno populista da hoje prefeita Micarla de Souza, não só conquistou a simpatia do eleitorado natalense como arrebatou das mãos de um acordão de caciques uma vitória imaginada em Brasília que reunia adversários em torno não de uma luta política, mas feita para agradar à candidatura da deputada petista Fátima Bezerra, ungida pelo Palácio do Planalto.

O acordão, de tão espúrio, o acabou punido nas urnas logo no primeiro turno, mas estranhamente nada sofreram seus signatários. Pelo contrário. A governadora Rosalba Ciarlini teve o apoio da prefeita eleita como reciprocidade; Garibaldi Filho é ministro; Henrique Alves líder nacional do PMDB e forte no Palácio do Planalto; José Agripino continuou senador; Fátima Bezerra, a candidata derrotada, com seu mandato de deputada federal e Micarla de Souza assumiu a Prefeitura como se fosse uma nova líder.

Até mesmo aquele que saiu derrotado das urnas, e autor do acordão, o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves, acabaria sendo beneficiado com a derrocada da gestão Micarla, mas sem que se lhe possa negar o mérito de ter resistido sem aderir ao governo Rosalba Ciarlini. Manteve seu PDT eqüidistante de novos acordos e assim lidera as pesquisas pelo menos há três anos. Além de ter reunido em torno de sua luta todos adversários antigos e novos da governadora e prefeita, como Wilma de Faria e Robinson Faria.

Ninguém pode afirmar que o desastre da gestão Micarla de Souza sepulta a sua carreira política. Mas os números da pesquisa demonstram que o natalense, independentemente do preparo ou da postura dos outros candidatos, não querem arriscar novas experiências. A clara preferência pela candidatura de Carlos Eduardo em todos os segmentos – idade, grau de instrução e faixa econômica – revelam o temor hoje fixado no sentimento do eleitor com seus claros sinais de cristalização que as pesquisas atestam.

Além de outra verdade que não poderá ser escondida: os candidatos do PMDB e PSDB/DEM são dois nomes qualificados nos quadros dos seus partidos, mas é como se a eles faltasse uma autenticidade indispensável. Chegaram às ruas como arranjos partidários improvisados, como justificativas perfeitas para um jogo que precisa ser travado como selo de garantia de um jogo maior que se trava no âmbito de Brasília. O PMDB para mostrar coerência e o DEM para manter o faz de conta de uma falsa resistência.

São poucas as chances dos adversários do ex-prefeito Carlos Eduardo Alves. Até por uma verdade quase que dialética: sua candidatura não foi construída pela força do PDT ou de sua habilidade política. Nasceu como efeito natural do desastre que se abateu sobre a gestão Micarla de Souza, hoje órfã do seu próprio partido que se desfaz em adesões, sem discurso e sem postura, a procura de alguns poucos lugares nas poltronas da Câmara. Um fim melancólico para um partido que parecia ser o verde da renovação.

Organizações indígenas venezuelanas denunciam novo genocídio de Yanomami por garimpeiros brasileiros

O relato está baseado no depoimento de três sobreviventes, que estavam na floresta no momento do ataque dos garimpeiros contra a casa coletiva da comunidade Irotatheri, na fronteira do Brasil com a Venezuela. O número de mortos ainda é incerto

Depois de 20 anos do massacre realizado por garimpeiros brasileiros contra os Yanomami, no caso conhecido como Massacre de Haximú, três sobreviventes relatam nova barbárie ocorrida em julho deste ano em território venezuelano

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiam), que congrega 13 organizações indígenas da Amazônia Venezuelana, divulgou nesta segunda-feira (28), documento baseado no relato de sobreviventes Yanomami, da comunidade Irotatheri, localizada nas cabeceiras do Rio Ocamo, na fronteira do Brasil com a Venezuela. O relao dá conta de que garimpeiros cercaram a casa coletiva e dispararam contra eles, posteriormente ateando fogo à casa. Os sobreviventes estavam na floresta no momento do ataque. O número de mortos ainda é incerto.

O documento faz referências ás frequentes denúncias dos Yanomami, que têm sido feitas desde 2009 aos diversos órgãos do Estado Venezuelano, sobre a crescente invasão garimpeira e o consequente aumento da violência entre os garimpeiros e os índios. Violência física, ameaças e a contaminação da água por uso de mercúrio causando a morte de vários Yanomami são alguns dos exemplos citados.

No Brasil, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o ISA vem alertando para o aumento do garimpo ilegal no território Yanomami , impulsionado pela alta do preço do ouro no mercado internacional. Soma-se a isso ainda a insuficiência das ações governamentais para coibir o garimpo, gerando um recrudescimento da violência entre garimpeiros e os Yanomami, que podeira resultar em um novo massacre de Haximu (saiba mais).

As operações de repressão ao garimpo em Terra Indígena Yanomami aumentaram no Brasil nos últimos dois anos. Em julho último, a Operação Xawara teve como foco a prisão de empresários do garimpo e de não garimpeiros, com resultados mais positivos em relação às ações de combate ocorridas até então. No entanto, estas medidas não foram suficientes para impedir a escalada da violência entre o povo Yanomami e os garimpeiros. Para tanto, é necessário continuar combatendo os empresários do garimpo em uma ação de cooperação binacional, que considere a participação dos Yanomami.

O documento da Coiam solicita ao governo da Venezuela que realize uma investigação urgente, além de adotar medidas bilaterais com o Brasil para controlar e vigiar a entrada de garimpeiros no município de Alto Ocamo, local do massacre. As organizações signatárias do documento lembram ainda que a omissão de investigar e tomar medidas eficazes, como no caso de Haximu em 1993, poderia compromenter a responsabilidade internacional do Estado Venezuelano, por permitir que agentes externos agridam os venezuelanos, no caso os Yanomami, em seu próprio território.

PRONUNCIAMIENTO DE LAS ORGANIZACIONES INDÍGENAS DEL ESTADO AMAZONAS


(COIAM) sobre la nueva MASACRE DE INDÍGENAS YANOMAMI en la Comunidad IROTATHERI cometida por mineros ilegales brasileños.

En el día de 27 de Agosto de 2012, nosotros, pueblos y comunidades indígenas de la

Amazonía  venezolana,  agrupados  en  la  Coordinación  de  Organizaciones  Indígenas  de Amazonas (COIAM), representados por la Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas  (ORPIA),  la  Organización  Indígena  Piaroa  Unidos  del  Sipapo  (OIPUS),  la Organización  Ye´kuana  del  Alto  Ventuari  (KUYUNU),  la  Organización  Indígena  Jivi Kalievirrinae  (OPIJKA), la Organización Yanomami  (HORONAMI), la Organización Mujeres Indígenas de Amazonas (OMIDA), la Organización de Comunidades indígenas Huôttuja del Sector  Parhuaza  (OCIUSPA),  la  Asociación  de  Maestros  Piaroa  (Madoya  Huarijja),  La Organización  Piaroa  del  Cataniapo  “Reyö  Aje”,  la  Organización  Indígena  de  Río  Negro (UCIABYRN),  la  Organización  Piaroa  de  Manapiare,  la Organización  Ye´kuana  del  Alto Orinoco  (KUYUJANI  Originario),  el  Movimiento  Político  Pueblo  Unido  Multiétnico  de Amazonas  (PUAMA),  reunidos  en  Puerto  Ayacucho,  queremos  realizar  el siguiente

pronunciamiento  sobre  la  NUEVA  MASACRE  DE  INDÍGENAS  YANOMAMI ocurrida  en  la comunidad IROTATHERI, Municipio Alto Orinoco, cometida por mineros ilegales provenientes de Brasil y cuya información fue suministrada por sobrevivientes y testigos durante el mes de agosto de 2012:

 1.-  Nos  solidarizamos  con  el  pueblo  Yanomami  en  Venezuela  y  su  organización

HORONAMI,  quien  ha  sido  víctima  en  el  mes  de  julio   2012,  de  una  NUEVA  MASACRE OCURRIDA  EN  LA  COMUNIDAD  IROTATHERI,  ubicada  en  las  cabeceras  del  río  Ocamo, Municipio  Alto  Orinoco  y área  de  influencia de varias  comunidades  Yanomami como son MOMOI,  HOKOMAWE,  USHISHIWE  y  TORAPIWEI,  las  cuales   vienen  siendo  agredidas  e invadidas por mineros ilegales provenientes de Brasil (GARIMPEIROS) desde hace más de 04 años.

2.-  Lamentamos  profundamente  este  nuevo  ataque  violento  contra  el  pueblo Yanomami,  en  el  cual  habría  muerto  un  número  indeterminado  de  personas,   con  03 sobrevivientes en una comunidad (shapono) de aproximadamente 80 indígenas Yanomami en el Alto Ocamo, la cual fue  quemada y agredida con armas de fuego y explosivos según testimonios de los sobrevivientes y testigos que se trasladaron a la comunidad de Parima “B” entre el 15 y el 20 de agosto de 2012, donde trasmitieron el trágico testimonio a miembros de la organización HORONAMI y autoridades venezolanas de la 52 Brigada del Ejército y el Centro Amazónico de Investigación y Control de Enfermedades Tropicales (CAICET).

3.- Expresamos  nuestra  preocupación  debido  a  que  desde  el  año  2009, se  viene informado a varios órganos del Estado venezolano sobre la presencia de GARIMPEIROS en el Alto Ocamo y  sobre diversas agresiones contra las comunidades de MOMOI y HOKOMAWE quienes fueron víctimas de violencia física, amenazas, uso de mujeres y contaminación del agua por mercurio con saldo de varios Yanomami muertos y sin haber  TOMADO MEDIDAS EFECTIVAS PARA DESALOJAR A LOS GARIMPEIROS DE LA ZONA y diseñar un plan de control y vigilancia sobre su entrada cíclica en la zona, en momentos en que hay reportes del aumento de la actividad minera ilegal en toda la Amazonía brasileña.

4.- Esta situación no sólo afecta los derechos a la VIDA, LA INTEGRIDAD FÍSICA y LA SALUD  DEL  PUEBLO  YANOMAMI,  sino  que  constituye  un  nuevo  genocidio  y  una  nueva amenaza a la sobrevivencia física y cultural de los Yanomami, en un momento en que se cumplen  en  el  año  2013,  veinte  (20)  años  de  la  Masacre  de  HAXIMÚ  en  la  que  fueron asesinados 16 mujeres, niños y ancianos.

5.- Solicitamos al Gobierno Nacional y a los demás órganos del Estado venezolano la realización de una INVESTIGACIÓN JUDICIAL URGENTE, el TRASLADO INMEDIATO HASTA EL LUGAR  DE  LOS  HECHOS  y  LA  ADOPCIÓN  DE  MEDIDAS  BILATERALES  CON  BRASIL para controlar y vigilar la entrada de garimpeiros en el ALTO OCAMO, lugar de la masacre  y con presencia  de  Yanomami  amenazados  por  la  acción  incontrolada  de  mineros  ilegales (garimpeiros). Recordamos que la omisión de investigar y tomar medidas eficaces como en el caso  de  HAXIMÚ,  podría  comprometer  la  responsabilidad  internacional  del  Estado venezolano,  por  permitir  que  agentes  externos  agredan  a  nacionales  venezolanos  en  su territorio.

Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA)
Organización Indígena Piaroa Unidos del Sipapo (OIPUS)
 Organización Ye´kuana del Alto Ventuari (KUYUNU)
Organización Indígena Jivi Kalievirrinae (OPIJKA)
Organización Yanomami (HORONAMI)
Organización Mujeres Indígenas de Amazonas (OMIDA)
Organización de Comunidades indígenas Huôttuja del Sector Parhuaza (OCIUSPA)
Asociación de Maestros Piaroa (Madoya Huarijja)
Organización Yekuana del Alto Orinoco (KUYUJANI Originario)
Organización Piaroa del Cataniapo “Reyö Aje”
Organización Indígena de Río Negro (UCIABYRN)
Organización Piaroa de Manapiare,Organización Yabarana del Parucito (OIYAPAM)
Movimiento Político Pueblo Unido Multiétnico de Amazonas (PUAMA)

José Gregorio Díaz Mirabal
Vice-Coordinador CONIVE

Guillermo Guevara
(Constituyente Indígena 1999)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Roberta Sá e Ney Matogrosso: peito vazio


Serejo: meu irmão Iaponan


 Por: Vicente Serejo

Neste 19 de julho, perdi meu irmão, primogênito do meu pai, Iaponan Soares de Araújo, após uma longa enfermidade. Ele nascera em São Vicente em 26 de novembro de 1936 onde fez seus primeiros estudos tendo sua mãe Milka como professora. Foi estudar no Colégio Diocesano de Caicó e com a nossa transferência para Natal, foi pro Ateneu.  Ingressando nos quadros técnicos do DNER, foi transferido para o Paraná e depois para Santa Catarina, quando no Governo de Juscelino Kubitschek se implantava a grande BR-101.

Em Florianópolis, conheceu e casou com Vera Nocetti de Araújo, talvez e coincidentemente do mesmo Araujo da nossa família, pois seu pai, seu Victor, dizia-nos que sua família viera do Nordeste brasileiro, para o sul, fugindo da seca de 1877.  Iaponan formou-se em Pedagogia e História em Santa Catarina com pós-graduação em administração e gestão de arquivos. Foi Secretário de Estado da Cultura de Santa Catarina na gestão de Espiridião Amin e Presidente da Fundação Catarinense de Cultura.

Aposentado, criou e dirigia o Museu da poesia manuscrita e mantinha um grande acervo literário, notadamente dos escritores potiguares.

Fôra condecorado com as medalhas culturais dos governos do Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

Membro da Academia Catarinense de Letras, Iaponan publicou diversos livros, a maioria na área da crítica literária e do resgate histórico de intelectuais e artistas catarinenses. Sua bibliografia inclui: Ernani Rosas (1965), Marcolino Antonio Dutra (1970), Panorama do Conto Catarinense (2ª. edição), 1974, A poesia de Oscar Rosas, Três narrativas da insônia (contos), 1977, Arquivos e documentos de Santa Catarina (1985), Vamos conhecer Biguaçu (1985) e Poesia de Ernani Rosas (1989).

Iaponan teve com Vera os filhos Maria Raquel, Débora, Joaquim, Valéria e Juliana que lhe deram sete netos.

É mais um fragmento nosso que se despedaça, deixando-nos menores e mais frágeis. Não temos a grandeza de Maria, a menina de Nazaré que cantava “exultai o meu espírito em Deus meu salvador”, diante do mistério da vida, mas procuramos um consolo diante do mistério da morte.

Mesmo meditando nas palavras do poeta que afirmava que “para isso nós fomos feitos…” é difícil aceitar a perda e consolar a dor da saudade.

“Meu filho, cheire o arroz”


Joca Souza Leão
Jocasouzaleao@gmail.com

        Eu era o cheirador oficial da família. Foi, não foi, minha mãe pedia pr’eu cheirar o arroz, pra ver se tinha azedado na geladeira. Se dissesse que tava bom, a cozinheira dava uma escaldada e tudo bem, ia ser o arroz do almoço. Mas se dissesse que tava azedo, ela fazia outro na hora. E o azedinho ia virar arroz-doce pro jantar, feito com leite de coco e polvilhado com canela. Apesar de tarado por arroz-doce, nunca menti. Se dissesse que tava azedo, era porque tava – que eu não ia pôr em risco minha fama e prestígio.

            Meu pai registrava com certo orgulho – e se atribuindo parte dos méritos – qu’eu tinha herdado dele o rinencéfalo (anos depois, meu irmão médico, Caio, esclareceu que se tratava da área do cérebro responsável pelo olfato). Cheirar era comigo mesmo. Perfume forte e doce, ainda que bom, dava dor de cabeça. Se fosse vagabundo, então... Eu era capaz de lembrar lugares e pessoas pelo cheiro. E ainda sou. Pro bem e pro mal.

            Naquele tempo (e ainda hoje, acho), catinga era palavra de mau gosto – se não chula, cafona. Gente bem e educada não falava catinga. Nem fedor. Falava mau cheiro. Apesar de Gilberto Freyre, muitos anos antes, em Casa Grande & Senzala, dizer que “catinga” não era mais palavra com “sabor arrevesado do exótico” e que os menos puristas “já não têm, como outrora, vergonha de empregá-la”, ali estava o cerne da questão. Preconceito. Catinga é palavra de origem africana. Negra e pobre, portanto. Mas na minha cabeça de menino, o preconceito ganhara significados. E graduações. Mau cheiro, fedor e catinga. Na escala, de mal a pior.

             Assim, minhas lembranças de infância têm cheiros – não fedores nem catingas. No máximo, o azedinho do arroz. Naquele tempo, o Recife cheirava. Dependendo da fruta da época e de onde se estivesse, cheiro de manga (cada qual tinha seu cheiro: rosa, espada, itamaracá – que a gente comia de colher –, manguito e jasmim), goiaba, jaca, cajá, caju (antes do fruto, o cheiro da flor), mangaba, pitanga, graviola e sapoti. Espinheiro e Graças, cada rua tinha um cheiro. Casa Forte tinha outros. Apipucos e Dois Irmãos tinham todos. Cordeiro e Várzea, cheiros do interior, de mato e vacarias. Boa Viagem, cheiro de brisa, de maresia, salgadinho. A Rua da Aurora, docinho, de chocolate da Renda & Priori. Imperial, café, das duas torrefações que havia lá. A Matias de Albuquerque, esquina com Pedro Ivo, maçã e pera. A Dantas Barreto, bacalhau (que eu gostava, creio, porque já antecipava o cheiro do bacalhau-de-coco lá de casa). Livramento, tecidos de algodão. Duque de Caxias, couro de sapato novo. O Bairro do Recife, biscoito, açúcar e mar.

            Havia uma água-de-colônia (alemã, acho eu agora) que tinha no rótulo a gravura de uma mulher com chapéu e leque. Eu achava que a mulher do rótulo era Dona Lucila, casada com Dr. Oscar Coutinho, pois ela tinha o cheiro dessa água-de-colônia e também usava chapéu e leque. Da minha primeira vez, lembro mais dos cheiros do que da mulher. O cheiro da pensão, do quarto, do perfume forte, do sexo. Provação – da qual me sai com relativo sucesso. Minha primeira namorada usava Bond Street. A segunda, Fleur de Rocaille. Pouquinho. Nos punhos e atrás das orelhas. Gostava de ver o jeito dela esfregar um punho no outro e do trejeito com a cabeça para afastar o cabelo que lhe encobria as orelhas. “Não se usa perfume na roupa” – aprendi com ela.     

            “Sei de onde vens, sei por onde andaste. / Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos / Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas (...)” – o poeta Joaquim Cardozo sabia de onde vinha a “Chuva do Caju”. Dos sítios aromáticos.  Vinha, não vem mais. Com ela, o Recife cheirava. Não cheira mais.

            – Saudade?

            – E apois!

 Joca Souza Leão é cronista.

Quem tem medo dos emigrantes ?

Por Rui Martins, de Genebra

Emigrantes querem um órgão institucional sem tutela.

O Conselho dos Emigrantes não funcionou por falha fundamental de criação: ele deveria ser uma simples e curta transição para o órgão emigrante sem a tutela do Itamaraty.

Quando terminei a cobertura do Festival de Cinema de Locarno e abri, no Facebook, a página da Secretaria de Estado dos Emigrantes, tive a surpresa de ver desaparecerem todas as postagens ali existentes desde sua criação.

Pedi o apoio de um informático e soube que o grupo fora alvo de um ataque por hackers. Como sou analfabeto em matéria de informática, entreguei ao especialista a tarefa de evitar que o grupo fosse exterminado – são cerca de 1300 membros que não teriam mais informações sobre o projeto em favor de uma Secretaria dos Emigrantes sem a tutela do Itamaraty.

Estou retomando a administração do grupo, e me pergunto se esse simples esforço de informação seria tão importante para mobilizar pessoas interessadas em evitar a divulgação de um projeto em favor dos emigrantes.

Como já fui alvo de um tentativa de expulsão do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior, imagino haver alguns interesses contrariados, mas tenho dificuldade em entender o porquê de uma tal ferrenha oposição.

Afinal, não somos um partido político e não temos recursos para nos impor. Transmitimos apenas a idéia de um projeto por julgá-lo mais eficiente, mais benéfico para os emigrantes. Na nossa vida profissional, nada temos que seja ligado aos emigrantes – não somos despachantes, não temos agência de viagens e nem um armazém com produtos importados do Brasil. Não pregamos nenhuma religião implantada no exterior, nada, portanto, que possa representar uma concorrência.

Quais são as linhas mestras do nosso projeto que, bem aceito pelos emigrantes, é tão severamente rejeitado por certas lideranças ? A primeira delas, que provocou problemas na I Conferência Brasileiros no Mundo, foi a defesa da laicidade, pela existência de um órgão institucional sem ligações com quaisquer religiões.

É evidente que as opções religiosas dos emigrantes podem se agrupar em associações ou ter seus grupos de atividades. Porém, os líderes religiosos deveriam se abster de transformar sua influência em poder político. Por que ? Porque existem diversas tendências religiosas entre os emigrantes, existem emigrantes sem opções religiosas e certas situações ou profissões dos emigrantes poderiam ser julgadas pelos padrões religiosos e não consideradas segundo nossas leis laicas e republicanas.

O outro aspecto é o relacionado com a prestação de serviços. Partimos do princípio de que os Consulados brasileiros são tabelionatos e que seus serviços devem ser facilitados ao máximo aos emigrantes. No mês passado, foram tomadas medidas no Brasil para facilitar a transcrição nos cartórios brasileiros de documentos lavrados nos Consulados.

Aparentemente, uma boa medida, porém, na verdade facilitadora mas não solucionadora. Queremos que os documentos lavrados nos tabelionatos brasileiros no exterior, os Consulados, não precisem ser recopiados ou transcritos por iniciativa dos emigrantes. Se os Consulados produzem documentos autênticos, por que recopiá-los nos cartórios. Pura burocracia, mantida provavelmente pelo lobby dos cartórios. Isso inclui as homologações de divóricios, mera formalidade que alimenta advogados e ocupa o precioso tempo dos juízes do Supremo Tribunal Federal.

O outro aspecto criador de oposições é o de postularmos um órgão ligado diretamente ao governo federal, como as Secretarias da Mulher ou da Igualdade Racial, e sem a tutela do Itamaraty. Evidentemente, tratando-se de emigrantes deverá haver uma relação constante com o Itamaraty, porém não em condições de sujeição mas de igualdade. Por isso, a necessidade do órgão emigrante ser dirigido por alguém de confiança do governo, para haver uma integração e uniformidade entre a política externa brasileira com medidas tomadas em favor dos emigrantes.

Por que a experiência do Conselho de emigrantes (CRBE) não deu certo ? Porque ficou no meio do caminho – criou-se o chamado orgão de interlocução e de assessoria junto a uma Subsecretaria do MRE. Ou seja, a interlocução pretendida com o governo foi prejudicada, por ser na realidade uma interlocução com uma repartição do MRE sem poder de decisão. Em outras palavras, o CRBE virou um mero apêndice um faz de conta sem real funcionalidade dentro do organograma do governo.

Um conselho representativo sempre é importante por levar as aspirações dos emigrantes mas precisa ter como receptário um órgão decisório e não apenas registrador das reivindicações dos emigrantes em Atas. O Conselho deve ser ligado à Secretaria dos Emigrantes para transmitir suas reivindicações a quem pode receber, examinar e atender ou rejeitar.

E para terminar mais uma vez uma declaração de princípio – se o CRBE não funcionou foi por falha fundamental de criação, por não dispor de condições para funcionar. Não é verdade que combatemos o CRBE ou que quisemos sua destruição. Não, desde o princípio dissemos que o CRBE deveria ser uma simples e curta etapa para um órgão emigrante sem a tutela do Itamaraty. Queríamos a transformação do CRBE num Conselho de Transição. Nossas críticas, nossa luta foram sempre – e continuam sendo – construtivas.

E é por isso que, apesar de atos tão mesquinhos como tentar a destruição de um grupo no Facebook, de pressões e de ameaças, decidimos que vamos prosseguir, até sermos ouvidos pelo governo, pela Casa Civil, pela presidenta Dilma, ou pelos senadores e deputados.

PS. estamos preparando um documento sobre o órgão institucional emigrante para ser entregue às autoridades. Se você, emigrante, quer colocar nele sua assinatura, deixe seu recado em comentários, logo embaixo. Publicado originalmente no site Direto da Redação

Rui Martins, jornalista, escritor, correspondente em Genebra.

O Caso Assange

Por Frei Betto - de São Paulo

Em 2010 o mundo foi surpreendido pela divulgação de uma série de documentos comprobatórios de que muitos governos e autoridades dizem uma coisa e fazem outra. A máscara caiu. Todos viram que o rei estava nu.

 O site WikiLeaks, monitorado pelo australiano Julián Assange, publicou documentos secretos que deixaram governos e autoridades envergonhados, sem argumentos para justificar tantos abusos e imoralidades.

Maquiavel já havia afirmado, no século XVI, que a política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos do público e a que transita nos bastidores do poder.

Bush e Obama admitiam torturas no Iraque, no Afeganistão e na base naval de Guantánamo, enquanto acusavam Cuba, na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, de maltratar prisioneiros…

O WikiLeaks nada inventou. Apenas se valeu se fontes fidedignas para coletar informações confidenciais, em geral constrangedoras para governos e autoridades, e divulgá-las. Assim, o site desempenhou importante papel pedagógico. Hoje, as autoridades devem pensar duas vezes antes de dizer ou fazer o que as envergonhariam, caso caísse em domínio público.

Apesar da saia justa, o cinismo dos governos parece não ter cura. Em vez de admitirem seus erros e tramoias de bastidores, preferem bancar a raposa da fábula de Esopo, divulgada por La Fontaine. Já que as uvas não podem ser alcançadas, melhor alegar que estão verdes…

Acusam Julián Assange – não de mentir ou divulgar documentos falsos – mas de haver praticado estupro de prostitutas, na Suécia.

Ora, com todo respeito à mais antiga profissão do mundo, sabemos todos que prostitutas se entregam a quem lhes paga. E por dinheiro – ou ameaça de extradição quando são estrangeiras – algumas delas podem ser induzidas a fazer declarações inverídicas, como a esdrúxula acusação de estupro.

Muito estranho, considerando que relações com prostitutas muitas vezes parecem um estupro consentido. O cliente paga pelo direito de usar e abusar de um corpo desprovido de reciprocidade – sem afeto e libido. Daí a sensação de fraude que o acomete quando deixa o prostíbulo. Perdeu o sêmen, o dinheiro… e não encontrou o que procurava – amor.

De fato, governos e autoridades denunciados pelo WikiLeaks é que estupraram a ética, a decência, a soberania alheia, acordos e leis internacionais. Assange e seu site foram apenas o veículo capaz de tornar mundialmente transparentes documentos contendo informações mantidas sob rigoroso sigilo.

Punidos deveriam ser aqueles que, à sombra do poder, conspiram contra os direitos humanos e a legislação internacional. No mínimo, deveriam fazer autocrítica pública, admitir que abusaram do poder e violaram princípios áureos, como foi o caso de ministros brasileiros que se deixaram manipular pelo embaixador dos EUA, em Brasília.

Assange se encontra refugiado na embaixada do Equador, em Londres. O governo de Rafael Correa já lhe concedeu o direito de asilo no país latino-americano. Porém, o governo britânico, do alto de sua majestática prepotência, ameaça prendê-lo caso ele saia da embaixada a caminho do aeroporto, onde embarcaria para Quito.

Nem a ditadura brasileira na Operação Condor chegou a tanto em relação a centenas de perseguidos refugiados em embaixadas de países do Cone Sul. Por isso, a OEA, indignada, convocou uma reunião de seus associados para tratar do caso Assange. Este teme ser preso ao deixar a embaixada e entregue ao governo sueco que, em seguida, o poria em mãos dos EUA, que o acusam de espionagem – crime punido, pelas leis estadunidenses, inclusive com a pena de morte.

Assange não se nega a comparecer perante a Justiça sueca e responder pela acusação de estupro. Teme apenas ser vítima de uma cilada diplomática e acabar em mãos do governo mais desmoralizado pelo WikiLeaks – o que ocupa a Casa Branca.

O caso Assange já prestou inestimável serviço à moralidade global: demonstrou que, debaixo do sol, não há segredos invioláveis. Como diz o evangelho de Lucas (12, 2 e 3) “nada há encoberto que se não venha a descobrir; nem oculto, que se não venha a saber. Por isso o que dissestes nas trevas, à luz será ouvido; o que falastes ao ouvido no interior da casa, será proclamado dos telhados”.

Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. www.freibetto.org – Twitter:@freibetto.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Conheça o STJ: o Tribunal da cidadania


Serejo: Um livro faz cem anos

Por: Vicente Serejo

A Acta Diurna de Câmara Cascudo, publicada na edição de 14 de outubro de 1939, em A República, demorou quinze anos, mas foi, até o final dos anos sessenta, o único sol a brilhar, num adeus de admiração, sobre a figura intelectual de João Batista de Vasconcellos Chaves, Dr. João Chaves. Aquele que em 1968 daria nome à colônia penal de Natal, demolida há alguns anos, símbolo de lugar desumano, conhecido como ‘Caldeirão do Diabo’. Destruída para sempre, apagou-se dali a homenagem a um dos maiores criminalistas do Brasil do seu tempo.

João Chaves nasceu no belo solar do Ferreiro Torto, em Macaíba, a 4 de outubro de 1875, e faleceu a 28 de abril de 1924, aos 49 anos. Viveu pouco, e muito cedo acendeu sua chama de homem genial ao publicar, em 1912, aos 37 anos, o seu ‘Sciencia Penitenciária’, ainda grafado assim, longo tratado sobre um direito novo, publicado pela Livraria Clássica de A. M. Teixeira & Cia, com prelos instalados na Praça dos Restauradores, Porto, Portugal.

Antes, já publicara uma memória da Faculdade Livre de Direito do Pará, onde viveu seus primeiros anos de advogado e professor de Direito formado em Recife. Visitou vários países europeus consultando bibliotecas e centros jurídicos e chegou a anunciar no primeiro tomo mais dois volumes que completariam sua obra sobre a ciência penitenciária: o primeiro sobre o tema da prevenção; o segundo todo dedicado ao estudo da pena no âmbito militar.

Ciência Penitenciária é um livro planejado e escrito com rigor técnico e bibliografia erudita, de vários países, e distribuído ao longo de quase quatrocentas páginas. Num apuro intelectual inegável, o autor divide a matéria em três partes: Introdução, com oito capítulos e secções; Sistema Educativo, mais oito capítulos e secções; e Sistema de Eliminação, esta com quatro capítulos, com introdução e três visões: pena de morte, deportação e delegação.

Meticuloso na organização do volume para garantir a acessibilidade a todos os trechos do corpo da matéria, Ciência Penitenciária tem numeração geral de todos os 221 parágrafos, da introdução ao último trecho. Mas, ao mesmo tempo, cheio de pudor, logo avisa no pequeno prefácio que escreve, antes da introdução: é livro desajudado, sem nome consagrado que lhe apresente, e a crítica livre para não ferir o pudor de fazer elogios como se fosse favor.

Sem deixar se tocar pela pretensão, Chaves é claro naquilo a que seu livro se destina, às mesas acadêmicas, mas informa que pode ser uma contribuição à ordem legislativa, quando a nova ciência for tratada por legisladores. E proclama, sem vaidade, que é apenas ‘um ensaio de propaganda das idéias penitenciárias’. Se fosse apenas isso, não seria um pioneirismo de valor filosófico a erguer um novo conceito de ciência, olhar pioneiro no Direito Brasileiro.

Embora já tendo alguma paternidade naquela primeira década do século, a Ciência Penitenciária, para Chaves, continuava a ser um tema em discussão até para ele que já percorrera, ao longo de 1911 e 1912, vários países da Europa na busca de conhecer o que havia de mais ousado no novo saber ainda tão obscuro nas suas leis e postulados. Para ser a nova ciência consagrada por todos, de Sócrates a Platão, de Howard a Bonavita e Mabillon.

Andando pelas velhíssimas prisões de Milão e Amsterdã; o claustro dos conventos e as celas dos antigos monastérios, sobre todas as formas de reclusão João Chaves lançou seu olhar. Leu sobre a crença do Círculo Noturno, velha e obscura sociedade filantrópica que imaginava ser capaz de ensinar aos condenados as virtudes da alma; e estudou a teoria dos mestres italianos, para quem a pena é a força que eleva a moral dos degradados pelo crime.

A discussão final do livro, depois de percorrer mais de 350 páginas feitas de questões e questionamentos em todos os níveis da ciência penitenciária, é sobre a pena de morte. João Chaves parte da visão platônica, aquela que para ele foi a mais branda, antes do movimento contra a pena capital, no Século XVIII, então liderada por Beccaria e Sonnenfels. Segundo Platão, repetindo as palavras de Chaves, ‘o crime é uma moléstia e o criminoso um doente’.

Plantão vai além: ‘todos os remédios devem ser aplicados e só quando impossível a transformação do criminoso pela sua incurabilidade’ caberia ao Estado – no caso, a Athenas – deportá-lo do território ou executá-lo. É Platão, ainda, quem afirma: a pena de morte é uma forma ‘de livrar a República de um perigo’, e ‘libertar o desgraçado de uma existência pesada’. A lição não convence a Chaves que ergue, a partir daí, seu grande questionamento.

Técnico, numa linguagem atual, limpa dos arabescos e ornatos, lança as duas questões fundamentais para condenar a pena de morte. E pergunta: 1) Serve a morte aos fins da pena? 2) Servindo aos fins da pena, apresenta todos os caracteres que ela deve preencher? Ele mesmo responde: a pena de morte serve ao desejo ‘da eliminação completa e absoluta’, mas não repara’. E acusa: ‘Falta à pena de morte o característico essencial da reparabilidade’.

Ousado, encerra o capítulo negando qualquer eficiência à pena de morte, até mesmo como força exemplar. Para ele, nem o caráter excepcional se justificaria porque é injusta. E fustiga seu caráter excepcional – ‘Ela será tanto mais injusta e inconveniente quanto mais excepcional’ – para concluir, sereno e sem dúvida, como um juiz seguro diante da sentença, impondo ao culpado uma pena perpétua: ‘A pena de morte é legítima, mas não é necessária’.

Foi por esse gênio, o Dr. João Chaves, nascido em Macaíba e desaparecido aos 49 anos, que o grande Evaristo de Morais perguntou a Câmara Cascudo, em 1935. Aquele homem de pele branca, grave e triste, que Cascudo viu uma única vez, conversando com seu pai, numa tarde de 1917. Vestido de preto, pince-nez emoldurando os olhos, mãos enluvadas para esconder a doença. Aquele homem de gestos tímidos que fez do primeiro cumprimento ao filho do amigo um gesto de distância e adeus. Um pudor suave e calado, porque voltara à sua terra sem felicidade. Para morrer, recluso e deformado, numa manhã velha do Tirol.

STJ firma jurisprudência em defesa das minorias


Uma das bases fundamentais dos direitos humanos é o princípio de que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Discriminação e perseguição com base em raça, etnia ou opção sexual são claras violações desse princípio. Assim, não é de estranhar a quantidade de pedidos que a Justiça brasileira tem recebido de indivíduos pertencentes às chamadas minorias - como os homossexuais, negros, índios, portadores do vírus HIV ou de necessidades especiais, entre outros -, que buscam no Judiciário a proteção institucional de seus interesses.

Ao longo de sua história, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência em prol dessas minorias, como, por exemplo, ao reconhecer a possibilidade de união estável e até mesmo de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, ou ao determinar o pagamento de dano moral a uma comunidade indígena, alvo de conflitos com colonos em assentamento irregular nas terras dos índios.

O STJ também, em decisão inédita, já classificou discriminação e preconceito como racismo, além de entender que é cabível a isenção de tarifa de transporte público para portador do vírus HIV.

O papel do STJ na efetivação dos direitos desses segmentos da sociedade tem sido reconhecido não só no meio jurídico, mas em todos os lugares onde existam pessos dispostas a combater a discriminação. O STJ detém o título de Tribunal da Cidadania e, quando atua garantindo direitos de maneira contramajoritária, cumpre um de seus mais relevantes papéis, afirma o ministro Luis Felipe Salomão.

Relações homoafetivas

Em decisão inédita, a Quarta Turma do STJ reconheceu a possibilidade de habilitação de pessoas do mesmo sexo para o casamento civil. O colegiado entendeu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento (REsp 1.183.378).

Segundo o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, o raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento, afirmou.

O mesmo colegiado, em abril de 2009, proferiu outra decisão inovadora para o direito de família. Por unanimidade, os ministros mantiveram decisão que permitiu a adoção de duas crianças por um casal de mulheres.

Seguindo o voto do ministro Luis Felipe Salomão, a Turma reafirmou entendimento já consolidado pelo STJ: nos casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança. Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças, afirmou.

Entretanto, o STJ sempre deu amparo judicial às relações homoafetivas. O primeiro caso apreciado no STJ, em fevereiro de 1998, foi relatado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, hoje aposentado. O ministro decidiu que, em caso de separação de casal homossexual, o parceiro teria direito de receber metade do patrimônio obtido pelo esforço mútuo (REsp 148.897).

Também foi reconhecido pela Sexta Turma do Tribunal o direito de o parceiro receber a pensão por morte de companheiro falecido (REsp 395.904). O entendimento, iniciado pelo saudoso ministro Hélio Quaglia Barbosa, é que o legislador, ao elaborar a Constituição Federal, não excluiu os relacionamentos homoafetivos da produção de efeitos no campo de direito previdenciário, o que é, na verdade, mera lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do direito.

Em outra decisão, a Terceira Turma do STJ negou recurso da Caixa Econômica Federal que pretendia impedir um homossexual de colocar o seu companheiro de mais de sete anos como dependente no plano de saúde (REsp 238.715). O colegiado destacou que a relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica.

Racismo

O recurso pioneiro sobre o tema, julgado pelo STJ, tratou de indenização por danos morais devido a agressões verbais manifestamente racistas (REsp 258.024). A Terceira Turma confirmou decisão de primeiro e segundo graus que condenaram o ofensor a indenizar um comerciário - que instalava um portão eletrônico para garantir a proteção dos moradores da vila onde morava - em 25 salários mínimos.

Outro caso que chamou a atenção foi o julgamento, pela Quinta Turma, de um habeas corpus, ocasião em que o STJ, em decisão inédita, classificou discriminação e preconceito como racismo (HC 15.155). O colegiado manteve a condenação de um editor de livros por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A decisão foi uma interpretação inédita do artigo 20 da Lei 7.716/89, que pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça.

Em outro habeas corpus, o mesmo colegiado determinou que dois comissários de bordo de uma empresa aérea, acusados de racismo, prestassem depoimento à Justiça brasileira no processo a que respondiam (HC 63.350). A Quinta Turma negou pedido para que eles fossem interrogados nos Estados Unidos, onde residem.

Segundo o relator do processo, ministro Felix Fischer, a Turma manteve a ação penal por entender que a intenção dos comissários foi humilhar o passageiro exclusivamente pelo fato de ele ser brasileiro. A ideia do ofensor foi ressaltar a superioridade do povo americano e a condição inferior do provo brasileiro.

O STJ também já firmou jurisprudência quanto à legalidade e constitucionalidade das políticas de cotas. Em uma delas, em que o relator foi o ministro Humberto Martins, a Segunda Turma manteve a vaga, na universidade, de uma aluna negra que fez parte do ensino médio em escola privada devido a bolsa de estudos integral (REsp 1.254.118).

O colegiado considerou que a exclusão da aluna acarretaria um prejuízo de tal monta que não seria lícito ignorar, em face da criação de uma mácula ao direito à educação, direito esse marcado como central ao princípio da dignidade da pessoa humana. A aluna somente teve acesso à instituição particular porque possuía bolsa de estudos integral, o que denota uma situação especial que atrai a participação do estado como garantidor desse direito social, assinalou o relator.

Índios

Dezenas de etnias já circularam pelas páginas de processos analisados pelo STJ. Uma das principais questões enfrentadas pelo Tribunal diz respeito à competência para processamento de ações que tenham uma pessoa indígena como autor ou vítima. A Súmula 140 da Corte afirma que compete à Justiça estadual atuar nesses casos. No entanto, quando a controvérsia envolve interesse indígena, há decisões no sentido de fixar a competência na Justiça Federal. Esse entendimento segue o disposto na Constituição Federal (artigos 109, IX, e 231).

Em processos sobre demarcação, o STJ já decidiu que o mandado de segurança é um tipo de ação que não se presta a debater a matéria. Quando a escolha é esse caminho processual, o direito líquido e certo deve estar demonstrado de plano (MS 8.873), o que não ocorre nesses casos. O Tribunal também reconheceu a obrigatoriedade de ouvir o Ministério Público em processos de demarcação em que se discute concessão de liminar (REsp 840.150).

A possibilidade de pagamento de dano moral a uma comunidade indígena foi alvo de controvérsia no STJ. Em abril de 2008, o estado do Rio Grande do Sul tentou, sem sucesso, a admissão de um recurso em que contestava o pagamento de indenização (Ag 1022693). O poder público teria promovido um assentamento irregular em terras indígenas, e a Justiça gaúcha entendeu que houve prejuízo moral em razão do período de conflito entre colonos e comunidade indígena. A Primeira Turma considerou que reavaliar o caso implicaria reexame de provas e fatos, o que não é possível em recurso especial.

Outra questão julgada pelo Tribunal foi com relação à legitimidade do cacique para reivindicar judicialmente direito coletivo da tribo (MS 13248). Segundo o STJ, apesar de ser o líder da comunidade indígena, isso não lhe garante a legitimidade. O relator do caso, ministro Castro Meira, observou que a intenção do mandado de segurança impetrado pelo cacique era defender o direito coletivo, o que é restrito, de acordo com a Constituição Federal, a partido político com representação no Congresso Nacional e a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída há pelo menos um ano. No caso, o meio adequado seria a ação popular.

Portadores de HIV

Levando em consideração os direitos de quem já desenvolveu a doença ou é portador do vírus HIV, decisões do STJ têm contribuído para firmar jurisprudência sólida sobre o tema, inclusive contribuindo para mudanças legislativas. Em abril deste ano, a Primeira Turma do STJ manteve decisão que determinou que é cabível a isenção de tarifa de transporte público para portador do vírus HIV e que nisso se enquadram os serviços de transporte prestados pelo estado (AREsp 104.069).

Os ministros da Quarta Turma, no julgamento do REsp 605.671, mantiveram decisão que condenou o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ao pagamento de indenização a paciente infectada com o vírus da AIDS quando fazia a transfusão devido a outra doença.

Para o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, hoje aposentado, nem o hospital nem o serviço de transfusão tinham controle da origem do sangue, o que indicava a negligência e desleixo. O ministro destacou, ainda, que houve negativa do hospital em fornecer os prontuários e demais documentos, indicando mais uma vez comportamento negligente.

Em outro julgamento de grande repercussão na Corte, a Terceira Turma obrigou ex-marido a pagar indenização por danos morais e materiais à ex-esposa por ter escondido o fato de ele ser portador do vírus HIV.

No caso, a ex-esposa abriu mão da pensão alimentícia no processo de separação judicial e, em seguida, ingressou com ação de indenização alegando desconhecer que o ex-marido era soropositivo. O relator do processo, o saudoso ministro Humberto Gomes de Barros, destacou que o pedido de alimentos não se confunde com pedido indenizatório e que a renúncia a alimentos em ação de separação judicial não gera coisa julgada para ação indenizatória decorrente dos mesmos fatos que, eventualmente, deram causa à dissolução do casamento.

Caso a vítima de dano moral já tenha morrido, o direito à indenização pode ser exercido pelos seus sucessores. A Primeira Turma reconheceu a legitimidade dos pais de um doente para propor ação contra o Estado do Paraná em consequência da divulgação, por servidores públicos, do fato de seu filho ser portador do vírus HIV.

Segundo o relator do processo, ministro aposentado José Delgado, se o sofrimento é algo pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores.

Quando a assunto é saúde, o STJ já entendeu que não é válida cláusula contratual que excluiu o tratamento da AIDS dos planos de saúde. A Quarta Turma já reconheceu o direito de um beneficiário a ter todos os gastos com o tratamento da doença pagos pela Amil (REsp 650.400).

A Terceira Turma também se posicionou sobre o assunto, declarando nula, por considerá-la abusiva, a cláusula de contrato de seguro-saúde que excluiu o tratamento da AIDS. O colegiado reconheceu o direito de uma aposentada a ser ressarcida pela seguradora das despesas que foi obrigada a adiantar em razão de internação causada por doenças oportunistas (REsp 244.847).

Necessidades especiais

O STJ vem contribuindo de forma sistemática para a promoção do respeito às diferenças e garantia dos direitos de 46 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência (Censo 2011). Nesse sentido, uma das decisões mais importantes da Casa, que devido à sua abrangência se tornou a Súmula 377, é a que reconhece a visão monocular como deficiência, permitindo a quem enxerga apenas com um dos olhos concorrer às vagas destinadas aos deficientes nos concursos públicos.

Algumas decisões importantes do STJ também garantem isenção de tarifas e impostos para os deficientes físicos. Em 2007, a Primeira Turma reconheceu a legalidade de duas leis municipais da cidade de Mogi Guaçu (SP). Nelas, idosos, pensionistas, aposentados e deficientes são isentos de pagar passagens de ônibus, assim como os deficientes podem embarcar e desembarcar fora dos pontos de parada convencionais.

O relator do processo, ministro Francisco Falcão, destacou que, no caso, não se vislumbra nenhum aumento da despesa pública, mas tão somente o atendimento à virtude da solidariedade humana.

O STJ também permitiu a uma portadora de esclerose muscular progressiva isenção de IPI na compra de um automóvel para que terceiros pudessem conduzi-a até a faculdade. De acordo com a Lei nº 8.989/1995, o benefício da isenção fiscal na compra de veículos não poderia ser estendido a terceiros. Entretanto, com o entendimento do STJ, o artigo 1º dessa lei não pode ser mais aplicado, especialmente depois da edição da Lei nº 10.754/2003.

Um portador de deficiência física - em virtude de acidente de trabalho - obteve nesta Corte Superior o direito de acumular o auxílio-suplementar com os proventos de aposentadoria por invalidez, concedida na vigência da Lei nº 8.213/1991. O INSS pretendia modificar o entendimento relativo à acumulação, porém o ministro Gilson Dipp, relator do processo na Quinta Turma, afirmou que a autarquia não tinha razão nesse caso.

O ministro Dipp esclareceu que, após a publicação da referida lei, o requisito incapacitante que proporcionaria a concessão de auxílio suplementar foi absorvido pelo auxílio-acidente, conforme prescreve o artigo 86. Neste contexto, sobrevindo a aposentadoria já na vigência desta lei, e antes da Lei nº 9.528/1997, que passou a proibir a acumulação, o segurado pode acumular o auxílio suplementar com a aposentadoria por invalidez.

Uma decisão de 1999, já preconizava a posição do STJ em defesa da cidadania plena dos portadores de deficiência. Quando a maior parte dos edifícios públicos e privados nem sequer pensavam na possibilidade de adaptar suas instalações para receber deficientes físicos, a Primeira Turma do Tribunal determinou que a Assembleia Legislativa de São Paulo modificasse sua estrutura arquitetônica para a que deputada estadual Célia Camargo, cadeirante, pudesse ter acesso à tribuna parlamentar.

Não é suficiente que a deputada discurse do local onde se encontra, quando ela tem os mesmos direitos dos outros parlamentares. Deve-se abandonar a ideia de desenhar e projetar obras para homens perfeitos. A nossa sociedade é plural, afirmou o ministro José Delgado, hoje aposentado, em seu voto. Nesse julgamento histórico, a Primeira Turma firmou o entendimento de que o deficiente deve ter acesso a todos os edifícios e logradouros públicos.