quinta-feira, 31 de maio de 2012

Filipe Catto e Cida Moreira

SEREJO: De feriados antigos

 Data: 23 maio 2012 - Hora: 20:18 - Por: Vicente Serejo

Tudo se transforma, até nossos amores por santos e figuras históricas, Senhor Redator. Quando o Estado não era laico e os reis uma invenção de Deus, a Igreja era a grande aliada nas prédicas e práticas do exercício do poder. Com o tempo, os poderosos foram deixando as sacristias, onde viviam à sombra da mitra e sob a proteção do báculo, e tomaram as ruas na busca da consagração popular. A partir daí, foram outros os heróis e outros os seus túmulos, como se o povo fosse agora o novo deus dos líderes.

 A gente sabe que apesar do aviso de Friedrich Nietzsche – Deus está morto! – não foi uma morte física que o gênio alemão anunciou. Nem a de Jesus Cristo, mesmo depois de padecer e morrer na cruz. Estavam mortos os fundamentos que sustentavam não a Deus, mas a sua crença. Ora, se nós o matamos, o Deus que tanto tempo utilizamos como justificativa para todas as coisas do mundo, não seria dele que esperaríamos o milagre da vida, mas do livre arbítrio humano como força geradora de novos destinos.

Lembrei da morte nietzschiana de Deus, Senhor Redator, lendo um pequeno livrinho que há anos e anos anda por aqui, com o título ingênuo e popular de ‘Novo Almanaque de Lembranças’, o que revela a existência de alguma edição mais antiga. É menor que um livro de bolso, pois cabe numa mão. E na sua nobre singeleza andrajosa, está encadernado em capa dura, papel marmorado, dorso e cantos em percalina carmim, e douração na lombada que vai ficando esmaecida pelo tempo velho de manuseio.

Tem quase quatrocentas páginas, se contados os índices, foi impresso em 1929 para o ano de 1930, e ‘adornado de gravuras, enriquecido com muitas matérias de utilidade pública, e com o retrato e a biografia do falecido escritor Jackson de Figueiredo’. Vale dizer, se ainda é de envaidecer, que Jackson é autor de um ensaio sobre Auta de Souza, impresso na Typographia Annuario do Brasil, Rio, Centro D. Vital, julho de 1924, cinco anos antes de sua morte trágica ao afogar-se no mar diante do próprio filho.

 Isso tudo é só pra dizer que pelo menos até aquele ano, segundo consta às páginas 133 a 135, os feriados históricos desta aldeia eram poucos e justos: 9 de março, instalação do governo republicano de André de Albuquerque Maranhão em 1817; 7 de abril, promulgação da Constituição; e 12 de junho, a morte do Padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Frei Miguelinho, que em 1817 teve suas idéias libertárias arcabuzadas em Recife, ele que para viver bastaria negar a assinatura onde faltava um ‘o’.

 Hoje, Senhor Redator, nenhuma dessas datas é reverenciada pelo povo desta velha aldeia. Ora, quanto mais guardá-las. Os nossos legisladores, descomprometidos que são com a nossa história, nos empanturraram de outros feriados mais modernos, dia disto e dia daquilo, e ficamos assim, sem noção do tempo de quatro séculos que vivemos. E não há jeito. É aceitar nosso destino vil e vulgar, e entregar a Deus o futuro que nos aguarda. Tem ai mais um século e já estamos vivendo de delações premiadas.

Nascentes ameaçadas de extinção

Por Márcio Santilli

Um dos aspectos frustrantes da medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, de forma casada com vetos pontuais ao Código Florestal aprovado pelo Congresso, é a redução das exigências legais para a recuperação de nascentes. Os legisladores do Planalto introduziram deliberadamente no texto da medida a expressão “perenes”, com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água.

Diante da reação de espanto com a introdução, por moto próprio do Planalto, de mais um retrocesso na legislação florestal, circulam rumores em Brasília de que a ANA (Agência Nacional de Águas) será convocada a publicar uma nota técnica sustentando que “intermitente” também é “perene”, de modo a evitar uma reedição da medida provisória pela presidente.

Além disso, a medida provisória também consolida a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Enquanto a lei revogada na segunda-feira indicava um raio de 50 metros ao redor de qualquer nascente, a nova lei mantém esta metragem apenas para as nascentes já protegidas, não desmatadas. Para fins de recuperação, a exigência máxima passa a ser de 15 metros, chegando a apenas 5 metros para as propriedades de menor extensão.

Observa-se aqui a mesma lógica perversa aplicada a vários outros dispositivos do texto legal: quem cumpriu a lei revogada será punido com a manutenção do mesmo nível de exigência e com um conceito de nascente amplo; os que descumpriram a lei – desmatando, aterrando e reduzindo a disponibilidade de água – serão premiados com uma anistia que começa com a introdução do adjetivo “perene” ao conceito e por uma anistia florestal, para fins de recuperação, que variará de 70% a 90%, supondo-se a manutenção de mais essa excrescência na legislação.

Ninguém, em sã consciência, acredita que os órgãos ambientais locais se darão ao trabalho de aferir tecnicamente quais são as nascentes intermitentes e as perenes na sua área de jurisdição. Ou que sairão demarcando círculos de vários tamanhos, de acordo com as extensões das propriedades privadas constantes das matrículas de cada cartório. A própria lei, ao introduzir diferenciações que multiplicam por mil as dificuldades de monitoramento e controle ambiental, induz ao nivelamento por baixo.

É este o sentido da palavra “consolidação”, tão presente na retórica ruralista durante todo o processo de revisão do Código Florestal. Ele significa, na verdade: “fica legalizado o que foi destruído”. Já a responsabilidade de preservar alguma coisa do ativo florestal existente em áreas privadas fica para os “otários” que cumpriram a lei e, agora, verão suas propriedades desvalorizadas em relação às de quaisquer vizinhos predadores.

Esgoto passa na porta da casa de 18,6 milhões de brasileiros

CARLOS MENDES, ESPECIAL PARA O Estado de S.Paulo

Pelo menos 18,6 milhões de brasileiros - quase a população de Minas - vivem em áreas urbanas com esgoto a céu aberto nas portas de suas casas, mostra pesquisa do Censo 2010. As pessoas expostas ao esgoto equivalem a 12% da população pesquisada.

Do total de domicílios analisados, 11% ficam próximos a valas ou córregos que recebem esgoto. São 5,1 milhões de casas onde vivem principalmente pobres, crianças e negros ou pardos.

De todas as capitais, o cenário em Teresina é alarmante. Sete em cada dez domicílios, ou 71,8%, tinham esgoto a céu aberto. Entre as cidades com mais de 1 milhão de habitantes, Belém tem o maior índice: 44,5% dos domicílios. A média nacional elevada é causada pelos altos índices das regiões Norte (32,9%) e Nordeste (26,3%), que contrastam com o Centro-Oeste (2,9%).

O esgoto atinge com mais intensidade os domicílios com crianças de zero a 9 anos - 15% vivem em casas com valões de esgoto. "A cidade não vai ser saudável se as comunidades carentes não forem", diz o sanitarista Alexandre Pessoa Dias, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Dois dos cinco filhos do pedreiro Ivanildo Santos, de 43 anos, estão doentes. Ontem, foram medicados em um posto de saúde do bairro Terra Firme, em Belém. Com febre e diarreia, a doença das crianças diagnosticada pelo médico é problema comum na vizinhança. "A gente está cansado de pedir a atenção do governo, mas ninguém quer saber do nosso sofrimento", diz Santos. O bairro, na bacia do igarapé do Tucunduba, tem acúmulo de lixo e 95% das casas não têm esgoto. / L.N.L. e

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Fogueira: Angela Rorô e Zezé Motta

SEREJO: Das coisas do mar

Data: 19 maio 2012 - Hora: 18:04 - Por: Vicente Serejo


É dessa gente caiçara, Senhor Redator, esse destino cósmico de acreditar no sol e na lua, no dia e na noite, na escuridão e nas estrelas. Faço parte desse povo nascido na beira da praia e por isso aprendi a não duvidar de sua força. Basta vê-lo vindo buscar o que é seu, lambendo a areia, devorando muros ditos de arrimo, muralhas, alambrados, construções. Fui menino ouvindo a lição dos pescadores quando as ondas avançavam e bramiam como no velho mar dos sonetos parnasianos: o que é o mar, o mar leva.

Desde o início dos anos setenta, mais de quarenta anos, que ando nesta beira de mar da Redinha. Se não ando mais até as sombras dos coqueiros de Santa Rita para de lá avistar as alvas dunas de Genipabu, como antes, paciência. A juventude dobrou a esquina para nunca mais voltar. Agora é remar com vagar. Passo lento, olhos flutuando, a cabeça vagando nas lembranças. Pressa? Pra quê? Vou indo assim, meio devagar, sem o arroubo das certezas, mas encantado com a dúvida como um sinal de vida.

A ciência do homem, Senhor Redator, é mais misteriosa do que os mistérios do mar. Imagine que um dia chegaram aqui umas máquinas gigantes e começaram a jogar pedras no fundo do rio. Monstruosas e feias, aquelas geringonças da tecnologia nem se davam conta que estavam mexendo com a paciência da natureza e invadindo suas entranhas. E fizeram isso que chamam linha de corrente, e que nas minhas águas antigas se chamava quebra-mar, quando não se sabia das hidrogeologias do mundo.

É um estirão de rochas estreitando o rio na direção da boca da barra e, segundo os sábios pagos a peso de ouro pelas burras federais, só assim o velho Potengi não mais ficará assoreado, invadido pelas areias que tornam raso seu leito no canal, caminho nas águas para a passagem dos navios. Assim foi feito. Quem teria forças de impedir? Os pescadores que ainda resistem naquele canto, último porto na Redinha, viam tudo com um riso maroto nos olhos, desconfiados de milagres que não nascem de Deus.

Bastou mais um tempo e a cobra gigante ficou pronta. Estava lá como até hoje, inerte, estirada entre o rio e o mar, como se fosse muito simples separar as águas ou fazê-las recuar. Às vezes penso que essa ciência especializada em fazer monstros de pedras não sabe o que é o mar. Muito menos, de tão simples, uma maré de lua. Por isso calculam, projetam, reproduzem tudo em laboratório e chegam a uma conclusão simples: é fácil dominar as águas, as correntes marítimas e os ventos. E começam a construir.

Aqui também foi assim. Um dia deram por feita a cobra gigante. Na inauguração, então, foram esmerados: trouxeram uma bela rocha de granito, como as que jogaram no mundo do mar, e puseram uma garra de ferro daqueles seus monstros e a espetaram no cume. Estava pronto o monumento. E se foram. No dia seguinte, silenciosamente, o mar voltou para buscar o que era seu. E vem avançando a cada maré de lua. Vem furioso, depois recua lentamente, e assim vai indo. Numa força de nunca acabar.

O Relógio

21/5/2012 17:27,  Por Arlindenor Pedro - do Rio de Janeiro


Sentado da sua mesa podia olhar o Relógio,que imponente dominava aquele trecho da cidade. Tec, tec, tec, o barulho das máquinas de escrever ia se perdendo, transportando-o, fazendo com que a realidade ficasse mais longínqua; fazendo-o viajar para fora da seção. Não sabia explicar, mas desde pequeno, quando fitava aquele Relógio, como naquele momento, sua alma se enchia de emoção. As vezes, quando sua avó levava-o até a cidade, surpreendia-se em estado de tensão, aguardando que o trem chegasse à primeira curva, de onde podia avistar uma de suas faces. E, quando ao longe ele ia surgindo, enorme, branco, com rapidez acertava o seu relógio de pulso, brinquedo dado pelo tio Reinaldo, que sempre o acompanhava nos dias de ir até a cidade – dias de festa. Jamais se esqueceu daquele dia, quando sua mãe levou-o à casa de uma amiga em Copacabana e ele pode vê-lo, pela primeira vez à noite. Foi demais! Estava todo aceso: seus enormes ponteiros e números destacando-se na escuridão do céu. Enormes, marcando as horas: quinze para às oito, ainda se lembra.

Agora, olhando para o Relógio, depois de tanto tempo, sorria ao relembrar a idéia que dele faziam. Via, agora que não era tão grande assim, nem mesmo tão bonito. Talvez os olhos de uma criança vejam as coisas diferentes…mais bonitas, maiores! Ao longo dos tempos passara a ouvir muitas histórias sobre ele. Passou, como muita gente, a associá-lo à vida da cidade, aos constantes atrasos dos trens. Convenceu-se que eram verdades as coisas engraçadas que contavam, colocando-o como único responsável nos atrasos dos empregados, das músicas que faziam a esse respeito. Mas, mesmo assim, admirava-o. Tinha por ele um grande carinho. Via-o como um amigo, que dali, mudo e impassível, acompanhava a sua vida, pois, tinha sido o espectador sempre presente em momento importantes da vida nacional. Podia imaginá-lo a assistir, lá do alto, aos desfiles, as bandeiras vermelhas, a luta pelo petróleo, a queda de Vargas, o suicídio, o governo Dutra, as repressões aos trabalhadores, aos assassinatos. Ele assistira derramar-se à sua volta as greves, as manifestações na Central do Brasil, o quebra-quebra do bondes. O governo do Juscelino, a mudança de capital. E agora, olhando para ele, daquela janela de repartição pública, voltou a lembrança daquele dia que, ainda pequeno, levado por mãos de quem não se lembra, participou da homenagem que fizeram ao presidente americano que chegara ao Rio. Ficou marcado que os gritos de “I like lke “não foram escutados nas imediações da Central, reduto de operários.

Por uma dessas obras do destino, quando chegou a época de cursar a escola secundária, época em que alargou seus horizontes para além do bairro suburbano em que vivia, foi num colégio do estado- o Orsina da Fonseca, exatamente ao lado da Central, que passou a estudar. E lá, bem no alto, defronte a sua janela, estava o seu amigo. Passava horas e horas, largado olhando para ele, sem prestar atenção nas intermináveis palestras em francês de Dona Tora, elegantíssima professora de francês que todo dia chegava ao colégio num reluzente Mercedes da embaixada, prerrogativa de quem era mulher de embaixador. Quando o professor Bayard fazia aquelas suas críticas ao governo, atacando o Lacerda, todos na sala olhavam rindo para ele, entendendo o que queria dizer quando o associava aos atrasos no pagamento do magistério estadual. Uma vez, recorda-se, quando na aula de fantoches do mestre Belan, pediram-lhe que escrevesse uma historieta para ser apresentada no auditório de colégio, foi sobre o seu amigo que escreveu. E a Maria Adélia, a portuguesinha de coxas grossas que morava na rua do Jogo- da- Bola? Era no Campo de Santana aonde iam namorar, as mãos dadas, o sexo explodindo por entre as calças, matando aula, o olho controlando as horas para pegar o bonde Uruguai-Engenho Novo, com os amigos do Pedro II! Ufa…que aventura!

Num dia de agosto, qual não foi sua surpresa, quando chegou ao colégio e viu que ele estava tomado por tanques enormes, contingentes de soldados armados, caras com graxa, em trincheiras, canhões antiaéreos. Não houve aula. Todos foram mandados de volta para casa porque o presidente tinha renunciado e ninguém sabia o que iria acontecer. Depois disso, sempre que chegava cedo, dava um pulo ao centro da praça que separava o colégio da Central, para ver de perto a troca de guarda do Panteon, onde os soldados levavam bandas e flores para o Duque de Caxias.Momentos de excitação para uma criança!

Foi com tristeza que um dia teve que abandonar o colégio, pois fora transferido para outro na Tijuca, longe da Central e da cidade. Mas, sua vida ainda continuaria ligada ao Relógio

À seus pés, levado pelo jornalista Muniz Bandeira, assistiu ao grande comício da Central, onde se diluiu na multidão de operários, camponeses e estudantes que, aos milhares, fluíam ao redor de um grande palanque para ouvirem as palavras de homens como Arraes, Brizola e outros. Já rapaz, qual sonâmbulo, andava de um lugar para o outro, bebendo as palavras, os comentários e os gritos extasiados com o número enorme de pessoas, pois, nunca tinha assistido a alguma coisa como aquela. Olhou para cima. Soberbo, lá estava o seu amigo, e preso ao edifício da Estrada de Ferro, um enorme painel do presidente Jango que, dias depois, seria derrubado e partiria para o exílio.

Numa tarde chuvosa, no dia 1º de abril, horrorizado em frente ao Campo de Santana, assistiu às metralhadoras atirarem nos estudantes do Caco, deixando corpos na calçada, abrindo caminho para que as tropas do general Mourão pudessem ocupar a Praça da República.

Quantas coisas esse Relógio não testemunhou. O silêncio geral. As paradas comportadas do 7 de setembro, as pessoas indo para o trabalho, o carnaval!

Num dia, em 1968, assistiu, junto com ele, a um inflamado discurso do Wladimir, que em frente ao STM, levado por milhares de pessoas, exigia a libertação dos presos políticos. E, anos mais tarde, achava graça daquilo tudo, olhando para o seu amigo não mais das ruas, mas de uma janela de sua cela no DOPS, na Rua da Relação, onde podia avistá-lo ao longe, nas intermináveis noites de sua incomunicabilidade.

Quis o destino que trabalhasse numa janela que desse frente para ele, e nas enfadonhas tardes de burocrata se pergunta: quantas coisas aconteceram, quantas coisas acontecerão ainda e que ele registrará?

Por sobre a cabeça de seu amigo, na torre, a bandeira nacional tremula à meio-pau, na última homenagem a Juscelino que se foi. É a história! É a história .

Arlindenor Pedro é professor de história e Especialista em Projetos Educacionais. Anistiado por sua oposição ao Regime Militar dedica-se na atualidade  à produção de flores tropicais na região das Agulhas Negras.

E-mail para contatos e agendamento de palestras :

arlindenor@newageconsultores.com.br

Blog: arlindenor.wordpress.com

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Viajante - Ney Matogrosso

SEREJO - Defeito de infância

Data: 17 maio 2012 - Hora: 18:01 - Por: Vicente Serejo

A culpa, Senhor Redator, pra dizer a verdade, não foi do meu pai nem da minha mãe. A vida é que quis assim. Não era fácil, naqueles anos medonhos, deixar um emprego público de contador da Capitania dos Portos e vir tentar a vida na capital. Com mulher e, na época, quatro filhos. Só quando um amigo que morava no Rio de Janeiro, um conterrâneo macauense, conseguiu a sua transferência para aquele velho Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, uma notícia muito esperada durante muito tempo.

 Ainda lembro: viemos na frente, meses antes, no misto de Chico de Gustavo, hoje Empresa Cabral. Tinha nove anos, mas ainda tenho nos olhos o adeus triste do meu pai. E chegamos sem lenço e sem documento, apostando na vida. Minha mãe, de olhar muito aguçado, dizia que se ficássemos lá a vida estancaria. Era preciso desafiar, ousar, ainda que a ousadia fosse apenas ter os filhos matriculados nos colégios de Natal. Eram quase todos públicos, mas eram bons. Como o Atheneu, antes do abandono.

 A fortuna e o infortúnio nasceram ai. Não foi impossível ficar no Ginásio São Luiz. Fui para o Ginásio Noturno Monsenhor Matta que funcionava no Grupo Alberto Torres, na hoje Praça das Flores. De lá para o Atheneu onde fiz o clássico fugindo da matemática, física e química do científico. Ainda tentei o primeiro ano, mas vi que se fosse bacharel em Direito seria um fracasso. Para evitar o naufrágio, e consciente de que era mais ou menos em tudo, fui ser jornalista, esse especialista em coisa nenhuma. 

 Ora, Senhor Redator, vindo do Atheneu noturno e numa terra onde as amizades explicam tudo – os fortes salvam os fracos indicando-os como amigos de juventude. Não tê-los na hora certa, pois, faz falta até hoje. É o defeito grave que explica esse não ter sido. Esse não ser nada. Esse nunca ser indicado pra coisa nenhuma. Nem por isso, culparia a minha mãe que nos reunia em torno de uma mesa humilde, na beira de uma rua simples chamada Pinto Martins, e com palavras acendia em nós a chama da esperança.

Escrevinhador vulgar a quem o destino negou a glória de escritor, hoje coleciono o brilho dos que tiveram amigos importantes na infância. Sem frustrações. Nem precisaram de competência. Pra quê? Só a pose nas colunas sociais. A caneta regurgitando no papel sempre paciente do poder público, as arrazoadas assinaturas timbradas pelos cargos. Daqui, como um mestre gajeiro, bem do alto desta gávea e diante do meu mar antigo, vejo quando seus navios chegam e partem em circunavegações de gloriosas espumas.

Ora, a quem culpar se deixei na infância, herança de mim mesmo, uns poucos craques de futebol que driblavam os adversários e faziam gol, mas perderam o jogo da vida? E aquele menino, meu vizinho, íntimo dos mistérios da ciência, como não é um senador? E aquele outro que um dia deixou a rua para ser oficial, mas nunca mais voltou Almirante da Marinha do Brasil como sonhava? Ah, agora lembro: e o seminarista que aos domingos, de batina, vinha almoçar com a família, o que fez dele a bondade de Deus?

Brasil apresenta compromissos com direitos humanos na ONU

Por Redação, com Portal Vermelho – de Brasília

Brasil apresenta resultados de recomendações sobre direitos humanos da ONU, o relatório apresenta medidas realizadas entre 2008 e 2011

Na próxima sexta-feira, o Brasil apresenta os resultados do esforço de cumprir as 15 recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) e dois compromissos voluntários que garantem a proteção dos direitos humanos. Todos os 193 países-membros das Nações Unidas são submetidos ao mecanismo a cada quatro anos e meio, o que representa uma inovação do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos.

O Estado brasileiro aderiu a quase totalidade das convenções internacionais sobre o tema e está aberto ao monitoramento internacional. O País atendeu ao compromisso assumido perante as Nações Unidas e praticamente alcançou as metas previstas pelos objetivos de desenvolvimento do milênio antes de 2015, integrando ao seu cumprimento a perspectiva dos direitos humanos.

O relatório apresenta um balanço das medidas tomadas entre abril de 2008 e dezembro de 2011. Além de avaliar o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo País, o estudo descreve as políticas públicas que promovem o respeito à universalidade e indivisibilidade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais presentes na Constituição Federal.

O documento diz ainda que alcançar o desenvolvimento com respeito aos direitos humanos é uma prioridade brasileira e inclui o combate à pobreza. A diferença de renda familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres, entre 2001 e 2009, passou de 24,3 para 17,8.

O Índice de Gini – utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda – caiu de 0,59, em 1999, para 0,54, em 2009. De acordo com o documento, a melhor política de direitos humanos tem como base a diminuição das desigualdades e da discriminação entre as pessoas, as regiões, as raças e os gêneros.

A terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), instituído em 1996, é compatível com a recomendação feita na Declaração e no Programa de Ação de Viena de 1993. Fruto de um amplo debate, com expressiva participação da sociedade civil, PNDH-3 envolve 33 ministérios na sua execução. Por se tratar do roteiro para a atuação do Estado, o PNDH-3 estabelece diretrizes que fortalecem a perspectiva dos direitos humanos como um eixo transversal das políticas públicas.

A agricultura orgânica versus o método de cultivo tradicional

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo

A produção orgânica de vegetais ocupa 1% de toda a área plantada no planeta. Os outros 99% são cultivados utilizando os métodos tradicionais. Mas, se você perguntar aos consumidores se eles preferem um tomate orgânico - cultivado sem pesticidas, herbicidas e adubos químicos - ou um tomate produzido de maneira convencional, provavelmente a estatística se inverte: 99% (eu inclusive) preferiria o tomate orgânico. Será que a humanidade não deveria adotar de maneira definitiva a produção orgânica?

Aparentemente, a metodologia orgânica é superior do ponto de vista ambiental, não polui os rios, preserva o solo e é mais saudável. Mas existe um outro lado da questão ambiental que é a produtividade por área cultivada.

Nas últimas décadas a humanidade descobriu que o planeta não é capaz de alimentar um número infinito de seres humanos. À medida que cresce a população mundial, cresce a área utilizada para produzir alimentos, biocombustíveis e celulose. Cada hectare dedicado a satisfazer as necessidades humanas é um hectare a menos coberto de florestas, Cerrado ou outros ecossistemas naturais.

E aí vem o dilema: como alimentar os quase três bilhões de bocas humanas que vão ser acrescentadas à população mundial nos próximos 50 anos? Aumentando a área plantada ou aumentando a quantidade de alimentos produzida nas áreas cultivadas?

É neste contexto que a produtividade dos diversos métodos se torna importante. O tomate orgânico é melhor, mas quanto maior seria a área cultivada se toda produção de tomate fosse orgânica?

Agora, um grupo de cientistas analisou 66 estudos independentes contendo 316 comparações entre a produtividade obtida utilizando métodos convencionais e orgânicos. Para ser incluído na comparação, os estudos deveriam seguir alguns critérios: rigor científico e as áreas consideradas deveriam ter sido certificadas por órgãos internacionais.

Os resultados demonstram que, na média, a produtividade por hectare obtida com métodos orgânicos é entre 20% e 25% menor. Em nenhum caso ela é superior à produtividade obtida com a agricultura convencional. Mas a boa notícia é que em muitos casos a diferença é pequena, chegando a somente 10% no caso da soja e do milho. Em outros casos, como nos vegetais usados em saladas, a produtividade com métodos orgânicos é muito menor, chegando a 30%.

Esses resultados são animadores já que muitos defensores da agricultura tradicional palpitavam que a produtividade obtida utilizando métodos orgânicos seria metade da convencional.

Mas infelizmente isso não resolve a questão. Mesmo que a humanidade decida adotar o cultivo orgânico - e consequentemente aumentar a área cultivada, mas se libertando da ameaça dos produtos químicos -, outros aspectos do problema precisam ser analisados. Os autores do estudo listam alguns deles. Um é o custo dos alimentos produzidos pelas duas formas de cultivo e seu impacto no problema da fome no planeta e nos níveis de emprego na agricultura. Outro é a sustentabilidade ambiental de cada forma de cultivo no longo prazo e em grande escala (se você cultiva alface sem adubo químico, mas usa esterco como adubo, sua produção de alface depende do rebanho bovino).

O que fica claro é que a comparação entre métodos produtivos não é simples, pois não depende de uma única variável. Vai ser necessário desenvolver metodologias capazes de comparar variáveis complexas e um modelo em escala global. O que é melhor para a humanidade, um tomate orgânico mais caro, que ocupa uma área agrícola maior, mas que não utiliza agroquímicos e emprega três pessoas, ou um tomate convencional, mais barato, produzido em uma área menor, mas que utiliza insumos químicos e emprega uma pessoa?

Dada a complexidade das comparações necessárias é pouco provável que no curto prazo sejam obtidos dados suficientes para fazer uma comparação rigorosa. Mas será que a Terra aguenta esperar?

domingo, 27 de maio de 2012

Mulheres de Atenas

Projeto de lei pode liberar garimpo em Terras Indígenas

O PL nº 1610/96 foi o tema do debate convocado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira, no último dia 10, tendo como convidados deputados integrantes da Comissão Especial de Mineração em TIs da Câmara Federal que analisa a matéria. A organização indígena reivindica em documento que as populações afetadas sejam consultadas e que seus direitos sejam garantidos

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei nº 1.610/96, que regulamenta a mineração em TIs (Terras Indígenas), deu novos sinais de que deverá se posicionar a favor da liberação do garimpo nessas áreas.

Durante seminário realizado em São Gabriel da Cachoeira, noroeste amazônico, em 10/5, o relator da proposta, deputado Édio Lopes (PMDB-RR), defendeu a possibilidade de exploração econômica do solo de TIs por terceiros, além das comunidades indígenas, apesar de a Constituição garantir a elas o usufruto exclusivo. O deputado afirmou que, se constituírem empresas, garimpeiros poderiam explorar as riquezas minerais do solo de TIs.

Realizado a convite da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), o evento pretendia mostrar como está sendo feita a análise do PL e colher subsídios para a elaboração do relatório sobre a matéria, que deve ser concluído ainda este ano.

A grande maioria dos que falaram pela Comissão era de representantes do setor minerário favoráveis à abertura das TIs à exploração de minério. Estiveram presentes integrantes do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa e Mineração), Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) e da Aprogram (Associação de Profissionais Geólogos do Amazonas). Deputados estaduais e integrantes de cooperativas de garimpeiros também defenderam a mineração nas TIs. O Procurador da República no Amazonas, Eloi Francisco Zatti Faccioni, foi o único convidado a falar em defesa dos direitos das comunidades indígenas. Antes do seminário, a Aprogram espalhou faixas pela cidade com os dizeres “Yanomami apoiam mineração em TIs”, sem autorização das organizações indígenas.

Na abertura do evento, o presidente da Foirn, Abrahão Oliveira França, lembrou que a intenção do convite feito à comissão era discutir uma lei que garantisse os direitos dos povos indígenas. Apesar disso, na véspera, o assessor da Comissão, Frederico Cruz, que também funcionário do DNPM, disse em uma rádio local que o debate serviria como espaço para quem quisesse se manifestar a favor ou contra a mineração em TIs. Por essa razão, muitos participantes limitaram-se a criticar falhas da implementação de políticas públicas na região e defenderam a mineração como alternativa de renda.

 Nunca é demais lembrar que quando realizado sem fiscalização e condições adequadas, o garimpo pode provocar impactos socioambientais graves. A atividade tende a ser foco de migração descontrolada, doenças contagiosas, violência e prostituição. Principalmente na Amazônia, ensejou invasões, conflitos e mortes entre populações indígenas. O caso do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é um bom exemplo disso. Os Yanomami convivem até hoje com o garimpo ilegal em seu território, sempre assombrados pelo massacre de Haximu, ocorrido em 1993, quando mais de uma dúzia de garimpeiros, acompanhados de pistoleiros profissionais, em busca de ouro, assassinaram com requintes de crueldade 16 índios Yanomami.

Foirn

Durante o seminário, o diretor da Foirn, Maximiliano Correa Menezes, afirmou que a nova lei deveria estabelecer em que condições poderá haver mineração nas TIs e quais os casos em que ela não deverá ocorrer. Menezes mencionou que o tema é tratado na proposta de Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2.057/91) que foi discutida na CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista) e também tramita na Câmara. Ele ressaltou que o movimento indígena defende que a regulamentação do assunto seja detalhada nessa proposta, e não em um projeto específico.

A Foirn entregou um documento ao relator Édio Lopes e ao presidente da Comissão, Padre Tom (PT/RO), em que apresenta subsídios para a elaboração da nova lei e reitera o pedido para que seja feita uma consulta aos povos indígenas do Rio Negro quando o relatório ficar pronto (Leia aqui o documento na íntegra).

A Foirn reivindicou que não basta conhecer o relatório, mas deve haver tempo hábil para analisá-lo e discuti-lo com as comunidades indígenas. A expectativa é de que a posição das organizações indígenas seja considerada pela Comissão.

Durante o seminário, vários participantes afirmaram desconhecer o conteúdo do relatório. Lopes e Padre Tom comprometeram-se a retornar a São Gabriel para apresentá-lo quando ele estiver pronto.

Padre Tom afirmou que o governo federal não pretende votar o PL nº 2.057 porque não teria condições de aprovar, com sua base parlamentar, um texto favorável aos povos indígenas. Segundo o deputado, no entanto, a perspectiva é que o projeto sobre a mineração em TIs seja votado ainda neste ano.

Usufruto

Segundo a Constituição, o usufruto das riquezas do solo das TIs é exclusivo dos índios e a atividade garimpeira por terceiros é proibida nessas áreas. A exploração do subsolo pode ser feita por concessão da União.Lopes argumenta que a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a demarcação da TI Raposa-Serra do Sol (RR) permitiria a exploração do solo das TIs por terceiros, incluindo garimpeiros se constituídos em empresas.

No texto das condicionantes incluídas na decisão em relação à´Raposa-Serra do Sol, o falecido ministro Menezes Direito afirma que “o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira”.No julgamento, no entanto, o relator do processo, ministro Ayres Britto, tratou as condicionantes como salvaguardas que apenas serviriam para orientar futuras decisões do STF, uma vez que não foram submetidas a contraditório. Assim, elas não reconheceriam ou criariam direitos para terceiros.

A condicionante também não respaldaria restrições ao usufruto exclusivo dos índios porque estaria relacionada apenas à necessidade de submeter uma atividade que explora recursos da União à autorização de órgão federal competente.

Consulta

Em reunião com a Foirn, Padre Tom afirmou que não caberia ao Congresso Nacional fazer consulta sobre o projeto de lei, conforme determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Para o parlamentar, é o governo quem tem de realizar as oitivas. De acordo com o deputado, o entendimento que prevalece na comissão é o de que uma consulta pelo Parlamento deveria ser feita já para autorizar a exploração de acordo com o que determina o Artigo 231 da CF.

A Constituição, porém, define que isso deve ser feito só depois que uma lei específica regulamentando o tema for aprovada. Por outro lado, a Convenção 169 da OIT é clara ao determinar que as populações indígenas devem ser consultadas tanto sobre medidas administrativas, referentes ao Poder Executivo, quanto medidas legislativas, referentes ao poder legislativo. A consulta prévia foi o tema da primeira oficina que o governo federal realizou em março deste ano com indígenas de todo o País. ( saiba mais).

O procurador Eloi Francisco Zatti Faccioni alertou que o PL deve regulamentar a mineração em TIs como uma atividade excepcional, a ser realizada no interesse nacional.

Para ele, a proposta deve garantir a consulta aos afetados antes do Congresso autorizar a atividade, caso a caso. Também precisa contemplar a recuperação de áreas degradadas, compensação pelo uso do solo, medidas de fiscalização da atividade mineral, controle social por parte das comunidades e representações indígenas

Tragédia Recorrente

Por: Maurício Adu Schwade

Mas uma vez nos surpreendemos com o brutal assassinato de uma adolescente em Presidente Figueiredo. Mas uma vez nos indignamos...

Mas, e quando é que vamos parar para refletir? Não digo pensar no imediato, no calor da dor. Digo refletir profundamente sobre as causas; digo ir além da mera resposta fácil do bode expiatório, do criminoso da vez. Quando?

Que são monstro, não discuto, concordo!!! Mas olhem com atenção as fotos. São jovens!!! São talvez tão vítimas quanto Adriely. Ela que não estará em meio a seus amigos, sorrindo e fazendo sorrir. Mas que tem, quem sabe, o conforto do que está para lá do Terreno.

Eles, coitados, condenados a uma morte viva. Condenados a morte social. Condenados a carregar em cada um dos seus passos na Terra o peso de tão grande crime.

Ela, Eles,tantos outros, todos nós; Ferrugem, Itaituba, ... Todos vítimas! Vitimas fatais; vítimas da angústia; vitimas do medo... Todos vítimas!!

Sim, todos vítimas, mas também culpados!! Uns mais outros menos, mas culpados!! Uns mais conscientes, outros menos, mas todos culpados!!

E para quem ainda não viu sua culpa, digo: estás entre os menos conscientes, mas não posso responder se estás entre os mais culpados!! E acho que não cabe este debate aqui; se o fizermos corremos o risco de mais uma vez buscarmos se esconder atrás de bodes expiatórios.

Cabe, sim, começarmos a ver os problemas.

O problema de pensarmos, quando muito, em políticas para a juventude, e nunca políticas com a juventude. De tratarmos a juventude como incapaz de pensar o futuro, de sonhar o futuro, de viver o futuro. De impedirmos a juventude de criar as políticas públicas, pensar as políticas públicas, viver as políticas públicas. De impedirmos que a juventude pense a cidade e a floresta, viva a cidade e a floresta, construa a cidade e a floresta cultural.

Falo da juventude, mas isso não vale só para a juventude. Vivemos numa sociedade de repreção, onde não se permite uma ampla participação. Numa falsa democracia, onde após um processo viciado de votação prevalece o silencio, a repreção, o jogo sujo, a humilhação do puxasaquismo...

Ôps, ôps, ôps... Não comece a pensar que a culpa é do fulano ou do beltrano político. Não, não, não. É deles também; mas eles também são vítimas. Eles também são prisioneiros deste sistema viciado que só se desconstrói com uma ampla participação da sociedade. Participação e transformação.

Só se desconstrói quando criarmos um ambiente que - para lá dos guetos - discute, critica, ouve, constrói coletivamente apesar das diferenças. Um ambiente onde se pense o futuro um pouco mais para frente; onde o medo de perder o emprego, ou a comodidade de um emprego de ‘carrapato-de-saco’ não impere, não impeça a ação, a denuncia, a crítica e a construção coletiva.

Onde se possa criticar a forma que se organiza a Festa do Cupuaçu sem ouvir que é mera intriga. Onde se possa denunciar que esta forma megalomaníaca leva à violência, à prostituição, à bebedeira. Onde cada um possa ajudar a construir uma política cultural que valorize as pessoas; que valorize o local; que valorize a cultura.

Onde mais que pensar sobre a ação de repreção quando o crime já foi cometido; mais que pensar em correr para chamar a polícia quando o sangue já se misturou a água do Urubuí; mais que achar que fazer justiça é bradar pela morte dos assassinos, que são, como estamos vendo, também vítimas; Pensemos, isso sim, em como criarmos oportunidades de vida. E destaco: Oportunidade de Vida, e não de emprego como muito se pensa que é a solução.

Oportunidade de Vida, de Criação, de Participação, de Envolvimento e de Compromisso com a Sociedade.

Para Duas Mulheres

Por José Aldemir

 Ambas unidas pela fé lutavam pelo que acreditavam. Ambas escolheram a Amazônia como palco de suas ações. Ambas já nos deixaram, uma de ‘morte matada’, assassinada num dos bárbaros crimes que ocorrem nesta Amazônia sem fim, a outra de ‘morte morrida’, de males que só nestes trópicos há.

Ambas levavam a vida adubando a terra e semeando, cuidando da mata e dos bichos, mas cuidaram mesmo foi de gente, especialmente dos injustiçados. Ambas foram radicais e não faziam concessões na defesa do que acreditavam, porém suas radicalidades tinham um quê de ternura, de afeto e de leveza, pois o que lhes impulsionava era o amor à vida em toda a sua plenitude. Uma conhecido movimento pastoral, pois a partir dos anos 1990 não havia uma reunião para se discutir a Amazônia na perspectiva dos mais simples que seu nome não fosse citado. A outra tive o privilégio de conhecer pessoalmente e de aprender muito com seus ensinamentos.

É sobre esta que escrevo o que dela conheci no dia a dia. A casa que construiu não tem portas nem janelas, visto que sempre está aberta a todas as pessoas do mundo, de várias línguas, de diferentes credos, alguns buscando aprender, outros contribuindo e outros tantos apenas experimentando outro modo de viver. Para ela não havia felicidade maior do que acolher e compartilhar.

Tive o privilégio de assistir ao crescimento de seus filhos e à casa inteira se transformar de doces, de mel, de amor em experiências de solidariedade como se aquela casa no interior da Amazônia fosse um cantinho construído para mudar o mundo.

Há pouco mais de um ano Ela nos deixou, quando um mal súbito nos privou de seus ensinamentos, conselhos, receitas naturais e da alegria de acolher. Foram uns poucos dias de sofrimento e ela, que cuidava de todos, não cuidou suficientemente de si e foi cuidar de outros num recanto qualquer do universo.

Lembro-me com exatidão do seu velório, em que acadêmicos, intelectuais, membros de organizações sociais, políticos, sobretudo gente simples, vieram de vários lugares para lhe prestar homenagem. Era um dia de domingo e a mãe terra que ela ajudou a cultivar a recebeu para sempre. A terra estava úmida, resultado das primeiras chuvas de dezembro a contradizer-se com o sol escaldante de uma morna manhã. A floresta dava contorno ao cenário. Ouvia-se um longo silêncio, nada havia para se dizer. Palavra alguma seria capaz de expressar o que foi essa grande mulher que escolheu a Amazônia para viver. Com ela se foi um pouco de cada um que estava ao seu redor e de outros tantos espalhados pelo mundo. Conosco fica vivo seu exemplo de coerência e dedicação às boas causas e a memória de luta e persistência em defesa da Amazônia e de sua gente.

O silêncio foi rompido pelo canto de um pássaro a encorajar as últimas homenagens. Em seguida, até o pássaro cessou seu canto e novamente predominou o silêncio, como para expressar, que nessas ocasiões nada há a dizer, o silêncio comunicou o estado de espírito.

Para duas grandes mulheres, Dorothy Stang e Doroti Schwade simplesmente uma palavra: obrigado, seus exemplos continuarão, pois lutar é preciso.

sábado, 26 de maio de 2012

Elis - saudosa maloca

SEREJO: Agora, só Deus

Data: 14 maio 2012 - Hora: 18:45 - Por: Vicente Serejo

O caso eu conto como me contaram. E quem me contou, há anos e anos, naquela mesa redonda no primeiro andar da velha Livraria Universitária, entre goles de chá mate com limão – coisa de Walter Pereira, o gentil-homem – foi o professor Mário Moacy Porto. Era um humanista em quem a cultura erudita refinava o humor naquelas conversas que nós, bem mais jovens, dividíamos com Alvamar Furtado, Américo de Oliveira Costa, o coronel Manuel Leão Filho e, algumas vezes, Jaime Hipólito.

É a história de um literato peripatético de João Pessoa, lá na Paraíba, versejador infatigável que tinha a confessada e única veleidade de um dia compor um soneto que fosse tão hermético ou mais que os sonetos do grande Augusto dos Anjos, seu ídolo, nascido no engenho Pau d’Arco a poetar os seus primeiros versos à sombra de uma velha tamarineira. Era seu sonho, como um ideal, pois de quimeras vivem todos os poetas. Principalmente aqueles de alma parnasiana como as tardes de Olavo Bilac. 

 Pois bem. Um dia, depois de retocar semanas e semanas os quatorze versos de um soneto feito com palavras de rimas ricas e complicadíssimas, certamente caçadas como passarinho, uma a uma, nos melhores dicionários do ramo, o poeta finalmente deu por acabada sua missão que ergueu como uma verdadeira escultura. Pronta e revista nos últimos detalhes e requintes de obra prima, saiu na direção da redação de um jornal que tinha como redator-chefe da folha literária um velho amigo de juventude.

 Saudado por todos da redação, foi atravessando o pequeno salão até a mesa daquele redator seu companheiro de vida literária. Tirou o soneto do bolso, datilografado com todo esmero, leu em voz alta acentuando as rimas alternadas, e pediu finalmente que o amigo fizesse circular no domingo próximo.  Mas, ao fechar a página poética, o redator, por puro esquecimento, deixou de programar a publicação do soneto e por isso o jornal saiu sem o brilho daqueles versos esmerilhados com lavor de joalheiro.

Segunda-feira, quando viu o poeta chegando, o redator foi logo pedindo desculpas pelo trágico esquecimento que adiara a glória do poeta amigo. Nem acabou a frase. Ele, impávido, retrucou dizendo que não viera reclamar. Pelo contrário. ‘Foi ótimo que não tivesse saído. E explicou: fiz um soneto que só eu e Deus pudéssemos entender sua complexidade metafísica. Ontem, relendo várias vezes, cheguei à conclusão que nem eu entendo certas expressões que usei. E concluiu gravíssimo: Agora, só Deus’.

Essa história toda, Senhor Redator, é para dizer que durante esses anos de lutas políticas, só Deus e o papa Vivaldo Costa compreendiam o estilo do deputado federal João Maia. Tanto que eram sólidos aliados. De repente, abro o jornal e encontro a notícia inesperada: Vivaldo rompeu com João Maia. Li, reli, joguei o jornal de lado, e pensei comigo: agora, sem Vivaldo Costa, e como o soneto do poeta peripatético da Paraíba, só Deus pode entender João Maia e seu Partido Republicano. Só Deus.

Entrar na Espanha hoje "é questão de sorte", diz artista brasileiro barrado no aeroporto de Madri

Juan Arias,  Do "El País" , No Rio de Janeiro

Se tivessem previsto a repercussão que o incidente teria, as autoridades policiais espanholas não teriam detido durante 30 horas no Aeroporto de Barajas, em Madri, e depois deportado para o Brasil, o artista plástico de fama internacional Menelaw Sete.

O artista, que se dirigia a Milão para participar de uma exposição de arte, foi detido no aeroporto de Madri na quinta-feira (17) e deportado no sábado (19). "Viajo há 15 anos para a Europa com a mesma documentação. Tinha uma carta de convite, tudo em ordem. Não consegui falar com o consulado brasileiro. Foi todo um teatro. Ali só estavam detidos negros, mexicanos e brasileiros", relata.

O artista brasileiro quis aproveitar seus dias de detenção para realizar 40 pinturas que ilustrarão o que viveu ali. Ao chegar ao Brasil, manifestou-se ao consulado da Espanha em Salvador, na Bahia. Foi recebido pelo cônsul Jacobo González-Arnao Campos, a quem pediu que reunisse a mídia e fizesse uma retratação pública do ocorrido.

Sete entrou em greve de fome e está pedindo aos cidadãos que assinem uma grande bandeira branca que pretende entregar à presidente Dilma Rousseff, em protesto contra a situação que muitos brasileiros sofrem nos aeroportos espanhóis. "Senti-me obrigado a entrar nessa causa porque os brasileiros estão sendo tratados de forma humilhante na Espanha. Minha indignação não é tanto pessoal, como pela forma como tratam a gente", explicou ao jornal "O Globo". E acrescentou: "Passei 30 horas detido, sem direito nem a tomar banho. A comida é horrível. Você só tem direito a beber água durante as refeições. Fora disso, só água da torneira. Havia homens, mulheres e crianças. Havia até um berço. Estavam todos desesperados."

Os 40 quadros pintados durante sua retenção em Barajas serão apresentados em uma próxima exposição. Para o artista, entrar na Espanha hoje "é apenas questão de sorte", e não de ter ou não a documentação em regra.

Menelaw Sete é o nome artístico do pintor Jorge do Nascimento Ramos. Conhecido internacionalmente como representante da arte de influência cubista e neoimpressionista, o pintor baiano se interessou pela pintura desde pequeno. As repetidas queixas de cidadãos brasileiros que acabam retidos em Barajas e são repatriados para o Brasil, incluindo personalidades como catedráticos de universidade convidados para congressos na Europa, fizeram que o governo de Dilma Rousseff começasse a aplicar em abril passado a lei de reciprocidade em termos de entrada de espanhóis. Por isso também aumentou o número de espanhóis que chegam aos aeroportos brasileiros e são detidos e devolvidos à Espanha por algum problema burocrático.

 Condições recíprocas

 Há mais de quatro anos os turistas brasileiros e seu governo se queixam de que a Espanha tem condições de entrada tão duras na fronteira (as ditadas pelo tratado de Schengen) que muitos brasileiros que vão visitar parentes ou estudar, inclusive com matrículas pagas, são devolvidos ao Brasil de forma arbitrária. O país sul-americano decidiu finalmente, há menos de dois meses, aplicar as regras de reciprocidade e exigir dos espanhóis exatamente os mesmos requisitos que a Espanha pede aos brasileiros para entrar.

Desde 1º de abril os espanhóis que querem viajar ao Brasil como turistas têm de mostrar a passagem de volta e garantir meios econômicos suficientes para sua estada e uma reserva de hotel ou, na falta desta, uma carta de convite assinada diante de um notário brasileiro por algum nacional que se responsabilize de que o turista ficará hospedado em sua casa e de que, quando acabarem as férias, voltará à Espanha.

O mesmo têm de fazer os brasileiros que viajam à Espanha.

Irã expulsa diplomata por abusos sexuais no Brasil

Um diplomata iraniano foi expulso do Ministério de Relações Exteriores do Irã após uma investigação sobre acusações de abusos sexuais no Brasil, indicou nesta segunda-feira o governo iraniano em um comunicado.

"Após uma investigação sobre as infrações do funcionário da embaixada da República Islâmica no Brasil, foi concluído que seu comportamento era contrário ao regulamento administrativo e à conduta profissional e islâmica", afirmou o texto.

"Por esse motivo, foi condenado à expulsão do Ministério de Relações Exteriores", acrescentou o comunicado.

O diplomata, que estava em Brasília, teve que ir ao Irã durante a investigação.

Segundo a imprensa brasileira, o diplomata foi acusado de ter acariciado quatro meninas, todas entre 5 e 15 anos, na piscina de um exclusivo clube de Brasília em meados de abril.

O homem foi detido por uma denúncia dos pais da menina, mas a polícia teve que liberá-lo depois do interrogatório, seguindo a Convenção de Viena, que protege os diplomatas.

As famílias das meninas quiseram linchar o diplomata, que conseguiu escapar graças à intervenção dos seguranças do clube.

A embaixada do Irã em Brasília afirmou que o assunto foi apenas "um mal entendido devido às diferenças culturais de comportamento".

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O que me importa - Marisa Monte

Serejo: O Fantasma

Por: Vicente Serejo

 Fui leitor do Fantasma, ‘O Espírito-que-anda’, a genial criação de Lee Falk, nos anos trinta. Por sinal criador também do velho e mágico Mandrake. Sua lenda é cheia de mistérios. Único sobrevivente de um naufrágio provocado por piratas nas costas africanas, ainda muito criança, acabou sobrevivendo e criado pelos pigmeus da tribo Bandar. Pequenos e ferozes, as suas flechas envenenadas com curare, eram os únicos que sabiam a sua história e o juramento de combater a pirataria ao longo dos séculos. 

 O Fantasma, o espírito-que-anda era tão misterioso que tinha três nomes: Fantasma, na Floresta Negra, onde vivia na caverna da Caveira, escondida depois de uma cachoeira, um símbolo respeitado e temido que ‘estava’ em toda parte: no anel que marcava o queixo de quem esmurrava, na roupa, na sua poltrona ao lado de um rádio com o qual sabia de tudo e tudo controlava lá da Floresta Negra. Na mão esquerda, outro anel, a marca do bem que usava para assinalar as pessoas e as coisas sob sua proteção.

 Como ‘Fantasma’ era aquele que jurara, sobre a caveira do seu próprio pai, sempre combater os piratas. Como ‘O Comandante’, era o chefe misterioso da Patrulha da Selva que criou para defender a Floresta Negra dos bandidos, sem revelar seu rosto aos comandados, deixando suas ordens em bilhetes e usando um túnel, num poço de água ‘envenenada’ para despistar. E o ‘Sr. Walker’, nome do seu passaporte, quando viajava em missões ou para visitar a noiva, a ex-campeã de natação Diana Palmer.

Quando embarcava em navios para viagens à África do Sul, onde morava Diana, ou mesmo em aviões, estes mais raros, tinha sempre o mesmo problema: tentavam impedir que levasse ao seu lado ‘Capeto’, seu lobo de estimação. Quando um funcionário do navio lhe avisava, no portaló, que os cães eram proibidos de embarcar, respondia com a voz forte que todos temiam: ‘Não é cão, é lobo’. E entrava, sem mais uma palavra, e fechava-se no seu camarote, sem pedir nada, nem água, nem comida.

Seu quarto, na casa de Diana, tinha uma janela sempre encostada, por onde entrava sem avisar a chegada. Nada lá dentro. Só duas esteiras para ele e ‘Capeto’. Na Floresta Negra, seu cavalo era branco, puro da raça árabe, e tinha o nome de ‘Herói’. Passava dias, namorava e, algumas vezes, era ela que ia visitá-lo na Caverna da Caveira. Chegava a cavalo, guardada pelas flechas dos pigmeus Bandar chefiados por Guran. Nas manhãs, nadava nos rios, sob o olhar atento e amoroso do Fantasma.

 Hoje não acompanho mais a sua vida. Só sei que casou com Diana, quando já desconfiavam de sua virilidade, e foi feliz. Teve um filho, a quem deixou os símbolos de sua eternidade – os anéis, a roupa, a máscara, as duas pistolas e o coldre. Mas, às vezes, penso que ainda hoje há outros Fantasmas por ai, dando ordens, e tão misteriosos quanto o Comandante da Patrulha da Selva. Mas talvez sem o charme daquele herói. É que a vida, Senhor Redator, imita a arte e os mitos na velha floresta do poder.

Poroca: Capoeira

José Carlos L. Poroca

Executivo do segmento shopping centers
jcporoca@uol.com.br

 Vinicius de Moraes, poeta carioca – que muita gente pensa que era baiano –, teve ‘n’ parceiros (Bach, inclusive) e ‘n’ parceiras. Os primeiros, no campo musical; as parceiras, em outros campos, inclusive o amoroso. Tive o privilégio de ver o músico no palco duas ou três vezes. A última, quando se apresentou sentado, acompanhado de uma garrafa de “red” e gelo até umas horas. Os companheiros de palco davam o suporte quando a letra ou a música ou ambos não vinham, seja pelo esquecimento ou pelos efeitos do scoth. Todo mundo (a plateia) aceitava e, se não estou equivocado, todos gostavam: era Vinicius.

 Vinicius reapareceu na cuca, assim, de repente, no mês em que se comemora o 21 de Abril, dia de “arrancar dentes”. Veio à mente a gravação que fez em parceria com Baden Powell, da música Capoeira, cuja letra diz que “quem é homem de bem não trai”, “quem diz muito que vai não vai” etc. A música foi feita na chamada ‘fase africana’, denominação que o autor rejeitava. A verdade é que Vinicius foi de uma versatilidade ampla e se há trabalhos menores, não se pode dar as costas para o conjunto da sua obra. Se vivo estivesse, estaria a caminho dos 100 anos – meta que ninguém acreditaria que ele alcançasse. Nem ele.

 A lembrança de Vinicius não veio só. Fez-se acompanhar de um “oh!” pela foto que saiu na mídia, de um ex-presidente da República visitando outro presidente, do Senado, num hospital. A cena é emblemática, com vários significados. Pobre de mim que, vendo a foto, apliquei um selo de ‘histórica’. Sem ser fruto de desatino, notei a ausência, na cena, de um Forrest Gump, personagem do livro de Winston Groom, levado às telas por Robert Zemeckis, com Tom Hanks no papel principal. Não estou falando de um Forrest Gump norte-americano. Imaginei, um, nativo, que tenha vivido de perto o Brasil, acompanhando os fatos da nossa história.

 Se a hipótese pudesse se concretizar, outras cenas poderiam ser conectadas envolvendo os personagens, começando pelos anos 1970 para chegar aos dias de hoje. Difícil seria digitalizar as cores e formatá-las num único plano, eis que o antagonismo de outrora se transformou em vento e as cores de ideologias, de lá para cá, ficaram desbotadas ou mudaram de cor (o amarelo virou cinza), influência de produto químico batizado de “para o bem da causa”. Vamos fazer de conta que foi assim, pois é difícil imaginar que essas transformações se processem por interesses. Homens públicos não priorizam interesses particulares e/ou partidários em prejuízo do interesse público. Isso aconteceu faz tempo, na época das Capitanias Hereditárias. Hoje a possibilidade é remota, junto do improvável, afinal, estamos num país civilizado, desenvolvido, progressista e incorrupto. Já podemos até barrar espanhóis na porta de entrada.

Prejuízo com a seca na Bahia pode chegar a R$ 7,7 bilhões, aponta estudo

Carlos Madeiro, Do UOL, em Maceió

Um levantamento realizado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) aponta que a agricultura e o setor de serviços no Estado poderão amargar um prejuízo de até R$ 7,7 bilhões com a seca que assola o Nordeste. Isso ocorrerá caso não chova até o mês de outubro, completando o ciclo de um ano sem precipitações. Esta é a pior seca em décadas, e no Estado se fala na pior em 47 anos.

Santa Brígida (BA). Mais de 750 municípios do Nordeste já decretaram situação de emergência e mais de 4 milhões de pessoas foram afetadas Mais Beto Macário/UOL

O estudo levou em conta três possíveis cenários. No primeiro deles, o mais otimista, com chuvas até o início do mês de junho, o prejuízo agrícola chegaria a R$ 3,8 bilhões. No segundo cenário, mais moderado e considerando chuvas a partir de agosto, o déficit alcançaria R$ 5,7 bilhões. No terceiro e mais pessimista cenário, o prejuízo alcançaria R$ 7,7 bilhões do PIB (Produto Interno Bruto) estadual. Segundo o IBGE, o último PIB consolidado da Bahia é de 2009 e somou R$ 137 bilhões.

Segundo meteorologistas, não há previsão de chuva significativa para as próximas semanas na região afetada pela estiagem –segundo alguns, as precipitações previstas para o Estado ficarão apenas sobre o litoral, para outros, elas devem atingir o oeste do Estado, mas sem acabar com o problema.

“Na análise do cenário pessimista considerou-se uma redução de 40% na produção agropecuária e, como consequência, uma queda de 20% no setor de serviços e comércio dos municípios atingidos pela seca”, apontou o estudo.

“Essa é uma simulação para mostrar que essa seca veio realmente muito forte. A gente tem esse terceiro cenário, que digo pessimista, mas que possivelmente pode ocorrer se as chuvas não caírem até outubro –aí fecharíamos um calendário agrícola inteiro de seca, com algumas culturas perdendo as três safras. É um tipo de perda que não se pode recuperar”, explicou ao UOL o coordenador de Acompanhamento Conjuntural da SEI, Luiz Mário Vieira.

Segundo o levantamento, existem 446 mil estabelecimentos agropecuários nos municípios em situação de emergência, o que corresponde a mais de 60% daqueles existentes na Bahia. Desses, 58% são pequenas propriedades, com menos de 10 hectares de área (cada hectare equivale a 10.000 m²).

Os números ainda mostram que mais de 2,2 milhões de pessoas trabalham nas lavouras nos municípios em situação de emergência e estão sofrendo diretamente com a estiagem.

Feijão e milho em falta

Em todo o Estado, 242 municípios decretaram situação de emergência e mais de 2,7 milhões de pessoas são afetadas pela seca.

Prejuízo maior

Mas o prejuízo deve ser ainda maior que o estimado, já que não foi levado em conta o prejuízo da pecuária. “A pecuária é muito mais difícil mensurar. Vamos tentar fazer isso posteriormente, quando tivermos a noção da perda do rebanho. Há informações ainda desencontradas. Existe também uma perda derivada, que é a oferta de leite que já está sendo afetada. A oferta de carne também pode sofrer em alguns locais”, disse Luiz Mário Vieira.

Para a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faeb), a estiagem provocará uma perda na produção geral entre 20% e 40%. Em 90 dias, segundo a federação, as pequenas cidades do interior começarão a sentir sinais de desabastecimento de carne bovina e o consequente aumento de preço do produto.

A produção de leite já apresenta uma queda aproximada de um terço, o que representa 1,5 milhão de litros por dia. Com redução de 60% na produção no setor, as cidades de Itapetinga, Jequié e Itabuna são as que sentem os maiores efeitos da seca.

A Faeb considera perdida a produção de feijão e milho que ainda não foi colhida. Em diversos municípios, não houve condições para plantio. O abastecimento deverá ser feito com os produtos vindos de Minas Gerais e do Paraná.

O plantio de frutas também está prejudicado, com exceção da região do rio São Francisco, onde não há problemas de irrigação. Por causa da seca, o governo proibiu o uso da água para fins comerciais e liberou apenas para abastecimento da população. A produção de abacaxi em Itaberaba, por exemplo, já está com a safra deste ano comprometida e com o plantio para o próximo ano atrasado.

Durante visita do UOL ao sertão baiano, muitos produtores se queixaram das perdas agrícolas causadas pela seca. “Sempre planto feijão e milho, mas esse ano a chuva não veio e não plantei nada. Ano passado perdi tudo, pois depois de maio a seca começou a chegar e a chuva foi enfraquecendo até parar de vez em setembro”, disse José Luís do Nascimento, 65, agricultor de Santa Brígida (a 458 km de Salvador).

Festas juninas

Além do plantio e criação de gado, a seca afeta os festejos tradicionais de Santo Antônio, São João e São Pedro. Até o momento, 26 municípios baianos cancelaram suas festas por causa da seca e 21 reduziram as atividades.

A orientação do Tribunal de Contas dos Municípios é para que não gastem com os festejos juninos mais do que o gasto em anos anteriores para que as comemorações não prejudiquem as ações de combate à seca. (Com Agência Brasil)