sábado, 31 de março de 2012

Terra, Caetano Veloso

Ruralistas querem legalizar o saque das terras indígenas

Eliane tavares, Jornalista
Os povos que viviam na terra chamada de Pindorama – quando chegou Cabral – se organizavam em grandes grupos, mas não chegaram a formar civilizações como aconteceu com os incas, maias e astecas, em outras regiões deste grande continente. Os daqui eram nômades e coletores. Viviam num espaço tão generoso em água e frutos que não tinham ainda encontrado necessidade de organizar cidades ou outras estruturas parecidas como já faziam os povos andinos, premidos pelo ambiente inóspito. Hoje, sabe-se que todos os povos do continente de alguma forma se conheciam e se encontravam, como prova o Caminho de Piabeiru, que sai do litoral sul de Santa Catarina até a região inca, ligando os dois oceanos. O que faz crer que outros caminhos havia e que muitos encontros de davam, não necessariamente de conquista. Enfim, as gentes viviam aqui do seu jeito e com sua organização. Essa não era uma terra vazia.
A chegada dos europeus em 1492, sedentos de ouro e riquezas selou o destino desses povos. Invadidos pelos espanhóis e depois pelos portugueses, as comunidades da região sul de Abya Yala (hoje chamada de Américas) foram sendo dizimadas. Os impérios aqui existentes acabaram vencidos militarmente e as comunidades mais afastadas caíram em dominó. Algumas demoraram mais porque como o continente era grande, o interior demorou a ser ocupado. Muitas são as páginas heroicas dos povos autóctones em defesa de seu território e de sua forma de viver, como os exemplos de Tupac Amaru, Tupac Catari, Nheçu, Lautaro e tantos outros. Mas, apesar das lutas e da resistência, a força bruta dos invasores – e depois dos já nativos - foi mais forte.
O caldo de toda essa história foi a dominação. O homem branco assumiu a liderança do “mundo novo” e aos indígenas ficou relegado o limbo. Chamados de seres sem alma, eles primeiro foram escravizados e depois – quando os brancos viram que se não se prestavam a isso – dizimados. Só que apesar de todo o processo de violência muitas comunidades sobreviveram. Acossados pela necessidade de sobrevivência foram se adaptando de alguma forma ao mundo que lhes foi imposto, o que Darcy Ribeiro chama de transfiguração. Ocorre que essa decisão nunca significou o abandono de sua cultura. Em algum lugar ela permanecia viva e nas entranhas das comunidades ela se expressava. Foi assim que muitas etnias lograram sobreviver, como é o caso dos ayamara, quéchua, kichwa, mapuche, guarani e tantos outros.
Hoje, essas comunidades retomam sua cosmovisão e exigem o reconhecimento de sua cultura e da sua forma de organizar a vida. Muitas foram as batalhas travadas ao longo desses 500 anos e em alguns países como o Equador e a Bolívia, os indígenas conseguiram avançar ao ponto de garantir o Estado Plurinacional, que significa o reconhecimento de suas organizações e de seus territórios como regiões livres, conduzidas e governados por eles mesmos. Ainda assim, apesar de consolidado na Constituição, esse estado plurinacional ainda é uma construção. Basta ver o caso dos indígenas equatorianos que lutam contra as mineradoras que avançam sobre suas terras sem que seja respeitada a lei da consulta e do domínio do espaço pelos verdadeiros donos, que são os originários.
Aqui no Brasil, por força da organização menos estruturada que a dos povos andinos, as comunidades autóctones ficaram mais expostas à destruição, e a dizimação aconteceu de forma acelerada. Com a chegada massiva dos imigrantes no século XVII, o interior, que ainda servia de abrigo a muitas etnias, também começou a ser invadido e a matança voltou a ocorrer. Os bandeirantes cumpriram esse triste papel. Visto como “heróis” pelos seus contemporâneos eles avançavam pelo Brasil adentro caçando e matando índios, “limpando” a terra para entregar aos imigrantes ou aos seus patrões latifundiários. Alguns deles são os incensados fundadores de cidades, homenageados até hoje, como é o caso de Francisco Dias Velho, que expulsou da ilha de Santa Catarina os guarani e fundou o que hoje é Florianópolis.
A solução encontrada pelos “bondosos” senhores das terras naqueles dias era confinar em reservas os sobreviventes. A proposta primeira era integrar. Uma ideia que parecia muito piedosa depois do massacre. Diziam que aos índios era necessário “civilizar”, ou seja, submetê-los a uma cultura e a um deus que não era deles. Assim, aprisionados como bichos, os indígenas ou se integravam ou morriam. Mas, a tal da integração também nunca foi uma tarefa fácil. Os indígenas eram vistos pelos colonos brancos como uma ameaça e o confronto sempre foi latente. Daí para o racismo foi um pulo. A integração jamais foi conseguida. Aqueles que saiam das reservas e se aventuravam na cidade, tinham “por castigo” sofrer todo o tipo de preconceito e discriminação. Raramente se livravam da marca do “selvagem”.
No início do século XX foi a vez da ocupação das terras amazônicas e, de novo, a proposta apresentada pelo governo era a de “civilização”. Trazer os “selvagens” para a vida civilizada, integrá-los ao mundo moderno, tira-los da mata e torná-los “gente e bem”. De novo, apesar das boas intenções, seguiu o longo processo de apagamento das culturas, senão pelos arcabuzes, pela integração. Ainda assim, muitos conseguiram seguir nos seus territórios, ainda que confinados nas reservas. Desde então é assim. Os indígenas que não migraram para as cidades e ainda seguem seus costumes tais como suas formas organizativas são seres tutelados pelo Estado. Não têm autonomia. São vistos e tratados como crianças, incapazes de gerir suas próprias vidas. Seus territórios não lhes pertencem, são da União, e é o Estado quem decide onde e como eles ficam na terra. Os argumentos para essa tutela seguem sendo os mais piedosos: “os indígenas não sabem negociar no mundo moderno, são bêbados, são vagabundos, são inúteis, são ladrões”. Ou seja, imputam ao índio toda a sorte de vícios e problemas que são típicos do homem branco invasor. É certo que os indígenas não são pessoas puras, desprovidas de toda a maldade (afinal, são 500 anos convivendo), mas daí a dizer que só por ser índio alguém vai conduzir de forma equivocada um pedaço de terra beira ao absurdo. Basta dar uma olhada nas fazendas que mantém pessoas escravizadas e ver quem as dirige: não são índios. São os latifundiários.
Assim, nesse sistema de tutelagem, as comunidades indígenas são mandadas para cá e para lá conforme os interesses dos governos de plantão. Poucos são os que conseguiram garantir a permanência no seu território original. Ocorre que para as comunidades indígenas o território não é descolado da vida. Não é a mesma coisa que para um cidadão ocidental que pode mudar de casa, de cidade ou de país sem qualquer alteração no seu modo de ser. Um indígena está conectado com o lugar de vivência, precisa de espaço para caçar, cultivar, nadar, adorar os seus deuses. A terra faz parte do seu ethos cultural, é parte constitutiva de sua cosmovisão. Por isso que tantas etnias sofrem a fome, a miséria e a morte – alguns chegam a preferir o suicídio. Levadas para reservas – que são cópias mal apanhadas do mundo branco - sem identidade, as pessoas sucumbem e precisam viver à custa do Estado como se fossem inúteis. Não o são. Foram expropriados de sua maneira original de viver e ainda têm de pagar o preço de uma decisão que nunca foi delas.
Como no Brasil as comunidades são espalhadas e pequenas, a organização também é bem mais difícil do que em países como Bolívia e Equador, onde a maioria da população é indígena. Nesse sentido, acossados por todos os lados, os indígenas de Pindorama mal conseguem se fazer ouvir, a não ser em casos específicos onde, inclusive, são mais uma vez apontados como selvagens, avessos ao progresso, como é o caso da construção da usina Belo Monte que vai alagar a terra de muitas comunidades e contra a qual as comunidades estão em luta. Os indígenas defendem seu território, mas são mostrados na mídia como bárbaros, enquanto os verdadeiros “bárbaros” passam por empresários de sucesso que só querem o bem e o progresso do país. A União, que detém a posse legal da terra, põe e dispõe conforme os interesses dos depredadores da vida e do país.
Pois agora, não satisfeitos com a entrega das terras indígenas para seus projetos privados e destruidores, os negociantes e empresários, de olhos nas riquezas das terras ocupadas pelas comunidades autóctones, deram mais um golpe na já combalida organização indígena. Levaram para o Congresso Nacional uma proposta que aparentemente é singela e democrática: tirar da União a decisão sobre as terras indígenas e passar para o Congresso Nacional. Assim, pensam eles, será mais fácil vencer as resistências que por ventura possam surgir quando da ocupação de algum lugar onde vivam os índios. Como agora há uma presidente permeável às demandas das comunidades eles viram que era melhor arrancar o mal pela raiz. Devem ter pensado: “vai que a presidente resolve dar uma de esquerda e proteger os índios. Melhor não arriscar”. A ideia então foi jogar a decisão para o Congresso Nacional onde os poderosos têm quase total controle.
Numa primeira vista pode parecer interessante. No Congresso a coisa parece mais democrática, a decisão precisa ser discutida, negociada. Mas, não é. No Congresso quem manda são os poderosos, os endinheirados. Na correlação de forças, os trabalhadores, os empobrecidos, os índios, os excluídos sempre perdem. As chances de uma proposta de ocupação de terra indígena são muito maiores se levadas ao Congresso, pois o lobby dos ruralistas é forte demais. E eles agiram apresentando uma proposta de emenda constitucional, o que significa alterar a Constituição que, com todos os seus problemas, tem alguns avanços no que diz respeito à questão indígena.
Pois, sem debate e sem uma discussão nacional, essa proposta leonina já passou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Os argumentos são os mesmos usados pelos invasores e destruidores do passado: os indígenas precisam se integrar. E, caso algum dia (que será bem breve) alguma terra precisar ser ocupada por algum projeto mirabolante ou mesmo por uma fazenda de bois, os indígenas terão “todo o direito” de se organizar, ir ao Congresso e debater. Ora, isso é o cinismo levado à última potência.
A emenda constitucional ainda vai tramitar e ser votada no plenário. Ela foi inscrita como PEC 215. É mais uma violência contra as já tão aviltadas comunidades indígenas. Caso seja aprovada, pode ser a pá de cal nas ainda sobreviventes comunidades que lutam pela demarcação de seus territórios. É por isso que a luta contra essa PEC precisa ser assumida pelos movimentos sociais populares, pelos sindicatos. Já basta de deixar a questão indígena para os índios. Ela é parte de cada uma de nós, está no nosso DNA, precisa ser uma luta nacional.
A batalha que agora começa a ser travada contra essa PEC também não deveria ficar no mais do mesmo. Não se trata de apenas impedir que a decisão sobre as terras indígenas seja apreciada no Congresso, muito menos de aceitar que siga como tem sido, na base da tutela governamental. Há que avançar. A decisão sobre as terras indígenas pertence aos indígenas. É hora de caminhar para a consolidação da autonomia real. É o momento de lutar pela retomada dos territórios originais, pelo direito à cultura e a organização da vida e pelo direito de gerir o seu território no que diz respeito às riquezas que ali estão. Essa não é uma luta fácil, mas tem de iniciar. O debate sobre os direitos das comunidades originárias precisa tomar o país para além das folclorizadas visões de um mundo puro, natural e perfeito. O mundo indígena tem seus próprios problemas, mas acabe às comunidades resolverem. Como em toda Abya Yala é chegada a hora das comunidades indígenas de Pindorama também se levantarem na luta pelo que lhes é direito. Todos contra a PEC 215, mais uma safadeza dos ruralistas.  Ainda é tempo de estancar a fonte do crime seguindo o que ensinava o inesquecível poeta palestino Mahmud Darwish: “rebelem-se... e permaneçam vigilantes, prontos para o combate”!

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Índios, vítimas da imprensa

Por Dalmo de Abreu Dallari*

Os índios brasileiros nunca aparecem na grande imprensa com imagem positiva. Quando se publica algo fazendo referência aos índios e às comunidades indígenas o que se tem, num misto de ignorância e má fé, são afirmações e insinuações sobre os inconvenientes e mesmo o risco de serem assegurados aos índios os direitos relacionados com a terra. Essa tem sido a tônica.
Muitas vezes se tem afirmado que a manutenção de grandes áreas em poder dos índios é inconveniente para a economia brasileira, pois eles não produzem para exportação. E com essa afirmação vem a proposta de redução da extensão da ocupação indígena, como aconteceu com a pretensão de reduzir substancialmente a área dos Yanomami, propondo-se que só fosse assegurada aos índios o direito sobre o pequeno espaço das aldeias. E como existem várias aldeias dentro do território Yanomami, o que se propunha era o estabelecimento de uma espécie de “ilhas Yanomami”, isolando cada aldeia e entregando a especuladores de terras, grileiros de luxo ou investidores do agronegócio a quase totalidade da reserva indígena.
Não é raro encontrar a opinião de alguém dizendo que “é muita terra para pouco índio”, o que autoriza a réplica de que quando somente um casal ou um pequeno número de pessoas ocupa uma grande mansão ou uma residência nobre com jardins, piscina e até quadra de tênis, usando um grande espaço que vai muito além do necessário para a sobrevivência, um índio está autorizado a dizer que “é muita terra para pouco branco”.
Créditos de carbono
Outro argumento que aparece com grande frequência na imprensa é a afirmação de que as reservas indígenas próximas das fronteiras colocam em risco a soberania brasileira, pois os índios não fazem a vigilância necessária para impedir a invasão ou a passagem de estrangeiros.
Uma primeira resposta que se pode dar a essa acusação é que frequentemente, quando se registra uma ocorrência mais marcante relacionada com o tráfico de drogas, aparecem informações, às vezes minuciosas, sobre os caminhos da droga, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Várias vezes se mostrou que a rota dos traficantes passa perto de instalações militares brasileiras de fronteira, vindo logo a ressalva de que o controle do tráfico é problema da polícia, não dos militares. E nunca se apontou uma reserva indígena como sendo o caminho da droga, jamais tendo sido divulgada qualquer informação no sentido de que a falta de vigilância pelos índios facilita o tráfico.
E quanto à ocupação de partes de uma reserva indígena por estrangeiros, qualquer pessoa que tenha algum conhecimento dos costumes indígenas sabe que os índios são vigilantes constantemente atentos e muito ciosos de seus territórios.
Noticiário recente é bem revelador do tratamento errado ou malicioso dado às questões relacionadas com terras indígenas. Em matéria de página inteira, ilustrada com foto de 1989 – o que já é sintomático, pois o jornal poderia facilmente obter foto de agora e não usar uma de 23 anos atrás – o jornal O Estado de S. Paulo coloca em caracteres de máxima evidência esta afirmação alarmante: “Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”.
Como era mais do que previsível, isso desencadeou uma verdadeira enxurrada de cartas de leitores, indignados, ou teatralmente indignados, porque os índios estão entregando terras brasileiras da Amazônia a estrangeiros. Na realidade, como a leitura atenta e minuciosa da matéria evidencia, o que houve foi a compra de créditos de carbono por um grupo empresarial sediado na Irlanda e safadamente denominado “Celestial Green Ventures”, sendo, pura e simplesmente, um empreendimento econômico, nada tendo de celestial.
Mas a matéria aqui questionada não trata de venda de terras, como sugere o título. Fora de dúvida
Por ignorância ou má fé a matéria jornalística usa o título berrante “índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”, quando, com um mínimo de conhecimento e de boa fé, é fácil saber que, mesmo que quisessem, os índios não poderiam vender direitos sobre terras que ocupam na Amazônia ou em qualquer parte do Brasil.
Com efeito, diz expressa e claramente o artigo 231 da Constituição brasileira :
 “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
 Nesse mesmo artigo, no parágrafo 2°, dispõe-se que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. E o parágrafo 4° estabelece uma restrição muito enfática, cuja simples leitura deixa bem evidentes o erro e a impropriedade da afirmação de que os índios venderam seus direitos sobre suas terras na Amazônia.
Diz muito claramente o parágrafo 4°: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Acrescente-se a isso tudo, o que já seria suficiente para demonstrar a má fé do título escandaloso dado à matéria, que o artigo 20 da Constituição, que faz a enumeração dos bens da União, dispõe, também com absoluta clareza: “São bens da União: XI. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.
Com base nessas disposições constitucionais, fica absolutamente fora de dúvida que os índios não têm a possibilidade jurídica de vender a quem quer que seja, brasileiro ou estrangeiro, seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, na Amazônia, em Goiás, na Bahia, em São Paulo, no Rio Grande do Sul ou em qualquer outra parte do Brasil.
Errada e absurda
Se, por malícia, alguém, seja uma pessoa física, uma empresa ou qualquer instituição, obtiver de um grupo indígena uma promessa de venda de algum desses direitos estará praticando uma ilegalidade sem possibilidade de prosperar, pois, como está claramente disposto na Constituição, esses direitos são inalienáveis. E ainda de acordo com a Constituição é obrigação da União, que é a proprietária das terras indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nessas terras.Em conclusão, o título escandaloso da matéria jornalística aqui referida está evidentemente errado pois afirma estar ocorrendo algo que é juridicamente impossível segundo disposições expressas da Constituição brasileira.
Comportando-se com boa fé e respeitando os preceitos da ética jornalística, a imprensa deveria denunciar qualquer ato de que tivesse conhecimento e que implicasse o eventual envolvimento dos índios, por ingenuidade e ignorância, na tentativa da prática de alguma ilegalidade. Mas, evidentemente, é absurda, errada e de má fé a afirmação de que os índios vendam direitos sobre terras na Amazônia.

*Dalmo de Abreu Dalari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Rita Ribeiro

Educação nos Terreiros – entrevista com a jornalista Stela Guedes Caputo

Do ofício de jornalista, surgiu o interesse de aprender e pesquisar mais. Foi então um caminho sem volta. Há 20 anos, a jornalista Stela Guedes Caputo resolveu seguir carreira acadêmica para aprofundar seus estudos sobre religião e escola, mais precisamente sobre terreiros de candomblé, crianças e escolas. Stela resolveu fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado. Hoje, ela integra o quadro docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O estudo virou livro. Educação nos terreiros Em entrevista à revistapontocom, Stela adianta algumas conclusões de seu estudo. Traça uma breve historiografia do Ensino Religioso no Brasil e, em particular, no Rio de Janeiro. Mostra a importância de a sociedade conhecer o tema e se posicionar.

Acompanhe:

revistapontocom – Religião combina com escola pública?

Stela Guedes Caputo - Não e digo porque. Veja: a Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º que a religião católica continuaria sendo a religião do Império. Todas as outras religiões eram permitidas, mas apenas em seus cultos domésticos, nada fora dos templos. Já a atual Constituição, de 1988, não instituiu qualquer religião como oficial do Estado. Além disso, seu artigo 19º diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II – recusar fé aos documentos públicos; III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Isso deveria garantir a laicidade do Estado. Ao mesmo tempo, a mesma Constituição garante a liberdade de culto, a igualdade entre os cultos e isso é importante. Significa dizer que, no assunto religião, não há problema com as instituições de ensino particulares ou as ligadas às Igrejas, seja quais forem. O problema é o ensino religioso na escola pública.

revistapontocom - Mas sabemos que o ensino religioso está presente em todas as escolas, inclusive nas públicas. Como funciona na prática este ensino nas salas de aula?

Stela Gudes Caputo - Não dá para discutir o assunto sem trazer um pouco de sua história. O problema do ensino religioso no Brasil começa com a chegada dos jesuítas que vão marcar o início de nossa escolarização com empenhos de catequese. A proclamação da República, em 1889, separa Estado e Igreja Católica, mas só a Constituição de 1891 garante o ensino laico nas escolas públicas. Desde então, a luta entre os setores laicos da educação e a Igreja Católica vem revezando-se entre avanços e derrotas ora de um e de outro. Há outros marcos importantes nessa contenda. Em 1967, já em plena ditadura militar, a Constituição desse ano garantiu mais uma vez o ensino Religioso como disciplina nos horários normais das escolas oficiais do ensino fundamental e médio, mas, conforme artigo da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1961, os ônus para os cofres públicos continuariam vetados, o que duraria até a LDB de 1971, que revoga esse artigo. Por conta dessa revogação e também graças às pressões da Igreja, professores do magistério público de outras disciplinas foram desviados para o ensino religioso. Então a Constituição de 1988 já encontra professores de religião nas escolas públicas e não vai romper com a Igreja. O resultado é que temos hoje uma Constituição totalmente esquizofrênica. Se a Constituição não estabelece nenhuma religião oficial, proíbe e seu artigo 19º dependência ou aliança com cultos e igrejas e, ainda, garante a igualdade entre os cultos, como pode ser que a mesma Constituição, no parágrafo primeiro de seu artigo 210º, estabeleça o ensino religioso? O curioso também é que o artigo 210º fixa conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. E a primeira coisa que tenta estabelecer e homogeneizar é o aspecto religioso de uma sociedade como a nossa, o que é impossível. É no artigo sobre valores culturais e artísticos que foi fixado o ensino religioso. Ter o ensino religioso na Constituição de 1988 foi uma derrota para os que lutam por uma educação pública de qualidade e laica. Tentando minimizar esse dano, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de dezembro de 1996, definia que o ensino seria sem ônus para os cofres públicos e de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis. O então ministro da Educação Paulo Renato Souza propõe alterar a LDB. O projeto do deputado padre Roque (PT-PR), que tramita em regime de urgência, é aprovado e resulta na Lei 9475 de 22 de julho de 1997. A LDB é enfim modificada e o Ensino Religioso é considerado parte integrante da formação do cidadão. A restrição aos cofres públicos desaparece e os estados ganham autonomia para regulamentarem essa disciplina, bem como a forma de selecionar e contratar professores. Desta forma, ficou aberto o caminho para, não digo inventar os absurdos que ocorrem em quase todos os estados, mas para legitimá-los.

revistapontocom – Que tipos de absurdos?

Stela Guedes Caputo - Por exemplo, em setembro de 2000, o então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, sanciona a Lei 3.459, do ex-deputado católico Carlos Dias, e estabelece o ensino religioso confessional na rede estadual. Em 2004, Rosinha Garotinho, já governadora, realiza concurso público para professores de religião, aprova 1299 e contrata 500 professores que se somam aos 364 que já lecionavam essa disciplina nas escolas. Desses contratados, 68,2% são católicos, 26,31% evangélicos e 5,26% de outras religiões. Se você perguntar para a Coordenação de Ensino Religioso da Secretaria Estadual de Educação, ela vai dizer que nenhum professor faz proselitismo, ou seja, não há nada de catequeses ou doutrinação nas salas de aulas e que nessa disciplina só se ensina o que eles chamam de valores. Mas na prática não é o que acontece. Depoimentos revelam que em muitas escolas se reza o Pai Nosso. A Igreja católica lançou uma coleção de livros didáticos católicos em 2007. Professores entrevistados afirmam que selecionam o que há de comum entre católicos e evangélicos e planejam assim suas aulas, falam que estudantes de candomblé entendem que estão errados e se convertem. Ou seja, o tempo inteiro há o que eu chamo de atitude missionária de grande parte dos professores de ensino religioso. O pior é que essa atitude missionária, essa perspectiva de que a função da educação é converter alunos, é pregar uma religião, esse obscurantismo, também é característica de muitos professores que lecionam várias outras disciplinas como Língua Portuguesa, Matemática e por aí vai. Um dos grandes absurdos que eu verifiquei são os encontros de formação dos professores de ensino religioso no estado do Rio. A Secretaria de Educação não se reúne com nenhuma outra área, não realiza encontros periódicos para avaliar problemas de Matemática, de História ou de Química, por exemplo, e traçar projetos de solução. Mas faz encontros sistemáticos com os professores de religião e organiza, principalmente, a inserção da Campanha da Fraternidade de cada ano nas escolas públicas. Isso devia ser crime porque é evidente que fere a laicidade, é evidente que privilegia um grupo religioso, portanto, é evidente que é inconstitucional.

revistapontocom – Esses dados que você traz estão ligados a sua pesquisa, não é isso? Você acompanhou durante 20 anos a relação das crianças com o candomblé. Por que este interesse?

Stela Guedes Caputo – Eu era repórter do Jornal O Dia, no Rio de Janeiro, e estava desenvolvendo uma pauta dada pelo meu editor que era mapear os terreiros de candomblé na Baixada Fluminense. Ele queria saber se as religiões afro-descendentes ainda resistiam. Na noite do dia 13 de outubro de 1992, cheguei ao Ile Omo Oya Legi, a casa de Mãe Palmira de Iansã, em Mesquita, na Baixada Fluminense e vi um menino de quatro anos tocando atabaque. Em um instante a pauta mudou. Não sabia que crianças podiam receber cargos. O menino era Ricardo Nery (o da foto na home page da revistapontocom) que já era Ogan, um cargo muito importante na hierarquia do candomblé. Ele era responsável, por exemplo, por convocar os Orixás para o terreiro. Fiquei curiosa e fizemos uma boa matéria com outras crianças que conheci na época. Ocorre que já nessa ocasião Ricardo e outras crianças me falaram que, ao mesmo tempo em que sentiam orgulho da religião, da cultura afro-descendente, elas se sentiam discriminadas nas escolas que frequentavam e escondiam a fé. Diziam que eram católicos e católicas para não sofrerem. Todas elas tinham relatos de discriminação e racismo. A coisa piorou porque o Bispo Macedo, da Igreja Universal, comprou as mesmas fotos que usamos na nossa reportagem e publicou na Folha Universal e em um livro seu essas imagens, mas discriminando o Ricardo, a Paula, a Tauana (a menina que aparece na home page da revistapontocom), pessoas com as quais conversamos. As crianças sofreram muito e eu já não podia mais abandonar o que para mim se configurou como uma grande questão. Resolvi aprofundar o tema, fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado em educação e fui acompanhando o crescimento das crianças, aprendendo com elas e pensando sobre a sociedade brasileira marcada por fortes desigualdades de classe e de raça e por diferenças culturais. A escola, da mesma forma, é marcada por tudo isso.

revistapontocom – E o que você constatou com esta pesquisa?

Stela Guedes Caputo – Digo sempre que esta pesquisa é uma encruzilhada. Ela aponta para dois caminhos. E eu segui os dois. O primeiro caminho me levou para os terreiros que vejo como espaços ricos de aprendizagens, de circulação de conhecimentos. São, e aqui vou usar uma noção da professora Nilda Alves, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, “redes educativas”, ou seja, os terreiros, assim como diversos outros espaços também educam. Nesses terreiros de candomblé, crianças e jovens, sobretudo negros, aprendem e ensinam sobre ervas, comida, preceitos, história, roupas, danças, sobre o yorubá que é uma língua viva falada na Nigéria, no Sul da República do Benin, nas repúblicas do Togo e de Gana por cerca de 30 milhões de pessoas. Os terreiros de candomblé ajudaram a manter essa língua. O outro caminho percorrido é que essa rede de conhecimento penetra, está e circula nas escolas. O que acontece com ela? Por que não é bem-vinda? Por que é desprezada se pode ensinar tanto? E pior: por que é desrespeitada e discriminada? Foi o que percebi: a maioria das crianças sente vergonha de suas culturas e a escondem.

revistapontocom - Mas o universo rico e valioso de conhecimento que as crianças têm acesso nos terreiros não seria o mesmo que as crianças têm na religião católica, espírita, judaica ou islâmica? É uma questão de preconceito?

Stela Guedes Caputo – A minha pesquisa é sobre candomblé, uma religião que passei a amar profundamente, principalmente por sua importância para a afirmação de identidades e culturas negras, o que é central na luta contra o racismo nesse país. Imagino que todos os espaços religiosos são espaços em que circulam conhecimentos e aprendizagens e são também importantes para suas culturas de referência. Mas, como educadora, não posso deixar de questionar o que se aprende e como se aprende. Então eu pergunto: o que se aprende nos espaços religiosos? A respeitar ou a discriminar orientações sexuais? A respeitar ou discriminar os diversos tipos de famílias que se constituem em função dessas orientações sexuais? A respeitar ou a discriminar as diferentes raças que existem? A respeitar ou a discriminar mulheres? A respeitar ou a discriminar outras religiões? Então o que é rico e valioso? Para mim valioso é aprender a não discriminar e em todos os terreiros em que estive aprendi muito sobre uma educação que não discrimina nada disso. Então depende. Se é isso que se ensina e se aprende eu acho rico e importante. Se o que se ensina é o obscurantismo, o racismo, o sexismo, a homofobia, então não, não é valioso para a educação que eu defendo, pelo contrário, são campos opostos de educação.

revistapontocom – Você disse que acabou acompanhando algumas crianças que trabalharam em terreiros e que sofreram muitos preconceitos. Como eles estão hoje?

Stela Guedes Caputo - A maioria dos depoimentos associa a discriminação religiosa à discriminação racial. Ao longo da pesquisa e em épocas diferentes, as crianças, que depois ficaram jovens e adultas revelaram que se sentiam discriminadas por serem do candomblé e por serem negras. Mesmo os adolescentes brancos disseram entender a discriminação do candomblé justamente por essa ser uma religião trazida pelos escravos e praticada por maioria negra. O mais triste é que alguns desses jovens, que já tiveram filhos, também vêem seus filhos serem discriminados pelos mesmos motivos.

revistapontocom – Esse preconceito então não diminuiu?

Stela Guedes Caputo - Não. O que eu percebi foi que a forma como crianças e adolescentes lidavam com o racismo e com o preconceito religioso mudou. Muitas escondiam a fé, os artefatos do culto. Mesmo no contexto da pesquisa, algumas não permitiam que eu revelasse seus nomes verdadeiros nos artigos que publiquei ao longo da pesquisa. Isso mudou e hoje uso o nome verdadeiro de todas elas. E todas permitem que eu divulgue suas imagens. Mas o triste é que essas crianças que acompanhei e que hoje são jovens me dizem que a escola não contribuiu para essas mudanças, pelo contrário, afirmam que se dependessem das escolas permaneceriam com vergonha da fé e da própria cor. Asseguram que os espaços dos terreiros, dos movimentos negros e de suas próprias famílias é que contribuíram para que o sofrimento com a discriminação diminuísse e que esse sofrimento fosse transformado em luta concreta pelo fim do racismo e da discriminação das religiões afro-descendentes.

revistapontocom - A partir da sua pesquisa, como você avalia a legislação de ensino religioso que começa a ser implantada na rede municipal do Rio de Janeiro neste ano e a que vem sendo praticada no âmbito estadual?

Stela Guedes Caputo – Acho péssima e é mais uma batalha que os setores laicos da educação perdem. De acordo o Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro, a rede estadual possui carência de 12 mil professores de todas as disciplinas, Matemática, História, Ciências e outras. A rede municipal tem aproximadamente a mesma carência. No entanto, o governo estadual prepara a contratação de mais 300 novos professores e o município vai contratar 600 do ensino religioso. Dados da Coordenação de Ensino Religioso revelam, por exemplo, que a Secretaria Estadual de Educação gastou quase que R$ 16 milhões em 2010 com essa disciplina, o mesmo valor previsto para o gasto com a disciplina no município. Consultando a LOA (Lei 5632 que estima a receita e fixa a despesa do estado do Rio para 2010) os dados da SEEDUC revelam que, por exemplo, a construção de uma piscina semi-olímpica no município de Petrópolis custou R$ 250 mil. A construção de uma escola no bairro da Rasa, em Búzios, R$ 1 milhão. Para montar um laboratório de informática na Escola Técnica Henrique Lage foram usados R$ 50 mil. Já na reforma da escola Maria José foram gastos R$ 500 mil. É só fazer as contas e ver quantas piscinas, laboratórios de informática, reformas e novas escolas poderiam ser feitas com o que se gastou com ensino de religião em 2010. Além do tão necessário reajuste de salário dos professores e professoras.

revistapontocom - O que você pretende com a publicação do seu livro?

Stela Guedes Caputo – Partilhar o que aprendi nos terreiros. Não pretendo “dar voz a ninguém”. Crianças e jovens desse espaço têm sua própria voz e não precisam de mim. Quero apenas partilhar sopros, vestígios, algo de pouco do muito que vivenciei com elas, do que aprendi com elas. Dizer também que a escola pública não precisa de uma disciplina de ensino religioso, nem de uma disciplina de candomblé, por exemplo. Significa dizer que as religiões não devem estar nas escolas? Não, de maneira alguma, as religiões são bem-vindas nas escolas e esse é mais um desafio que professores e professoras enfrentam, ou seja, como lidar com as diferentes religiões? Eu penso que devemos aprender com todas as diferenças porque, como reafirma a professora Vera Candau, da PUC-Rio, em seus trabalhos: “a diferença está no chão da escola”. A diferença religiosa circula nas escolas e professores e professoras podem abraçar essa circularidade, dançar com ela, aprender com ela, estimulá-la e não tentar engessá-la. A disciplina de ensino religioso engessa as diferenças religiosas e as mais prejudicadas, não tenho dúvida, são as religiões afro-descendentes. Não podemos achar que a disciplina de ensino religioso é um fato consumado já que está previsto na Constituição Federal e que esta é a parede que limita nossa luta por uma sociedade verdadeiramente laica e que, contra essa parede, não adianta se bater. O projeto de lei número 1069/2007, de autoria do Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL), por exemplo, quer revogar a lei 3459/2000, entre outras coisas, retirando a confessionalidade do ensino religioso e devolvendo ao poder público a função de elaborar os materiais didáticos. Evidente que não há nenhuma pressa para a tramitação deste projeto de lei. Acho que podemos questionar as próprias mudanças que vem sendo propostas. Sim, sabemos que o ensino religioso está previsto na Constituição Federal. Contudo, para o jurista e ex-presidente da Associação dos Procuradores de São Paulo, José Damião Trindade, esse dispositivo não é cláusula pétrea, isto é, não é imutável. Portanto, pode ser objeto de alteração mediante Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de iniciativa de qualquer partido político. O próprio jurista ressalta que, desde 1988, já foram aprovadas mais de sessenta emendas constitucionais na Constituição Federal e, que, atualmente, há uma dezena de outras PECs em tramitação no Congresso Nacional. Então por que não podemos levar a luta para além dos limites que vemos? A garantia de uma educação laica exige isso e dessa exigência não podemos abrir mão. Quanto mais laica for a educação menos preconceito haverá na escola. Só uma educação laica garante que as diversas culturas, incluindo as diversas religiões, circulem na escola e ensinem à escola.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Documentário sobre a PEDOFILIA

Por aqui a pedofilia encontra terreno fértil para crescer.

Por Leonardo Sakamoto*

Que a pedofilia encontra no Brasil um terreno fértil com muitos seguidores, isso é sabido. Imaginem o que seria desta nossa sociedade patriarcal e machista sem as revistas masculinas que transformam moças de 18 anos em meninas de 12?

Afinal de contas, se tem peito e bunda, se tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é mesmo? E se está pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para ajudar no orçamento familiar?

Ao julgar o caso de um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que ele não cometeu crime porque as meninas já eram prostitutas. “As vítimas (…) já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmava o acórdão.

O STJ levou em conta para a sua decisão o artigo 224 do Código Penal que, na época do ocorrido, considerava que o crime deveria ser cometido mediante violência – já presumível, a bem da verdade, quando se tratava de pessoas com menos de 14 anos. O artigo foi alterado há três anos, deixando mais claro que violência não se faz mais necessária para configurar o crime.

Ari Pargendler, presidente do STJ, afirmou à Agência Brasil, nesta quinta (29), que o tribunal poderá revisar a decisão tomada pela Terceira Seção da Corte. O pedido para tanto poderá partir do Poder Executivo, como informou a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário.

Essa discussão não é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que deveria ser inquestionável e protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas de defender que crianças e adolescentes não sejam abocanhados pelo mercado do sexo. Não estou discutindo o sexo dos adolescentes, mas sim o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da prostituição (e enquanto se discutia isso, mulheres que trabalhavam pesado a vida inteira sofreram na velhice, desamparadas e desassistidas). Estamos falando de meninas de 12 anos que podem até não ter sido empurradas para essa condição por pressão familiar, mas sofreram influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos amigos, de vizinhos, de ofertas irrecusáveis de bens materiais ou dinheiro, que atiçaram desejos ou fantasias sobre si mesmas e o mundo.

Por isso, a decisão de entrar no mercado de sexo antes de determinada idade não é individual e não pode ser. O Estado e a sociedade vão tutelar essa criança até que ela tenha maturidade para tanto. E quando isso ocorre? A idade de 14 anos para estupro presumível em caso de relações sexuais é um referencial. Bem como o trabalho a partir dos 14 (no caso de aprendiz) também o é. Mas é um referencial imporante. É uma marca que garante um certo número de anos para os mais jovens se desenvolverem, sendo protegidos, antes de cair na selva. Nos separa, portanto, da barbárie de ter que lutar pela sobrevivência desde cedo.

É claro que o tipo de pessoa que enxerga apenas a parte externa ignora um processo de formação interna da jovem ou do jovem, que é irremediavelmente prejudicado quando ele é despido de sua dignidade.

Nunca vou esquecer a patética intervenção do nobre vereador paulistano Agnaldo Timóteo a favor da exploração sexual juvenil há cinco anos. Em um discurso na Câmara, ele disse que o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. “Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz”, declarou. “O cara (turista) não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.” Para Timóteo, há “demagogia e frescura”.

E isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a exploração sexual comercial de adolescentes até 18 anos.

Seguindo a linha de raciocínio, poderíamos legalizar uma série de situações em que há um descompasso entre a lei e a realidade. Deixaríamos de ter, em um passe de mágica, a prostituição infanto-juvenil, o trabalho escravo, o tráfico de seres humanos, fora preconceitos de raça, credo e classe. É só jogar por terra conquistas sociais obtidas na base do sangue e suor de gerações.

Em bom português, o que se propõe é o seguinte: já que o Estado e a sociedade são incompetentes para impedir que seus filhos e filhas dediquem sua infância aos estudos e ao desenvolvimento pessoal, vamos aceitar isso e legalizar o trabalho de crianças de 12 anos, incluindo aí a prostituição infantil. Por que o trabalho forma o cidadão.  ”O trabalho liberta”, como diria a frase na porta do campo de concentração de Auschwitz.

Em 2009, o STJ também havia afirmado que não há exploração sexual contra uma criança ou adolescente quando o cliente é ocasional. A corte manteve decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que rejeitou acusação de exploração sexual de menores por entender que cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta não se enquadra em crimes contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Dois réus contrataram serviços sexuais de três garotas de programa que estavam em um ponto de ônibus, mediante o pagamento de R$ 80 para duas adolescentes e R$ 60 para uma outra. O programa foi realizado em um motel. O TJMS absolveu os réus do crime de exploração sexual de menores por considerar que as adolescentes já eram prostitutas. E ressaltou que haveria responsabilidade grave caso fossem eles quem tivesse iniciado as atividades de prostituição das vítimas.

Alguns vão dizer que é uma questão técnica, de interpretação – como se o conhecimento da realidade e a subjetividade não influenciassem nessas decisões. Enfim, pimenta nos olhos das filhas dos outros é refresco.

Passando o município maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte sobre o rio Tocantins e entrando no estado homônimo, há um posto de combustível. Entre bombas de combustível e caminhões estacionados, meninas baixinhas oferecem programas. Entram na boléia por menos de R$ 30, deixando a inocência do lado de fora.

Prostituição infantil não é novidade. E nem é vinculada apenas a uma classe social: há denúncias e mais denúncias de políticos e empresários que alugam barcos e hotéis para consumir as crianças que compraram. Ou festas regadas a uísque nas grandes cidades. Mas é ruim quando a gente se depara com isso. Ver meninas que deveriam estar estudando para uma prova de sexta série vender seus corpos e encararem isso como parte da vida dá um misto de raiva e sensação de impotência.

Anos atrás, não muito longe dali, no Pará, me apontaram bordéis onde se podia encontrar por um preço barato “putas com idade de vaca velha”. Ou seja, 12 anos.

 “Ah, mas tem menina que gosta.”

E, por trás desta justificativa, muito homem que gosta ainda mais.

*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Yansã - Rita Ribeiro e Maria Bethânia

Praticante do candomblé, aluno de SP diz sofrer bullying após aula com leitura da Bíblia

Por Suellen Smosinski

 Do UOL, em São Paulo
Um estudante de 15 anos teria sido alvo de bullying em uma escola estadual de São Bernardo do Campo por causa de sua religião – o candomblé. As provocações começaram após o jovem se recusar a participar de orações e da leitura da Bíblia durante as aulas de história, ministradas por uma professora evangélica. O aluno cursa o 2º ano do ensino médio na escola Antonio Caputo, no Riacho Grande.
Segundo o pai do aluno, Sebastião da Silveira, 63, faz dois anos que o filho comenta que a professora utilizava os primeiros vinte minutos da aula para falar sobre a sua religião. “O menino reclamava e eu dizia para ele deixar isso de lado, para não criar caso. Ela lia a Bíblia e pedia para os alunos abaixarem a cabeça, mas isso ele não fazia, porque não faz parte da crença dele”, disse.
Silveira acredita que a atitude da professora incentivou os alunos a iniciarem uma “perseguição religiosa” contra seu filho. “No fim de fevereiro, comecei a achar meu filho meio travado, quieto. Um dia ele me ligou pedindo para eu ir buscá-lo na escola, quando cheguei lá tinham feito uma bola de papel cheia de excremento pulmonar e tacaram nas costas dele. Cheguei na escola e ele estava todo sujo”, contou.
Em outro episódio, fizeram cartazes com a foto de um homem e uma mulher vestindo roupas características do candomblé e escreveram que aqueles eram os pais do estudante. A pedido da família, o menino foi trocado de sala, mas não quer mais ir para a escola e apresenta problemas de fala, como gagueira, e ansiedade.
O pai disse que foi até a unidade de ensino para conversar com a professora de história sobre as orações antes da aula: “Ela se mostrou intransigente e falou que era parte da didática dela. Eu disse que se Estado é laico, alunos de todas as religiões frequentam as aulas e devem ser respeitados, mas ela afirmou que não ia parar”. Silveira já fez um boletim de ocorrência e pretende procurar o Ministério Público hoje (29) para pedir garantias na segurança do filho.
Segundo a presidente da Associação Federativa da Cultura e Cultos Afro, Maria Emília Campi, o bullying não foi só com o aluno, foi com a família toda. “A partir do momento que você tem professores que assumem uma posição religiosa dentro da sala de aula, exigindo uma atitude de submissão, a gente percebe que fica muito mais difícil combater o preconceito, porque a escola está incentivando o bullying”, afirmou.
Secretaria investiga o caso
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou, em nota, que “a Diretoria Regional de Ensino de São Bernardo do Campo instaurou uma apuração preliminar para verificar se procede a alegação do aluno”. Segundo a secretaria, uma equipe de supervisores foi até a unidade na terça-feira (27), para averiguar as primeiras informações.
De acordo com a nota, o proselitismo religioso nas unidades estaduais é vetado, em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases.
A reportagem do UOL entrou em contato com a diretora da escola que não quis se pronunciar e informou que todas as informações sobre o caso seriam repassadas pela Secretaria de Educação.

domingo, 25 de março de 2012

Zimbabwe, Caçadoras de esperma

No Zimbábue, homens evitam caronas após denúncias contra "caçadoras de esperma"

Governo está preocupado com gangues que roubam sêmen para ritual comum no país, o Juju

 Poucas mulheres no mundo tornaram-se mais temidas pelos homens ao longo dos últimos anos do que as do Zimbábue. No pequeno país africano de finanças frágeis e regime autocrático, homens estão sendo embriagados, torturados e sequestrados por mulheres que roubam seu sêmen para o uso em um ritual comum no país, o Juju.

 A imprensa local noticiou casos nos quais as vítimas foram drogadas ou até mesmo ameaçadas com facas e armas de fogo para que mantivessem sucessivas relações sexuais com a sequestradora. Há até mesmo relatos de mulheres que ameaçaram suas vítimas com cobras e obrigaram-nas a ingerir estimulantes sexuais. O resultado é sempre o mesmo – o sequestrador abandona sua vítima em alguma via deserta e logo depois desaparece.

 As chamadas “caçadoras de esperma” ficaram famosas no Zimbábue em 2009, quando a polícia prendeu três mulheres carregando 31 preservativos usados em uma sacola plástica. Desde então os ataques prosseguem e 17 homens já apresentaram denúncias de abusos.

 Susan Dhliwayo, uma jovem de 19 anos, conta que passava certa vez por uma rua e viu que homens pediam carona, hábito comum no país. Quando os pedestres perceberam que se tratava de uma mulher ao volante, recusaram o favor e disseram que não confiavam nela. “Agora os homens temem as mulheres”, explica.

  Em entrevista ao jornal britânico The Telegraph, o porta-voz nacional da polícia do Zimbábue disse que “não há números exatos sobre a quantidade de casos confirmados” e esclarece “a maioria desses casos acontece quando as vítimas estavam ganhando carona em veículos privados”. Por essa razão, o governo estaria “estimulando a população a utilizar o transporte público”.

O ritual Juju, destino mais plausível para o material saqueado pelas “Caçadoras de Esperma”, é uma tradição para a qual se atribui a atração de sorte e prosperidade. Watch Ruparanganda, sociólogo da Universidade do Zimbábue, confessa que "a questão é de dar um nó na cabeça”, mas aposta na existência de um negócio lucrativo por detrás dos casos.

 Enquanto o mistério não é desvendado, quem mais sofre são as mulheres, vítimas de preconceitos e generalizações por parte dos homens. Um grupo de defesa dos direitos das mulheres no Zimbábue criticou a ênfase que a imprensa do país atribuindo a essas ocorrências e argumenta que a gravidade das violências sofridas por mulheres diariamente não chega nem aos pés do choque ocasionado por esse tipo de abuso sexual contra homens. Para além do humor e da polêmica que ganharam de todo o país, as três mulheres presas em 2009 também receberam ameaças anônimas de morte.

sábado, 24 de março de 2012

Xangô - Cantata negra - Regente José Siqueira

Una `casa` di Candomblé in Piemonte – Itália.

Una `casa` di Candomblé in Piemonte, a pochi chilometri da Vercelli. Da poco più di un anno anche in Italia adepti e studiosi di questa importante religione afro-brasiliana possono contare su un luogo na `casa` di Candomblé in Piemonte, a pochi chilometri da Vercelli. Da poco più di un anno anche in Italia adepti e studiosi di questa importante religione afro-brasiliana possono contare su un luogo dove professare il proprio culto o partecipare a incontri divulgativi, o semplicemente presenziare a una delle feste organizzate dall`Adica, Associazione per la diffusione del Candomblé cui fa capo il nuovo terreiro. L`attività dell`associazione, che è stata fondata nel 1996, è ancora allo stato nascente, ma a essa fanno già capo un centinaio di persone sparse in tutto il paese e concentrate soprattutto nel triangolo compreso tra Milano, Torino e Genova. Tra gli associati, docenti, professionisti, studiosi, ma anche persone comuni che si sono avvicinate al candomblé dopo un viaggio in Brasile, ammaliate dalla magìa di suoni, colori e altre suggestioni che è possibile apprezzare durante le feste.

Il Piemonte come la Bahia, dunque, nel senso che tra le risaie del vercellese trova finalmente rappresentanza anche in Italia una importante religione della quale finora non si era vista traccia. Perché spesso viene ignorata, come è recentemente accaduto durante l`incontro organizzato dalla Chiesa italiana con i rappresentanti di altre confessioni, oppure perché `dimenticata` dai compilatori di dizionari e siti internet. L`Adica ha quindi colmato un vuoto, se si considera che in Italia gli appassionati di cultura brasiliana sono in continuo aumento e l`interesse per le tradizioni africane da cui questa religione discende non è sorto recentemente, ma - come fanno notare dalla sede dell`associazione - risale fino agli inizi del secolo scorso. Con la creazione del primo terreiro italiano, il sodalizio piemontese si autocandida a punto di riferimento nazionale per coloro che desiderino partecipare a cerimonie pubbliche, conferenze, seminari pratici di danza e cucina o semplicemente intendano comprendere il significato del candomblé. Nel semestre estivo l`Adica organizza una serie di attività, e il programma di quest`anno sarà reso noto alla fine di questo mese. Chi nel frattempo desidera documentarsi può consultare il sito dell`associazione (http://web.tiscali.it/adica/), recentemente arricchito dalle sezioni sulla Festa di Yemanjà e sul rapporto tra cucina e Candomblé. Ma che cosa è esattamente il Candomblé, e come si svolgono le attività nella casa sorta in via Gabiaccio ad Arboreo, a pochi chilometri dal capoluogo del vercellese? Lo abbiamo chiesto a Oscar Baccini, portavoce dell`associazione e Ogà dell`Ilé Axé Airà il quale, per rispondere alle nostre domande, ha a sua volta chiesto e ottenuto l`autorizzazione di Pai Mauro di Airà, Babalorixà, ovvero la figura che guida la comunità.

Può spiegarci sinteticamente cos'è il Candomblé?

Le rispondo in primis con una citazione, da Susanna Barbàra in "Danzando con gli Dei", rivista Missioni della Consolata, numero di ott-nov. 2000. "Cos'è il Candomblé, madre mia? - E' danza e musica, figlia mia! -. Così rispose "mae Teresinha", quando iniziai la ricerca su questa religione afro-brasiliana. Per comprenderne il fascino occorre aggiungere: ricchezza di colori e simboli, ricerca di armonia, equilibrio e consolazione, memoria storica e impegno di solidarietà". E poi: "Il Candomblé è un messaggio di felicità; è ricerca degli aspetti più gioiosi della vita". E poi ancora: "Il Candomblé si basa sulla conoscenza di se stessi; conoscenza ottenuta attraverso vere e proprie tecniche con cui raffinare sempre più la percezione del proprio essere, delle capacità e limiti personali, il contatto con la propria parte interiore e sacra...". Personalmente posso rispondere in diversi modi, non c'è una unicità di risposta. A seconda di come si affronta la domanda si possono trovare definizioni diverse, e spesso tutte esatte. Mi piace di più la definizione che le ho dato presa da un articolo della Barbara, studiosa del settore. Potrei naturalmente dire molte altre cose: è "una religione", oppure è "l'espressione della cultura afro-americana in Brasile", o è "una visione del mondo", ancora è "magia", o "una tecnica per ritrovare il proprio io e sentirsi realizzati". E' in realtà tutto questo e ancora di più. Nasce comunque dall'evoluzione delle credenze africane, e particolarmente dall'elaborazione effettuata nei secoli dagli schiavi africani nelle Americhe, dei loro miti, riti, culti e cultura. E' la forma più pura presente in Brasile, apparentata con forme similari sia in questo paese che in altri dell'America latina, la forma che meno ha subito influenze.

Come è nata l'idea di costituire in Italia un'associazione fondata sullo studio e la pratica del Candomblé?

L'idea non è nata dal nulla. Il terreiro - parola portoghese che significa casa, come l'equivalente termine yoruba Ilè - e l'associazione sono la conseguenza naturale della presenza in Italia di persone sia brasiliane che italiane praticanti il Candomblé, conosciuto in Brasile o nella stessa Italia, quando se ne è presentata la possibilità, per il formarsi di condizioni adatte, nella fattispecie la presenza di un Pai de Santo - Babalorixà italiano e di un gruppo di persone interessate. Esattamente come avviene in Brasile, il Pai de Santo ha aperto una sua casa, dando il via a una nuova comunità nel solco di una ininterrotta tradizione e filiazione, comunità che raccoglie chi si avvicina al Candomblé in Italia indipendentemente dalla sua nazionalità. Nello stesso tempo tutte le persone che sono state iniziate in Brasile hanno trovato un punto di riferimento più comodo in termini di distanza della loro casa di appartenenza a cui comunque continuano a fare riferimento. E che non hanno certamente abbandonato pur frequentando in certe occasioni la nostra casa per ritrovare parte di sé anche in un luogo lontano dal Brasile.

Ma perché occuparsi di una religione apparentemente lontana, geograficamente e culturalmente?

Non è stata una decisione di occuparsene, non è stata per nessuno di noi una scelta di occuparsi di qualcosa, vicina o lontana: lo abbiamo conosciuto e vi abbiamo liberamente aderito, perché evidentemente ciascuno di noi vi ha trovato una risposta o una soluzione, è stato un'incontro, diverso per ognuno, incontro in cui molti si sono ritrovati con se stessi. Culturalmente lontana? Non ne sarei così certo. Trova così lontana la musica latino-americana, il samba, il jazz, Jorge Amado, Obà dell'Ilè Axè Opo Afonjà in Salvador e attraverso il quale io personalmente ho scoperto per la prima volta questa realtà e me sono innamorato? La musica del carnevale Brasiliano, del resto, deriva molto dai gruppi legati ai terreiros di Bahia, che in occasione del carnevale sfilavano per strada con le loro percussioni. E che dire di Gal Costa, Dorival Caymmi, Clara Nunes? L'Afoxe, la banda Olodum (è un nome legato al candomblé), quello che come europeo trovi in Brasile a Cuba, Santo Domingo, spesso ha legami con le antiche credenze degli schiavi che in parte hanno salvato la loro cultura. Definirebbe culturalmente lontana la capoeira?

Per lo svolgimento della vostra attività è stato necessario ottenere un riconoscimento da parte di qualche istituzione religiosa brasiliana?

 In Brasile, come del resto a Cuba e nelle Americhe in genere, non esiste un riconoscimento formale nelle forme che possiamo pensare noi europei. Esiste una Federazione che raccoglie le case storiche e le case che da queste discendono, preservando la trasmissione del sapere e delle conoscenze. Tale Federazione è in grado di conoscere l'esistenza dei membri in qualsiasi casa in ogni parte del mondo e è referente, ad esempio, delle realtà culturali del paese (Università), e in certa misura dello stato brasiliano. Generalmente un praticante può raggiungere un livello che lo autorizza (abilita), lo rende in grado di svolgere la funzione di babalorixà o yialorixà. A questo punto è libero, se lo desidera, di aprire una sua casa, ma in ogni caso, tendenzialmente conserva i rapporti con la sua casa originaria, in una sorta di costante filiazione che si sviluppa nel tempo. Il membro di un terreiro è come il membro di una famiglia o di una tribù, e conserva rapporti di parentela-filiazione non solo con il suo Pai, ma anche con la famiglia allargata da cui il suo Pai discende. Ed esistono forme rituali, saluti appropriati, convenzioni sociali che regolano i rapporti fra i membri di case affiliate, come se si trattasse di fratelli, cugini, zii, nipoti, nonni, bisnonni, antenati, e membri di una famiglia allargata.

Ha visitato altre case di Candomblé?

Conosco non solo la casa di cui faccio parte e in cui sono stato iniziato, ma la casa a San Paolo del Brasile da cui discendiamo, l'Ilé Axé Odù, la casa di Pai Taunderà, e via via fino all'Ilé Axé Oxumaré, casa oggi retta da Pai P.C. (Pesse) in Salvador di Bahia, che è stata dichiarata Patrimonio Universale da parte dell'Unesco e in cui mi sono recato, accolto come un nipote giunto da lontano per conoscere le sue radici. In Brasile i terreiros sono comunque registrati come tali dallo stato, cosa ancora impensabile in Italia.

Ma il candomblé può essere praticato da chiunque senza aver frequentato corsi di formazione corrispondenti al catechismo cristiano?

Sì, esiste solo la pratica assolutamente libera, ciascuno secondo le proprie necessità

Perché avete scelto una sede situata in provincia e lontano da grandi centri?

E' stato scelto un luogo in campagna perché un terreiro è completo se può disporre di spazi. Inoltre è molto importante l'aspetto della natura: nel Candomblé la terra, l'acqua, i corsi d'acqua, gli alberi e la vegetazione sono praticamente necessari per una vasta gamma di motivi. Continuando a citarle l'autrice di cui sopra, "Il Candomblé si fonda sul culto della natura: cose, alberi, animali, persone sono sacre. Un'energia vitale, chiamata axé, circola in tutti gli esseri animati e inanimati, collegandoli insieme". Tutte queste cose, insomma sono presenti in campagna più che in città. Per quanto riguarda invece la lontananza da grandi centri, la nostra casa di Arborio è quasi in posizione strategica, situata come è tra Milano e Torino, e non così lontana da Genova.

Avete avuto difficoltà a far accettare la vostra presenza dalla popolazione del luogo e a integrarvi con essa?

Non vi sono stati problemi particolari: ottimi i rapporti con il sindaco, e i carabinieri del paese sono invitati a tutte le feste, anche se purtroppo sono troppo impegnati per intervenire. Per il resto normali amori e avversioni, tipiche di tutte le piccole comunità rurali.

I vostri membri praticano anche la religione cattolica o aderiscono esclusivamente al Candomblé?

 Se si vuole considerare il candomblé come una religione (per me, ad esempio è una veltanchau, cioè uno stile di vita), si deve comunque sgomberare il campo da equivoci. In ogni caso non è una "religione" totalitaria, liberi tutti di praticare il cattolicesimo o quant'altro, come del resto è ampiamente praticato nell'America latina. Ci si può accostare al candomblé in molti modi e tutti validi ed accettabili: per una ragione estetica, per curiosità, per necessità o per risolvere un problema. Anche per fede, se si vuole, per curiosità intellettuale; non vi sono dogmi o condanne, ci si può rimanere per tutta la vita o per un giorno: l'importante è trovarvi una soddisfazione e una propria armonia, ritrovare se stessi.

 In che modo organizzate la vostra attività di divulgazione? Realizzate conferenze, incontri, corsi o iniziative analoghe?

Poche attività di divulgazione, per ora. Da una parte non siamo una "religione" militante, non abbiamo la verità rivelata e per questo dover convertire necessariamente gli altri. Per chi non lo sa non abbiamo l'inferno (né i roghi dell'inquisizione, né le lapidazioni islamiche), e quindi il proselitismo, inteso come tale, non è per noi un obbligo come per altre religioni. Tuttavia da un punto di vista diciamo sociale nulla abbiamo in contrario a organizzare conferenze, incontri, corsi e altre attività. Qualcosa abbiamo già fatto, ma siamo solo agli inizi, e ci basiamo solo sulle nostre forze. Non dimentichiamo che le nostre feste così come in Brasile, sono feste pubbliche a cui chiunque è invitato.

Riuscite ad organizzare anche vere proprie feste religiose? Sono analoghe a quelle di terreiros brasiliani e in che cosa eventualmente differiscono?

Ogni terreiro organizza le feste degli Orixas, che come ho già detto sono feste pubbliche e quindi anche noi le organizziamo. Ma più che analoghe sono proprio le stesse, e eventuali differenze dipendono unicamente dalle capacità organizzative e dalle possibilità economiche o in termini di personale da parte di chi le organizza. Per una casa la festa è comunque un momento sociale importante, anche come presentazione all'esterno.

Qual è la collocazione sociale e culturale del vostro frequentatore medio?

Tra membri della casa e associati o amici c'è di tutto, dal professore universitario al disoccupato, dall'intellettuale all'analfabeta, dal benestante al povero.

Come vi finanziate?

La casa è completamente autofinanziata, non sono richieste somme ai visitatori o agli amici di altre case. Ogni membro della casa paga come può le feste che sono dedicate al suo Orixà, e che quindi possono risultare più o menoappariscenti. Per le spese correnti di gestione i membri della casa si autotassano come quota associativa per l'incredibile cifra di 10 Euro al mese, e tutto il resto è lasciato al loro buon cuore.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Africanos em Leiria - Portugal

Africanos em Portugal

Por Carlos Fontes

A presença de africanos em Portugal é mais antiga do próprio país. Vieram aquando das invasões muçulmanas no século VI, mas foi só depois do séc.XV que a sua presença em Portugal se tornou uma realidade incontornável, embora pouco estudada.

Escravatura. Após a conquista de Ceuta, em 1415, o número de negros aumentou de forma exponencial. Como é sabido Portugal tornou-se, entre os séculos XV e XVIII  numa enorme entreposto de escravos. Os que não eram vendidos para Espanha e outros países, eram usados em inúmeros actividades, suprimindo a constante falta de mão-de-obra que as explorações e o comércio marítimo provocavam.

Calcula-se que só no século XV terão vindo para Portugal mais de 150.000 escravos (cf. Vitorino Magalhães Godinho). No século XVI,  um em cada cinco habitantes da cidade de Lisboa era negro. A presença de africanos manteve muito significativa até ao final do século XVIII. Marques de Pombal, a fim de proteger ida de escravos par o Brasil, em 1761, pelo Alvará de 19 de Setembro, proíbe a sua entrada em Portugal. O trabalho de escravos terá continuado. Em 1773 é de novo decretada a sua proibição. Ainda em finais do século XIX, eram assinaladas algumas aldeias de Portugal onde a população era claramente de origem africana, como a de São Romão do Sado ou em Tolosa (Nisa). Estudos genéticos recentes revelam a presença de "sangue africano" de norte a sul de Portugal.

Influências Culturais. A vida de centenas de milhares de escravos para Portugal, influenciou naturalmente a vida quotidiana. No final do século XV, criaram a primeira Confraria em Lisboa, na Igreja de S. Domingos, dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Muitas outras confrarias foram depois criadas não apenas em Lisboa, mas também no Porto e em diversas cidades do país.

A presença dos negros na sociedade portuguesa era tão grande que entre o século XV e XIX aparecem com grande frequência na literatura, mas também são assinalados em inúmeros espectáculos populares. Em Lisboa, um das suas danças e cantares, o Lundum, acaba por dar origem ao Fado, a "canção nacional".

Branqueamento-Esquecimento. Até ao século XIX, a questão do cruzamento de raças parece ter pouca importância social. Portugal era de longe o país mais afro-asiático da Europa.A pigmentação da população aproximava-se mais de África do que da Europa.

Acontece que  as ideias racistas que se difundem por todas a Europa começam a  hierarquizam a inteligência dos povos em função da pigmentação da sua pele. Os cruzamentos são agora mal vistos, assim como também a descendência ou a simples presença de negros. O lugar dos negros é em África. Procede-se então a um lento trabalho de ocultação das marcas dos negros em Portugal, assim como do passado do país ligado ao tráfico de escravos. A vinda de negros torna-se um fenómeno cada vez mais raro, o que todavia nunca deixou de acontecer.

A viragem só ocorre, no inicio do anos 50 do século XX, quando a ditadura salazarista passa a defender que Portugal é uma nação multiracial. Este facto deu uma nova visibilidade aos negros em Portugal, mas não promoveu a sua vinda massiva.

Início da Imigração. Nos anos 60 do século XX, dois factos novos que mudam o quadro anterior: o inicio da guerra colonial e a emigração em massa de portugueses.Devido aos mesmos, entre 1960 e 1973  Portugal fica sem menos 900 mil potenciais trabalhadores. A escassez de mão-de-obra leva o governo a promover a vinda de mão-de-obra das antigas colónias, sobretudo de Cabo Verde, para suprir as necessidades na construção cívil e nas obras públicas. Calcula-se que entre 1963 e 1973 terão vindo legalmente para Portugal 104.767 caboverdianos.

25 de Abril de 1974. Com o fim das colónias, inicia-se a vinda de centenas de milhares africanos para Portugal. O número exacto é impossível de determinar. Por várias razões. A primeira é que face à lei que vigorou até 1981 (Dec.Lei 308/75), qualquer cidadão que tivesse nascido numa das antigas colónias portuguesas até à data da sua independência (1974/75) era para todos os efeitos um cidadão português. Um número indeterminado de africanos que estavam nestas circunstâncias, acabaram por regularizar a sua situação como cidadãos portugueses.

Os sucessivos conflitos armados que ocorreram nas ex-colónias após a Independência, foram sempre marcados pela vinda de importantes grupos de refugiados, na maior parte dos casos sem este estatuto. 

Explosão-Desintegração. Nos anos 80, numa altura em que Portugal mergulha numa profunda crise económica, assiste-se a um aumentou exponencial da imigração ilegal, originária sobretudo de Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, mas também de S.Tomé e Príncipe. As condições de acolhimento desta nova vaga de imigrantes foi a pior que se possa imaginar, agudizando-se os problemas sociais, nomeadamente devido às degradantes condições de trabalho e de habitação em que viviam.

Em 1991, o SEF registava 113.978 imigrantes legais, dos quais 40% (45.795) eram oriundos dos Palop`s. O número efectivo dos africanos que residiam em Portugal ao certo ninguém sabia . A única certeza que se tinha é que a maior parte estava ilegal.

Os problemas da integração de um número tão elevado de imigrantes foram-se agravando, devido à contínua chegada de novos imigrantes ilegais e à incapacidade do Estado para resolver muitos problemas estruturais (habitação, assistência social, apoio familiar e educativo, etc). O resultado foi o aumento da exclusão social, com todos os problemas que isso implica, em largos estratos da população africana residente em Portugal. Um dos problemas mais graves prende-se com a questão da cidadania destes imigrantes. Muitos dos nasceram em Portugal, filhos de país africanos, não se identificam nem como portugueses, nem como africanos. A própria lei não lhes facilita a aquisição da nacionalidade portuguesa.

Em meados dos anos 90 o problema do africanos atingiu em Portugal, tais dimensões que o Estado começou finalmente a encarar o problema, como uma questão nacional que urge resolver.

Novos Contextos. Devido às profundas mudanças na composição da imigração neste inicio do século XXI, africanos têm sido fortemente penalizados. Na verdade, a maioria dos novos imigrantes, oriundos sobretudo do Leste da Europa (Ucrânia, Moldávia, Roménia e Russia), mas também do Brasil, compete agora no mercado de trabalho com os africanos, mas com enormes vantagens comparativas, dado que possuem melhores habilitações escolares e profissionais. Este facto voltou de novo a agravar a difícil situação dos africanos em Portugal, exigindo da parte do Estado medidas mais adequadas.