segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Carnaval, de Tarsila do Amaral

La Traviata, Verdi e Strepponi

Durante os anos em que Verdi estava trabalhando em La Traviata, ele enfrentou uma situação pessoal que espelhava seu projeto: seu relacionamento com Giuseppina Strepponi, uma antiga prima-dona. Antes que eles se casassem, os aldeões do pequeno vilarejo italiano onde viviam, viam a coabitação dos dois como imoral e vergonhosa. A vida comum deles (que durou mais de cinqüenta anos) influenciou uma das mais trágicas óperas de todos os tempos.

Verdi e Strepponi conheceram-se em 1839, quando Giuseppina era o esplendor de Milão e Verdi era virtualmente um jovem compositor desconhecido. A amizade deles amadureceu quando a soprano, usando sua influência com o empresário do Teatro La Scala, tornou possível a apresentação de Oberto, a primeira ópera de Verdi. Naquele tempo, Verdi tinha um casamento feliz com Margherita Barezzi, com quem havia tido dois filhos. A morte abateu-se sobre a pequena família e, quando Verdi retornou a Milão após ter visto primeiro sua filha, depois seu filho e finalmente sua amada esposa morrerem, ele acolheu de bom grado o conforto espiritual oferecido por Strepponi, uma mulher de rara sensibilidade e capaz de emoções profundas.

Sua voz em decadência fez com que Strepponi se retirasse do palco da ópera, mudando-se então para Paris. Verdi permaneceu em Milão até junho de 1847, quando, a caminho de Londres para a estréia de I masnadieri, passou por Paris. Se Verdi e Strepponi começaram sua intimidade em Paris, ou se continuaram o relacionamento que poderia ter começado em Parma já em 1843, ninguém sabe. A vida em comum dos dois, começou, como a de Alfredo e Violetta, em um apartamento parisiense no verão de 1847.

Com sua "Peppina", Verdi encontrou a felicidade que quase havia esquecido. Sua companheira era encantadora, inteligente, sensível, culta, uma lingüista esplêndida e la parisienne parfaite (a parisiense perfeita), como a chamou um famoso editor de Paris. O casal freqüentava os salões mais importantes onde a popular soprano, capaz de cantar de forma soberba para pequenos grupos mesmo que não fosse capaz de cantar em teatros, interpretava a música de Verdi e tornou o compositor ainda mais famoso em Paris do que já era. Entretanto, o casal logo decidiu evitar a vida pública, preferindo a privacidade da vida do campo. Deixaram a cidade, mais uma vez como Violetta e Alfredo, e foram viver em uma pequena vila em Passy, no país onde eles poderiam ficar sossegados e juntos.

O casal permaneceu em Passy, enamorados um pelo outro e pela vida do campo, até que as notícias das revoluções perturbaram o patriótico Verdi, e ele resolveu voltar para a Itália. Verdi e Strepponi prepararam sua casa em Sant'Agata, onde o compositor comprou uma propriedade, e voltaram à sua terra natal no início de agosto de 1849.

O idílio parisiense terminou, mas não a Traviata da vida privada de Verdi. Como os amantes do romance de Dumas, Verdi e Strepponi enfrentaram padrões morais inflexíveis. Em Busseto os provincianos italianos de mentalidade estreita mantiveram-se afastados da "Violetta" de Verdi, deixando-a sozinha no banco da igreja e evitando-a explicitamente nas ruas. Os fuxiqueiros perceberam, com presumida satisfação, que a saúde de Giuseppina era fraca, um castigo para ela, sem dúvida.

Verdi foi repentinamente atacado por todos os lados, por um grupo de "Velhos Germonts", formado tanto por homens como por mulheres. Verdi não dava atenção a toda a calúnia, muita dela em críticas faladas. Assustadoramente indiferente a todos durante toda sua vida, o distante compositor nem se preocupava nem cuidava da opinião pública, pelo menos não aos olhos dos estreitos camponeses.

Verdi escutava somente os protestos de um homem: seu benfeitor e amigo Antonio Barezzi. Pai da primeira esposa de Verdi, Barezzi era um pai para Verdi também e, quando ele protestou sobre a exposição da amante do compositor (como pensavam os camponeses, embora Verdi e Strepponi vivessem vidas separadas), o idoso Barezzi recebeu de Verdi uma das mais longas cartas escritas pelo compositor. É também uma das mais importantes, pois revela muito da própria mentalidade de Verdi e poderia ter sido escrita por Alfredo Germont para seu pai. Datada de janeiro de 1852, e enviada de Paris, a carta foi impressa pela primeira vez no Copialettere di G. Verdi.

Verdi escreveu: "Você vive em um lugar onde se tem o diabólico hábito de se imiscuir freqüentemente nos assuntos dos outros e de desaprovar tudo que não seja conforme às idéias deles; eu, normalmente, não intervenho, se não for consultado, nos assuntos dos outros, precisamente porque insisto que não interfiram nos meus …

"Não é nenhuma dificuldade levantar a cortina que revelará os mistérios fechados entre quatro paredes e contar-lhe minha vida no lar. Não tenho nada a esconder. Em minha casa vive uma mulher livre, independente, como eu uma amante da vida solitária, que tem a sorte que a defende de qualquer necessidade. Nem eu nem ela damos um a outro conta das nossas ações, mas, por outro lado, quem sabe quais relações existem entre nós? Que assuntos? Que direitos eu tenho sobre ela e ela sobre mim? Quem sabe se ela é ou não minha esposa? ... Quem sabe se é bom ou mau? E se for mau, quem tem o direito de maldizer?"

"Quem sabe se ela é ou não minha esposa? ", pergunta Verdi. O fato é que, em 1852 e durante alguns anos, Strepponi não era a esposa de Verdi. Diversas razões já foram levantadas para a prolongada e desnecessária vida como amantes e esposos.

Nenhum "Germont pai" ficou entre eles. Nem eram casados. O que os mantinha separados então? O remorso de Giuseppina parece ter sido o principal obstáculo entre eles. Não seria muito difícil acreditar que ela tivesse um "complexo de Violetta", se tal coisa existisse. De uma natureza penitente e humilde, Strepponi era também uma amante da La Dame aux Camélias de Dumas, que ela havia lido quando da sua publicação em 1848. Ela havia ssistido, juntamente com Verdi, o drama em sua primeira apresentação em Paris, em fevereiro de 1852, no Teatro de Vaudeville.

"Oh, meu Verdi," escreveu Giuseppina em uma grande carta comovente, "Eu não o mereço, e o amor que você tem por mim é um presente, um bálsamo para um coração que muitas vezes está triste sob a aparência de felicidade. Continue a me amar mesmo após a morte, quando eu me apresentar perante a justiça divina, enriquecida pelo seu amor e pelas suas preces, Oh meu Redentor!" Mesmo um ouvido não orientado pode escutar nas palavras de Strepponi "Continua ad amarmi, amami, anche dopo morta" o eco de interpretação do coração não de Marguerite Gautier, mas de Violetta Valéry.

Violetta não é Marguerite Gautier, que reteve, mesmo em seu arrependimento, um rancor contra "o mundo inflexível". Violetta é Giuseppina Strepponi, humilde, pesarosa, adorando seu redentor. Musicalmente e verbalmente, Violetta é mais fina, mais inteligente, mais sensível que a cortesã delicada de Dumas. O drama de Violetta é o dos amantes, não de uma jovem galanteadora que procura uma ascensão como uma amante profissional. O mundo de La Traviata é a Paris de Giuseppina de 1847, não o de Marguerite. O salão é um salão de amigos, Flora é uma companheira e não uma alcoviteira.

Strepponi teve uma participação na preparação de La Traviata. Sem dúvida, ela é responsável pela sua afinidade com Violetta. Uma carta de 3 de janeiro de 1853, indica que Giuseppina tomou parte da composição da ópera, glorificada aqui, hesitante ali, e, como declara um crítico, "evocando o espírito que melhor respondia ao espírito de seu coração ."

O libretista Piave também conhecia a situação de Verdi e Strepponi muito bem. Ele abriu mão do cinismo pelo sentimento genuíno quando escreveu La Traviata e, quando escreveu a fala torturante de Germont "Il passato, perchè perchè v'accusa?", Piavi pode muito bem ter pensado no sentimento de remorso de Strepponi, cujo passado realmente a acusava, um passado que incluía duas crianças ilegítimas.

Aquela Giuseppina sentiu uma afinidade especial com Marie que nós conhecemos através de suas cartas, falando do seu amor pelo romance. Em seu temor da tuberculose, da morte, da mão punitiva de Deus, ela está perto do personagem de Marie-Marguerite-Violetta. Uma de suas cartas datada de 2 de março de 1853, está assinada como "Il tuo povero Livello", uma frase carregada de um significado impressionante. Livello é um substantivo em italiano, é uma peça de propriedade mantida em aluguel, e parece ter sido usada para referir-se a uma mulher ou cortesã sob a proteção de um amante, cujo "Livello" ela gostaria realmente de ser.

Na Saboia italiana em 29 de abril de 1859, Verdi e Strepponi foram casados pelo Abade Mermillod, terminando assim o pesadelo de sua Traviata pessoal.

Resumo do livro: Antropologia para quem não vai ser antropólogo

Por karlinha A. Mirelle
  1. I. O que é, como surgiu?
  2. 1. O que é Antropologia?
O estudo das Ciências Sociais é motivo de grandes questionamentos quanto a sua utilidade. Afinal, o desconhecido de tal matéria é praticamente geral, mesmo entre os estudantes.
Além de que existe um grande pensamento equivocado em relação ao protótipo do antropólogo, onde ele é visto como alguém da selva, em busca de aventuras e de desvendar histórias.
E muitas pessoas também os confundem com outros tipos de profissionais relacionadas com a pesquisa histórica, como os arqueólogos, ou até com os paleontólogos, ao imaginar que eles estudam os fósseis ou algo relacionado.
Outra complicação à cerca da Antropologia é quanto ao significado de seu nome, que diz ser o estudo do homem, mas atualmente este é um conceito inválido, mesmo porque não tem um sentido próprio e abranda o geral.
Entretanto, a Antropologia não tem um conceito claro, ela é um conjunto de estudos e pesquisas das coisas que estão no nosso meio social, seja em relação à educação, à política, etc., envolvendo desde os índios até a sociedade contemporânea.

  1. 2. Como surgiu? Um pouco de história
A Antropologia surgiu na Europa, aproximadamente no século XI, e foi motivo de várias comparações com a Sociologia, já que iniciaram da mesma forma devido aos contextos sociais intelectuais, econômicos, políticos e culturais, sendo a Sociologia uma ciência da sociedade industrial, sociedade esta que prevalecia na época.
Já a Antropologia teve uma forte ligação com o surgimento do capitalismo, sendo este parte de sua origem histórica refletido nas teorias dessa ciência. Além disso, sofreu influências do positivismo, do evolucionismo, entre outras correntes.
  
  1. 3. Evolucionismo Social e Positivismo, Meio e Raça.
3.1 Evolucionismo Social
O meio europeu daquela época teve fortes influências das Ciências da Natureza, nas quais se destacaram os intelectuais Pierre Lamarck e Charles Darwin, ambos com teorias que tratavam da evolução da sociedade que representaram um grande avanço.
Para Lamarck, as sociedades evoluíam por conseqüência de mudanças e adaptações no meio ambiente. Para Darwin, a evolução do indivíduo se dava por meio de uma seleção natural. Mas ambas tinham a mesma idéia de que o ser humano ia do mais “simples” para o mais “complexo”, enfim, que ele evoluía.
E, por isso, vários outros pensadores da época resolveram adotar esse método, inclusive os antropólogos, que levaram vários de seus aspectos para a ciência da Antropologia.
A partir daí, antropólogo Henry Lewis Morgan criou uma concepção de que existia humanidade selvagem, bárbara e civilizada, por critério de evolução. Já James Frazer afirmou uma evolução do pensamento, onde ele teria estágios que seriam magia, religião e ciência.
Mas essa idéia evolucionismo só teve realmente critério na sociedade Européia, porque os mesmos se classificavam evolutivamente, considerando-se civilizados e tinham as colônias como primitivas.

3.2 O Positivismo
O Positivismo também surgiu a partir das Ciências da Natureza, mas era levado para um lado mais racional dos pensamentos ainda que com a ajuda dos meios naturais, nascendo a Sociologia positivista através de Auguste Comte.
Para ele, as explicações dos homens para os fenômenos teriam passado por três fases: a teleológica ou fictícia, a metafísica ou abstrata e a científica ou positivista, onde as explicações seriam baseadas em ações sobrenaturais, em especulações filosóficas e nos métodos científicos, respectivamente.
E, por isso, com o tempo, os antropólogos e sociólogos, passaram a não ter mais interesse em estudar a sociedade de acordo com o meio natural e sim a ver o homem social como um ser racional.
Mas é importante destacar que mesmo que a Antropologia e a Sociologia tenham mudado o método de suas pesquisas, existe ainda sim a presença do evolucionismo e do positivismo no nosso modo de pensar e ver a vida social.

3.3 Meio e Raça
Durante algum tempo, a idéia do determinismo geográfico foi muito utilizada para explicar as diferenças das regiões ou para explicar porque um lugar é mais desenvolvido do que o outro, dando como reposta que o tempo quente ou frio nos torna mais trabalhador ou mais preguiçoso, respectivamente, tendo o homem como um “produto do meio”.
Mas a Antropologia mudou essa perspectiva ao afirmar que mesmo as sociedades que são semelhantes geograficamente ou climaticamente possuem diferenças em relação à cultura, já que é uma questão de seletividade e não de causa e efeito.
O determinismo biológico também foi bastante utilizado, ao comparar as raças com o nível de desenvolvimento da sociedade, tanto que nos Estados Unidos, até pouco tempo, os negros eram considerados inferiores.
Entretanto, é indispensável dizer que as mudanças sociais são freqüentes e umas são mais fáceis de serem vistas do que outras, seja internas no próprio meio ou com a influência de outras culturas, através, atualmente, da globalização.
Nesses casos, a Antropologia se baseia principalmente na História, nos levando a entender que há uma grande diversidade cultural entre as sociedades, mas que são apenas diferenças e não desigualdades geográficas ou biológicas.

  1. 4. Etnocentrismo
O Etnocentrismo seria a nossa maneira de se portar em sociedade que traz vários conflitos e dificuldades para a Antropologia, em termos metodológicos ou políticos.
Seja quando nossa cultura social e individual, que obtemos desde pequenos, prevalece sobre outras realidades ou quando temos idéias baseadas na raça e no meio, tornando as convicções de uma sociedade superior a de outra.
E o desafio da Antropologia seria o de descobrir a relatividade da nossa cultura e das outras culturas, tanto em relação aos nossos princípios, quanto ao que nos motiva a pensar politicamente sobre um determinado ponto de vista.

 II. E as visões foram mudando…
  1. 1. O trabalho de campo: o antropólogo “dança com lobos”.
Surge uma Antropologia moderna através de pesquisas e coletas de dados, ou seja, a partir de uma etnografia, que mudou a visão do antropólogo em relação às sociedades estudadas.
E essa seria uma das características da Antropologia, onde podemos citar como exemplo o filme “Dança com Lobos”, em que o personagem principal adquire aos poucos a cultura Sioux a partir de uma convivência efetiva com locais.
Um dos grandes representantes que usou a etnografia foi Malinowski, que acrescentou várias técnicas a ela e métodos que a desenvolveram. A partir daí surgiu uma Antropologia visual e um registro livre do discurso, que ainda forneceu métodos para o evolucionismo social e o etnocentrismo.
Mas, em contrapartida, o autor Franz Boas superou esse conceito do evolucionismo e do etnocentrismo ao dizer que existia um “relativismo cultural”, ou seja, que as sociedades deveriam ser compreendidas relativamente.
E foram esses autores, Malinowski e Boas, que modernizaram a Antropologia considerando o trabalho de campo o maior método dessa ciência.

  1. 2. Enquanto isso, na França.
Para os franceses, as diferenças entre a Sociologia e a Antropologia praticamente não existem, devido a terem recebido influências de pesquisas empíricas e por terem uma concepção mais intelectual, sem a necessidade das pesquisas de campo.
Por isso, Émile Durkheim quis mostrar que a Sociologia possuía características individuais. Não tinha nada haver com a concepção biológica dos seres humanos ou com a subjetividade efetiva da psicologia, e sim que a sociedade está no interior de nós a partir de um processo que vai desde quando nascemos até a vida adulta.
Durkheim afirmava que a anterioridade e a exterioridade do indivíduo são refletidas por meio da educação, seja escolar ou familiar.
Ele também dizia que até o nosso modo de sentir e pensar é absorvido da sociedade e aprendido nela, dando origem ao que ele chamou de Fato Social, da Sociologia, com uma idéia de que é coercível ao indivíduo.
Em concordância, a Antropologia diz que nossos pensamentos são oriundos de uma vida social, onde nos relacionamos com os outros.
Marcel Mauss, posteriormente, concluiu um conceito de Fato Social Total, mais evolutivo e desenvolvido do que o fato social de Durkheim porque envolve vários elementos da sociedade em uma única vez, como no Natal, onde todos os nossos atos sociais se realizam para uma finalidade única e geral, que seria o dar e receber de presentes.
  III. O olhar antropológico
  1. 1. Tão diferentes, tão iguais: somos todos “tribais”.
Uma coisa que nos motiva é a curiosidade em entender todos os elementos e conceitos de outras sociedades para descobrir como realmente é a cultura que seguimos e respeitamos, a partir de comparação entre as diferenças.
Um exemplo disso é sobre as atividades tribais que tem relações com o nosso consumo na sociedade, já que ambas tentam tomar o símbolo pela coisa simbolizada, levando à conclusão de que somos todos tribais.
Outro exemplo diz questão ao totemismo, onde nas sociedades tribais há uma ligação entre a natureza e a cultura e nas atuais essa mesma relação se dá no mesmo sentido envolvendo a publicidade, onde nós transformamos objetos não-humanos em coisas culturais e não a natureza.
Além desses casos, podemos perceber que temos ainda muitas características indígenas, como o ato de visitar parentes.
Isso só confirma o que nós já concluímos, que a Antropologia é uma ciência muito extensa abrangendo diversos assuntos, desde os exóticos ao familiar.

  1. 2. A experiência da pesquisa: o “estar lá”.
Uma das várias características da Antropologia e a de que ela tem relação com a quantidade movida pelo interesse do antropólogo em se aprofundar no assunto, para obter o que se deseja.
E para isso é preciso “estar lá”, ou seja, participar da vida social e da cultura do lugar, voltando ao caso da etnografia.
Esse trabalho consiste em observar diretamente o que acontece na sociedade, e para isso é preciso que tenha uma estreita relação humana, com respeito por parte das pessoas envolvidas.
O escritor Anthony Seeger, a partir de uma convivência com os Suyá, pôde definir alguns aspectos que seriam importantes para o trabalho de pesquisa: participar do cotidiano e “olhar”.
Por fim, pode-se entender que a Antropologia se baseia em uma totalidade e não em métodos, onde o “olhar” e o “estar lá” têm forte influência.
Claro que ela é bem mais abrangente do que tudo que se falou, mas temos que saber que nós somos cidadãos e que estamos numa sociedade em processo cultural, e é aí que entra a diversidade da Antropologia.

Ecumenismo em Salvador, Bahia

Por Jaime Sodré

É  inegável a aliança com os de “Boa Vontade”, não importando as matizes, Pastor Djalma Torres, Pastor Sargento Carneiro e Sargento Espírito, dentre outros, entram para a historia no bloco dos que sabem viver a “Unidiversidade”.
Esses abençoados são articuladores do “banimento da postura caracterizada pela intolerância”. Enquanto alguns jogam pedras nas “árvores do pomar”, exercendo a ignorância, outros contemplam os diversos sabores, sabendo que a beleza está no contraste.
Permita-me competente jornalista Cleidiana Ramos, excelência em pessoa, utilizar deste espaço para colocar a disposição de todos os documentos que seguem, destacando o seu marco histórico.
Jaime Sodré é historiador, professor universitário e religioso do candomblé
NÚCLEO DE ESTUDO DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E INDÍGENA – NEAFRO
Leitura alusiva ao NEAFRO
Nilson Conceição do Espírito Santo – 3º Sgt EB
O NEAFRO nasceu da inquietação dos militares e servidores civis, fiéis de religiões afro-indígenas brasileiras, do Quartel General e da Companhia de Comando da 6ª Região Militar, em consequência dos mesmos não terem a mesma liberdade de realizar seus cultos ou expressarem sua espiritualidade nas ocasiões das atividades religiosas oficiais.
A legislação do Exército que rege atualmente as atividades religiosas, somente contemplam as práticas ou celebrações cultuais para os públicos católico, evangélico e espírita. Após alguns questionamentos feitos aos comandantes militares locais sobre a possibilidade de se autorizar a contemplação de outras expressões, a exemplo do Candomblé e da Umbanda, nas atividades religiosas oficiais da Força, sempre enfrentou-se a resistência de dois argumentos: o primeiro era que as portarias ministeriais e internas do Exército não regulavam outras atividades além da católica, evangélica e espírita; o segundo argumento era que o quantitativo de fiéis de matriz africana e indígena, registrados nos censos religiosos do Departamento Geral de Pessoal do Exército seria quase nulo.
Diante de tais recusas, aproveitou-se da ocasião da visita do Arcebispo Militar do Brasil (autoridade religiosa católica vinculada ao Ministério da Defesa, no comando do Ordinariado Militar), Dom Osvino Both, acorrida em 2010, para perseverar nos questionamentos anteriormente realizados, sendo que, daquela vez, foi lida neste mesmo auditório que nos encontramos hoje, em alto e bom tom para todos os presentes na ocasião, incluindo o genenal-comandante e outros comandantes da Organizações Militares (EB) da Guarnição de Salvador, da época, o inciso VI, do Art. 5º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, referente aos Direitos Individuais e Coletivos, dentro Dos Direitos e Garantias Fundamentais, os quais são “cláusulas pétreas” (cláusulas que não podem ser modificadas), a seguinte prescrição: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e liturgia”.
Logo em seguida, foi solicitado à referida autoridade eclesiástica, representante do Ministério da Defesa, que fosse providenciado um novo censo religioso para a 6ª Região Militar, com a finalidade de levantar o quantitativo e o percentual de declarantes de religiões de matriz afro-indígenas, alegando-se ainda, que a não inserção de tais religiões nas atividades oficiais religiosas, feria preceitos e garantias constitucionais, os quais não poderiam ser contrariados por legislações subalternas, a exemplo das portarias ministeriais.
Dois meses após da visita do Arcebispo Militar, chega a ordem para a realização de um novo censo religioso em todo o Exército, o qual, no âmbito da 6ª Região Militar, foi prontamente realizado, consolidado e remetido à Brasília. É importante destacar que o resultado do aludido censo religioso, constituiu-se de importante subsídio para a reiteração da solicitação que anteriormente havia sido negada, sendo que naquele segundo momento, fora emitida ordem do Sr Comandante da 6ª Região Militar, o então General de Divisão João Francisco Ferreira, determinando que a Capelania Militar incluísse em suas atividades, as religiões de matriz africana e indígena (Candomblé e Umbanda).
Dentro deste contexto, visando planejar, organizar e executar as reuniões afro-indígenas que vêm ocorrendo todas as primeiras quintas-feiras de cada mês, foi organizado o Núcleo de Religiões de Matriz Africana e Indígena (NEAFRO), inspirado no Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar da Bahia (NAFRO/PM-BA), com a essencial ajuda e suporte de dois grandes guerreiros, o Tata Eurico de Obaluaê, Coordenador do NAFRO e sacerdote do Terreiro Aloyá em Itapuã, e ainda, o Pai Raimundo de Xangô, sacerdote do Centro Umbandista Paz e Justiça, que não mediram esforços para garantir a consolidação da conquista recente. Tais companheiros de caminhada estiveram e continuam participando ativa e prontamente de todas as etapas do NEAFRO, o qual ainda engatinha e tenta ficar sentado, como um bebê que se desenvolve com o passar dos dias.
Em abril de 2011, veio mais uma conquista, quando planejamos, organizamos e executamos, pela primeira vez, a participação do NEAFRO nas atividades religiosas oficiais alusivas às comemorações da Semana do Exército, o que aconteceu na Escola de Formação Complementar do Exército, no bairro da Pituba.
É importante lembrar que as coisas não têm sido fáceis para que as reuniões aconteçam, pois muitos obstáculos ainda são colocados na trajetória de quem organiza, impossibilitando às vezes, que reuniões como essas aconteçam, obstáculos tais, que não fazem parte da realidade dos militares espíritas, menos dos evangélicos e muito menos dos católicos. Mas, felizmente soube-se contornar com sabedoria tais óbices.
E hoje, de volta a este auditório, onde tudo começou, desfrutamos dos resultados de uma série de batalhas, que foram vencidas, mesmo parcialmente, para participamos da Páscoa dos Militares de 2011, o que só foi autorizado, no âmbito do Exército Brasileiro, no último dia 28 de junho, o que gerou uma corrida contra o tempo, sem recursos, com algumas dificuldades de atendimento das necessidades de material e pessoal. Mas, com muito trabalho e força de vontade, oferecemos hoje esta singela amostra da força do Axé.
Um exemplo das dificuldades pode ser observado no cartaz oficial da Páscoa dos Militares, onde não consta a reunião de matriz africana e indígena, sem contar que no âmbito das outras forças (Marinha e Aeronáutica) continua apenas a trina contemplação de católicos, evangélicos e espíritas. Por este motivo, torna-se dever de justiça enaltecer a postura do atual Comandante da 6ª Região Militar, General de Divisão Gonçalves Dias por vir propiciando e incluindo a participação dos cultos de matriz afro-indígenas em todas as atividades religiosas da 6ª Região Militar.
Conclui-se então, que o NEAFRO encontra-se apenas, no início de sua trajetória, pois quem passou por séculos de escravidão e genocídio (africanos e indígenas) e sobreviveram vigorosamente lutando por dignidade até os dias de hoje, jamais serão vencidos.
E é neste contexto de luta pelos direitos à vida, ao respeito e, à dignidade humana que o NEAFRO dedica este momento a todos que, em suas veias correm o sangue negro e o sangue indígena, ou seja, a todos os brasileiros que carregam consigo a contribuição de nossos ancestrais, africanos ou indígenas, que construíram com o próprio sangue o país que hoje chamamos Brasil.
Salvador, 08 de julho de 2011.
Axé, Bahia, Brasil!
NÚCLEO DE ESTUDO DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E INDÍGENA – NEAFRO
TEXTO DE ABERTURA DA REUNIÃO DE 08 DE JULHO DE 2011 (PÁSCOA DOS MILITARES)
Esta reunião faz parte da Páscoa dos Militares, mas o que é a Páscoa dos Militares? É uma atividade de caráter religiosa realizada no âmbito da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, das Polícias Militares e das Corporações de Bombeiros, que acontece em todo o território nacional uma vez por ano.
A Páscoa, propriamente dita, enquanto festa religiosa, tem origem judaica sendo, posteriormente, ressignificada pelo cristianismo, não havendo relação sagrado-religiosa com as religiões de matriz africana e indígena. Este era o principal argumento, para não se promover, a participação de outras expressões religiosas como o Candomblé e a Umbanda nessa atividade religiosa.
Mas a partir de hoje, neste exato momento, todos nós, presentes neste auditório, estamos atribuindo um significado afro-indígena-brasileiro à essa atividade: o significado do respeito, da valorização, do reconhecimento e da sacralidade do sentimento religioso, daqueles e daquelas que até há pouco tempo eram impedidos de expressar a sua fé nas atividades religiosas oficiais das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corporações de Bombeiros, como ainda acontece na maioria dos estados federados do Brasil.
Até o ano de 2010, na Páscoa dos Militares, somente eram realizados, missas, cultos evangélicos e reuniões espíritas, nas referidas forças ou corporações, não havendo abertura para a participação de outros segmentos religiosos, nem na Páscoa, nem nas demais atividades religiosas dos quartéis, com a exceção das Polícias Militares de alguns Estados, entre estes, a Bahia, através do Núcleo das Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar da Bahia (NAFRO/PM-BA).
Mas esta situação está mudando. Todos nós neste auditório estamos sendo protagonistas de um fato histórico, pois damos início, aqui e agora, na inserção dos cultos afro-indígenas, nas atividades oficiais da Páscoa dos Militares, no âmbito do Exército Brasileiro através de um evento não só “religioso”, mas também, “político” e “jurídico”, no sentido de ser derrubada mais uma barreira do preconceito e do não-reconhecimento da herança africana e indígena da população e da cultura brasileira, que se expressa através do sentimento religioso de cada um de nós. Axé!
Salvador, 08 de julho de 2011
Ontem foi um dia muito especial para mais um passo na batalha pela defesa da liberdade religiosa e contra a intolerância. Pela primeira vez desde 1920, representantes das religiões de matrizes africanas participaram da comemoração da Páscoa Militar, organizada pela representação do Exército em Salvador (a VI Região Militar).
O evento foi no Quartel da Mouraria e contou com a participação de sacerdotes e sacerdotisas ilustres das religiões afro-brasileiras em Salvador, como Tata Anselmo do Mokambo; Babá PC do Oxumaré; Ebomi Nice de Oyá da Casa Branca;  professor Jaime Sodré; Tata Eurico; Tata Esmeraldo Emetério, dentre muitos outros.  Dentre os representantes de outras religiões, destaque para o querídissimo pastor Djalma Torres, que tem um belíssimo trabalho na área de promoção do diálogo interreligioso, e o pastor Fernando Carneiro que segue este caminho também.
A vitória é do Neafro (Núcleo de Estudos das Religiões Afro Indígenas do Exército) que surgiu no ano passado já sob a inspiração do Nafro-PM (Núcleo de Estudos das Religiões de Matrizes Africanas da Polícia Militar da Bahia) .
Há seis anos, liderados pelo tata de inquice e bravo sargento Eurico Alcântara, um grupo de PMs procurou o comando da PM para questionar o porquê das religiões de matriz africana não ter representação num congresso religioso da corporação. Receberam a resposta que eles não estavam organizados. Eles então pediram a autorização e o grupo que era formado por apenas seis aumentou em um mês para 200 PMs que declararam seu pertencimento afrorreligioso.
A experiência e sucesso do Nafro PM serviu de base para o surgimento de uma associação parecida na PM de São Paulo e agora no Exército. Já há, inclusive, a mobilização para ações semelhantes também na Marinha e Aeronaútica.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Dança dos Tapuios, de Albert Eckout em 1641

Disparate antropológico

Por, Kátia Abreu, senadora (PSD-GO) e presidente da Confederação Nacional da Agricultura.

Imaginem a seguinte situação. Em uma cidade qualquer de nosso país, há um terreiro de umbanda, em que a mãe de santo é branca, assim como vários membros desse culto religioso

Imaginem a seguinte situação. Em uma cidade qualquer de nosso país, há um terreiro de umbanda, em que a mãe de santo é branca, assim como vários membros desse culto religioso. Seguem certos ritos que os irmana em uma mesma crença, herdada de antepassados negros. Vivem entre outras casas, em harmoniosa relação de vizinhança. Nada nesta descrição é inusitado, considerando o algo grau de interação racial e cultural de nosso país.

Se perguntássemos a qualquer pessoa que congregação é essa, a resposta seria simples. Trata-se de um culto, herdeiro de uma tradição cultural africana, que abriga pessoas das mais distintas procedências raciais, sociais e sexuais. A ninguém ocorreria, porém, dizer que se trata de um "quilombo". Seria disparatado.

No entanto, é o que está acontecendo no país. Já não se trata de uma descrição da realidade, mas de uma construção fictícia fruto do que certos antropólogos e a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, encarregada da certificação de quilombos, consideram como "ressemantização".

Segundo essa nova doutrina, de forte conotação ideológica, quilombo, e por extensão quilombola, veio a significar uma comunidade de tipo cultural, mais precisamente dita etnográfica. O que passa a contar é a identidade cultural em questão, relegando, mesmo, a uma posição secundária a identidade propriamente racial.

Quilombo passa a ser uma comunidade cultural que tem práticas que se exerceriam em um determinado território, que deveria, ainda segundo essa doutrina, possuir uma ampla área em que suas práticas culturais poderiam ser reproduzidas. Quilombo passa a ser um terreiro de umbanda, uma escola de candomblé, uma reunião de famílias negras em um território qualquer.

Quilombo não é mais um lugarejo distante dos centros urbanos, fortificado, que servia de lugar de vida para escravos fugidios e, inclusive, indígenas. A ficção tomou o lugar da realidade. O que a Constituição de 1988 considerou quilombo cessa de ter validade, segundo uma "interpretação" do texto constitucional que subverte completamente o significado das palavras.

Imaginem, agora, tal exemplo ampliado para todo o país, tanto em zona urbana como rural. O que era uma propriedade, o exercício do direito de uma família com títulos de propriedade de décadas, desaparece porque um grupo de pessoas resolve se autointitular quilombola, faz um processo verbal na Fundação Cultural Palmares e um grupo de antropólogos referenda essa demanda. A insegurança jurídica se torna geral.

O texto constitucional é subvertido graças à colaboração de antropólogos, promotores e funcionários da Fundação Cultural Palmares que aderiram a uma nova ideologia. Colocaram-se na função de novos constituintes e passaram a ditar uma nova política que torna a letra e o espírito da lei algo que pode ser simplesmente desconsiderado.

Qualquer coisa pode caber nessa palavra: quilombola. Como foi bem dito na coluna de Opinião desse importante jornal, em 12/09: "Caberá à Corte, blindada contra a ação de grupos de pressão e ao largo de interesses ideológicos, analisar o tema e dar-lhe o mais acertado encaminhamento."

Antropologia: Disparate e Oportunismo?

Por Bela Feldman-Bianco,  Presidente da Associação Brasileira de Antropologia – ABA

 Recentemente têm-se tornado freqüentes pronunciamentos inverídicos em detrimento do trabalho do antropólogo, especialmente em suas pesquisas voltadas para o reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas  no Brasil. Segundo muitas vozes, pesquisas antropológicas poderiam levar a uma situação de insegurança jurídica no campo e nas cida-des, o que ameaçaria o direito à propriedade.  A antropologia passa a ser falsamente acusada de fornecer um aval científico a uma realidade inexistente. Como a mais antiga das sociedades científicas na área de Ciências Humanas no Brasil – fundada em 1955 – a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) se vê obrigada a esclarecer o que há de enganoso nessas afirmações.

 Em nome de uma pretensa insegurança jurídica, filtram-se as informações que de fato interessam ao público. Deve-se notar que desde 2003 foram instaurados no INCRA mais de mil processos para titulação de terras de quilombo. Destes, cerca de cem, em todo o Brasil, tiveram titulação expedida até hoje. Isso porque o processo para demarcação e titulação é altamente prudente, balizado por parâmetros técnicos e fortemente regulado por normas legais, como a Convenção 169 da OIT, o artigo 68 dos ADCT da Constituição Federal, o Decreto 4887/2003 da Presidência da República, a Instrução Normativa 57/2009 do INCRA, entre outros. O processo prevê a elaboração de um detalhado relatório antropológico que deve contemplar mais de trinta itens, incluindo fundamentação teórica e metodológica, histórico de ocupação das terras, análise documental com levantamento da situação fundiária e cadeia dominial, histórico regional e sua relação com a comunidade. Inclui, ainda, a identificação de modos de organização social e econômica que demonstrem ser imprescindível a demarcação das terras para a manutenção e reprodução social, física e cultural do grupo. Além disso, o processo prevê a contestação administrativa por parte de quem se sentir lesado, sem prejuízo de recursos judiciais cabíveis.  Nesse cenário, falar em insegurança jurídica é disparate ou oportunismo.

 Conceitos como os de identidade, cultura e grupo étnico têm uma longa trajetória dentro da antropologia como disciplina científica. Há mais de cinqüenta anos, pesquisadores reconhecidos no mundo todo têm afirmado que a identidade cultural não se herda pelo sangue, mas se constrói por modos de vida que são históricos, dinâmicos e complexos. No caso de nossa história recente, a categoria Quilombo é um bom exemplo disso. Criada no período colonial para denominar agrupamentos de escravos fugidos, em fins do século XX ela passa a significar outra realidade. O termo “remanescente de quilombo”, que designa uma pessoa jurídica para fins de atribuição de direitos territoriais, juntamente com os demais dispositivos legais que garantem aos diversos grupos formadores da sociedade nacional preservar os seus “modos de fazer, criar e viver” (CF, art.216), é usado na formação das associações comunitárias para reivindicar direitos de uma cidadania diferenciada ao Estado brasileiro. Não há disparate algum em reconhecer que tais grupos se auto-identifiquem hoje, legitimamente, como “quilombolas”, e recebam do Estado a acolhida prevista nas muitas normas jurídicas que regulam a lenta e complexa titulação de terras para esses grupos. Da mesma forma, não há oportunismo algum em se lançar mão de conceitos analíticos refinados em décadas de pesquisa científica no âmbito de estudos antropológicos que integram um procedimento administrativo altamente regulado por dispositivos legais.

 Nesse sentido, os antropólogos, por meio da Associação Brasileira de Antropologia, têm desempenhado papel decisivo no reconhecimento dos direitos de tais grupos culturais, previstos na Constituição Federal, especialmente no caso de “indígenas” e “afro-brasileiros”, com a “valorização da diversidade étnica e regional” (artigos 215 e 216). As versões no mínimo equivocadas e especialmente mentirosas acerca da prática antropológica foram preparadas com a intenção pública de atacar a credibilidade do fazer antropológico. A falsificação delibe-rada tem sido historicamente utilizada como meio ilegítimo de obter a realização de objetivos políticos, mas, qualquer que seja a amplitude dessa trama, ela não pode encobrir a realidade social.

 Por fim, reafirmamos o legado da antropologia: a diversidade cultural é a maior riqueza da Humanidade.  Participar de pesquisas antropológicas no âmbito do reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas nada mais é do que colocar em prática direitos assegu-rados pela Constituição Brasileira. É, pois, um dever de ofício e de cidadania a atuação para a concretização de direitos de grupos que possuem diferentes formas de organização social, cultural e econômica. O direito ao auto-reconhecimento não foi inventado pelos antropólogos. Está na Convenção 169 da OIT, norma reconhecida pelo Estado brasileiro e subscrita pelo Congresso Nacional desde 2002.  A titulação de territórios quilombolas e indígenas não é uma ameaça; ao contrário, é passo fundamental para a efetivação de uma sociedade plural e verdadeiramente democrática.

Após determinação, canteiro de obras de Belo Monte é desocupado

Com reportagem de AGUIRRE TALENTO, de Belém

Os manifestantes que ocuparam o canteiro principal da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA) saíram da área no início da noite desta quinta-feira, informa a assessoria de comunicação do CCBM (Consórcio Construtor de Belo Monte).

 Mais cedo, a juíza Cristina Collyer Damásio, da 4ª Vara Cível de Altamira, concedeu liminar em favor da Nesa (Norte Energia S.A.) determinando a desocupação.

 A rodovia Transamazônica também foi desobstruída pelos manifestantes, e o tráfego de caminhões, carros e ônibus foi liberado.

 O Consórcio Construtor informou que está convocando os trabalhadores lotados nesta frente de obras a retornar ao trabalho amanhã. Em princípio, temendo a manutenção da ocupação no fim de semana, os trabalhadores chegaram a ser dispensados do trabalho na sexta-feira.

 Ao contrário das obras no canteiro Belo Monte, os trabalhos nas frentes do Sítio Pimental e no Travessão 27 (via de acesso que liga a Transamazônica ao canteiro Pimental) seguiram normalmente.

 Indígenas, ribeirinhos, agricultores e membros de organizações não governamentais contrárias à construção de Belo Monte invadiram na madrugada de hoje o canteiro de obras. A principal reivindicação do grupo é a paralisação da obra.

 Ficou definida uma multa de R$ 500 por dia para aqueles que descumprirem a decisão. A liminar foi concedida hoje à tarde.

 Em nota, a Nesa condenou a invasão, afirma que o projeto é acompanhado pelo Ibama.

 Índios invadiram o canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte e bloquearam a rodovia Transamazônica

 OCUPAÇÃO MALSUCEDIDA

Uma operação malsucedida de ocupação de uma das áreas onde será instalado os equipamentos da usina hidrelétrica de Belo Monte foi montada em abril de 2010, nos dias que precederam e que sucederam o leilão do projeto.

 Financiados por ONGs (organizações não governamentais) nacionais e estrangeiras, lideranças indígenas chegaram a deflagrar na ocasião uma operação logística para transferir membros de várias etnias que vivem na região para a ilha Pimental.
 Por dentro dessa ilha passará o paredão da barragem principal, o que permitirá, alguns quilômetros rio acima, a drenagem pelo canal que sairá da margem esquerda de parte das águas do rio para dentro da chamada Volta Grande do Xingu.
 A ideia dos indígenas era a fundar uma base multiétnica para marcar a posição contrária ao projeto. A reportagem da Folha chegou a encontrar uma de duas embarcações encarregadas de trazer os indígenas.
 Outro barco, repleto de mantimentos, ficou ancorado no chamado Posto 6, no cais da cidade de Altamira, aguardando a ordem para descer o rio até a posição do Sítio Pimental.

 A operação foi abortada em razão de divergências entre os indígenas. Desde então, a proposta de ocupação das frentes de obra, sobretudo depois do início da construção, voltou a ser tema entre comunidades que gravitam ao redor dos movimentos sociais contrários ao projeto.


Terror às vésperas da demarcação

Por Joana Moncau e Spensy Pimentel

Protestos de indígenas no Mato Grosso do Sul, que esperam voltar às terras dos ancestrais, mas enfrentam resistência de governo e violência dos fazendeiros.

 Dourados (MS) – No acampamento, a noite parece mais longa. A tensão pelas ameaças de ataques de homens armados a serviço dos fazendeiros torna o sono leve e entrecortado por pequenos sustos com os barulhos vindos da mata. O fogo só é aceso em caso de extrema necessidade. Os homens se revezam para fazer guarda. Os assobios entre os vigias que circulam pela mata são captados pelos ouvidos atentos das mulheres que ninam seus filhos e, quando sinalizam que a área está tranquila, chegam como um alento passageiro.

 Luzes ou sons distantes na mata cumprem o papel de deixar claro que o grupo está cercado e na mira. Os latidos dos cachorros, qualquer barulho, estalido, deixam as mulheres em estado de alerta. “Se eles vierem, vão chegar atirando lá de baixo. Então corremos para dentro da mata com as crianças até cansar. E ficamos deitados em silêncio esperando o dia nascer. É assim que fazemos”, conta uma delas. “Eles não costumam entrar dentro da mata, porque sabem que lá temos mais força e têm receio”, explica. Quando o pior ocorre, a comunidade sai da mata só no dia seguinte e, aos poucos, as pessoas se reencontram para conferir se não está faltando ninguém. Os que desaparecem quase nunca voltam.

 Manter o clima de terror, como o que se descreve a partir dos depoimentos dos indígenas, faz parte da estratégia de quem quer tornar insuportáveis as vidas das dezenas de grupos guarani-kaiowá que, desde os anos 80, organizam ações para recuperar parte de suas terras tradicionalmente ocupadas, no sul do Mato Grosso do Sul.

 O estado tem a segunda maior população indígena do país; só da etnia Guarani-Kaiowá são 45 mil pessoas, divididas em dezenas de pequenas áreas, totalizando aproximadamente 42 mil hectares. As que têm demarcação oficial desde o início do século XX estão superlotadas e assoladas pela violência e a miséria. Em áreas indígenas como a de Dourados, os índices de assassinatos são semelhantes às de bairros violentos da periferia de São Paulo ou Rio. A situação de carência alimentar é mascarada pela distribuição massiva de cestas básicas, desde que a desnutrição das crianças do grupo se tornou um escândalo nacional, em 2005.

 Atrasada desde os anos 90 graças às pressões políticas do poderoso agronegócio da região, a demarcação definitiva das terras indígenas na região está prestes a ser iniciada. Desde 2008, seis grupos de trabalho coordenados por antropólogos contratados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) realizam estudos para definir quais exatamente as áreas que são reivindicadas pelos indígenas como de ocupação tradicional. É a partir desse trabalho que o Ministério da Justiça emitirá as portarias de demarcação.

 Em 2009, conflitos causados pelas ocupações promovidas para acelerar o processo deixaram pelo menos três mortos, dois desaparecidos e cinco baleados, além diversos feridos por espancamento – sem falar nas vítimas de atropelamentos suspeitos.

 Depois de certa calmaria em boa parte do ano passado, os conflitos voltaram. Pressionados pela falta de condições nas minúsculas terras já demarcadas, diversos grupos de indígenas estão ocupando áreas em fazendas da região onde suas famílias residiam até serem expulsas – em grande parte das vezes, entre as décadas de 60 e 80. Essas áreas de ocupação antigas para onde os grupos tentam retornar são conhecidas como tekoha (em guarani, algo como “o lugar onde se pode viver do nosso próprio jeito”). Nos acampamentos, os indígenas tornam-se ainda mais vulneráveis.

 Desde 8 de agosto, quando iniciou sua ocupação, o grupo que reivindica as áreas conhecidas como Pyelito Kue e Mbarakay, entre os municípios de Tacuru e Iguatemi, já foi atacado pelo menos quatro vezes por homens armados. Os ataques deixaram vários feridos graves, porque, apesar de utilizarem balas de borracha, os “pistoleiros”, como são chamados pelos indígenas, muitas vezes acertam idosos, mulheres e crianças. Barracos, roupas e documentos dos indígenas foram queimados pelos agressores.

 Representantes da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Funai já fizeram diversas visitas à região, inclusive orientando o os fazendeiros a recorrerem à Justiça, em vez de empregar a força para expulsar os indígenas. “Já teve vez que o pessoal da PF saiu de lá às cinco da tarde e meia hora depois os pistoleiros já estavam lá para atirar na gente. Eles não estão respeitando ninguém”, conta uma liderança do grupo que realiza a ocupação. Em 2009, numa tentativa anterior de ocupar essa mesma área, um adolescente desapareceu depois de mais de 50 indígenas terem sido vendados e espancados. Alguns adultos e idosos têm sequelas até hoje.

 No fim deste mês completam-se dois anos da ocupação da área conhecida como Ypo’i, em Paranhos. Na ocasião, em 2009, dois professores guarani foram mortos após ataque de homens armados. O corpo de Genivaldo Vera foi encontrado num córrego próximo ao local, dias depois, com marcas de espancamento. O corpo de Rolindo nunca foi encontrado e, até hoje, ninguém foi indiciado pelo crime.

 De lá para cá, o grupo de Ypo’i conseguiu autorização provisória da Justiça para permanecer no local, à espera dos estudos da Funai. A trégua foi rompida no fim de setembro, quando Teodoro Ricarte, primo dos dois professores, foi morto a pauladas e facadas supostamente por um funcionário da fazenda Cabeça de Boi, uma das que incide sobre a área reivindicada pelos indígenas. Dois dias depois do crime, um grupo de indígenas que ia pescar foi ameaçado por disparos.

 Paranhos fica numa das mais violentas regiões da fronteira com o Paraguai, próximo a áreas de plantio extensivo de maconha. É a mesma realidade do município de Coronel Sapucaia, onde se encontra outro acampamento, o de Kurusu Amba. Ali, de 2007 a 2009, foram assassinados quatro indígenas, e três crianças morreram por falta de atendimento médico. Hoje, por determinação judicial, as mais de 200 pessoas da comunidade aguardam na área pela identificação de suas terras.

 Além dos ataques armados, também ameaçam os acampamentos a negligência e a incompreensão das autoridades. Desde maio, os cerca de 150 Kaiowá que organizaram o acampamento de Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, decidiram deixar as margens da rodovia entre Campo-Grande e Dourados, onde estiveram desde agosto de 2009. Nesse período, a falta de atendimento de saúde levou à morte duas crianças. Além disso, dois adultos foram atropelados e, depois do despejo, dois jovens, de 13 e 16 anos, se suicidaram.
 No Mato Grosso do Sul, indígenas esperam voltar às terras dos ancestrais, mas enfrentam resistência de governo e violência dos fazendeiros. Fotos: Conselho Indigenista Missionário

Atualmente, os Kaiowá de Laranjeira Nhanderu enfrentam indefinição sobre o local onde poderão esperar pela conclusão do processo de identificação de suas terras. Eles são alvo de ação não só do proprietário da fazenda onde se encontram, mas também do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), órgão federal que entrou na Justiça para impedir os indígenas de ocupar pacificamente a beira da rodovia onde estavam.

“A vida num acampamento é muito difícil porque as comunidades não têm como produzir seu próprio sustento. Não é qualquer um que aguenta viver debaixo de uma lona”, conta Eliseu Lopes, uma das lideranças de Kurusu Amba. “A vida não é fácil, e ainda tem as ameaças de ataque. Mas é o único jeito: se organizar, fazer retomada e entrar na terra para pressionar.”

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Músicos, de Carybé

usc

Projeto "antibaixaria" em músicas ganha apoio do Ministério Público na Bahia

Carlos Madeiro - Especial para o UOL Notícias - Em Maceió

O MP-BA (Ministério Público da Bahia) manifestou apoio a um projeto de lei que pretende proibir a contratação, pelo poder público, de artistas que cantem músicas “com ofensas às mulheres”. A lei “antibaixaria”, como ficou conhecida, tramita na Assembleia Legislativa desde março e deveria ir a votação na próxima quarta-feira (26). Porém, por falta de uma discussão na Comissão de Constituição e Justiça, a sessão para aprovação da lei deve ser remarcada.

 "Bomba no Cabaré" -  (Mastruz com Leite)

Jogaram uma bomba no cabaré/ Voou pra todo canto pedaço de mulher/ Foi tanto caco de puta voando pra todo lado/ Dava pra apanhar de pá, de enxada e de colher/ Aí juntei tudo e colei bem direitinho/ Fiz uma rapariga mista/ Agora todo homem quer!

 A moção de apoio do MP-BA foi entregue nesta segunda-feira (17) à deputada Luiza Maia (PT) e reacendeu a polêmica sobre o projeto. Segundo o MP-BA, a moção teve a adesão de todos os promotores do Brasil que atuam no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher, que assinaram o documento no início do mês, em Gramado (115 km de Porto Alegre).

 “Muitas músicas vêm incitando a violência, o deboche e os maus tratos, incentivando inclusive a violência contra meninas e adolescentes. É preciso que o Estado financie apenas projetos que instalem uma cultura de paz, amor e solidariedade, e não a violência”, disse, em nota, a promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher.

O projeto de lei que tramita na Assembleia baiana prevê uma proibição polêmica: artistas que cantem músicas ofensivas às mulheres não poderiam mais ser contratados por governos. A ideia ganhou uma série de apoios desde que foi lançada, entre eles o do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), de prefeitos e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ao mesmo tempo, artistas afirmam que temem que a falta de critérios objetivos causem prejuízos à categoria.

 Segundo a deputada Luiza Maia, o projeto de lei não prevê punições aos artistas, e não se trata de um ato de censura. “Não é impedir de ninguém cantar. Nós queremos impedir que o dinheiro público financie quem está na contramão da política de enfrentamento à violência contra a mulher. E como é que esse governo que investe para acabar vai financiar quem está proliferando o racismo e a violência? É um contrassenso”, disse.

 "Rala a Tcheca no Chão" -  (Black Style)

Se vê um trio elétrico/ Elas seguem logo atrás/ E na bobeira samba batendo caminhão de gás/ Não tá na Internet, nem na televisão/ Deve tá no pagode ralando a tcheca no chão

Para a deputada, muitas músicas se utilizam de ofensas às mulheres e, em alguns casos, incentivariam até mesmo a prática de violência. “Existe música dizendo que 'dá um tapinha'. Tem também a violência simbólica, chamando a mulher de cadela. Tem outra que mandar ralar a 'tcheca' no chão. Ou seja, temos que colocar genitália no chão para agradar? Que brincadeira é essa? Porque não faz música nos valorizando. São coisas horrorosas, como soltar bomba do cabaré. Tem música até que diz que descobriu uma locadora de mulher.”

 Questionada sobre os critérios objetivos para definição, a deputada diz que o foco não são as músicas de duplo sentido, mas sim, os “artistas cujas canções incentivam a violência e reforçam o preconceito contra as mulheres.” “Estamos nos referindo às músicas que têm o sentido único de desmoralizar, desqualificar, ridicularizar e, em alguns casos, banalizar a violência contra a mulher”, disse, sem apresentar os parâmetros para regulamentação prática da lei.

 Sobre a votação na Assembleia, a deputada informou que vai aguardar a presidência do Legislativo para remarcar a data da votação, já que é necessário um debate entre os deputados da Comissão de Constituição e Justiça. “Faz mais de um mês que o colegiado não se reúne em função de sucessivas faltas de quórum. Ainda carecemos de uma discussão mais profunda sobre a questão, até para, se for necessário, fazer ajustes no texto original da matéria”, argumentou.

 "Locadora de Mulher" -  (Aviões do Forró)

Eu descobri uma locadora de mulher/ Lá tem mulher do tipo que o homem quiser/ Lá tem mulher do tipo que o homem quiser/ E tem mulher de cara linda/ Tem mulher de cara feia/ Mulher tipo violão, mulher do tipo baleia/ Lá tem mulher carinhosa/ Mulher cheia de frescura/ Mulher rabo de peixe/ da bunda de tanajura

Para o presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos da Bahia, Fernando Marinho, é preciso que o projeto de lei deixe claros as regras e os limites à contratação pelo serviço público. “É preciso saber primeiro o limite dessa lei, para diferenciar o que é brincadeira de senso comum. É um caso parecido com o humor politicamente correto. Sem parâmetros, ficará parecendo censura. Entendo o que argumenta a deputada Luiza Maia, mas qual seria o desdobramento de uma lei como essas? Quais os parâmetros? Isso é uma coisa delicada”, afirmou.

 Marinho disse acreditar que uma outra discussão que precisa ser feita é se há necessidade da criação de uma lei para vetar a contratação de artistas pelo serviço público. “Se uma pessoa ou um grupo social se sentir ofendido por uma música, ele procura a Justiça e pede indenização por danos morais. Essa previsão já existe na Constituição Brasileira, não precisa de lei para vetar contratação pelo poder público.”

 Ainda segundo o presidente do Sindicato dos Artistas, a participação do poder público nas contratações de artistas “é muito grande”, mas a lei – caso aprovada - não deverá causar perdas de receita aos músicos. “Esse grupos com músicas mais comerciais não sentirão tanto impacto porque o próprio público ou empresas que querem atrelar seus nomes às bandas os custeiam. A maior parte dos eventos de que eles participam é privada, não pública”, disse Marinho

Música Erudita

Por Renato Roschel

Existem três definições para a música erudita, ou música clássica.

A primeira delas, utilizada por muitos dicionários de música, define a música erudita como sendo música "séria" em oposição à música popular, música folclórica, música ligeira ou de jazz. Essa definição talvez não seja a melhor a se fazer, se considerarmos que a música para ser séria não precisa, necessariamente, ser música erudita.

A segunda definição, que serve apenas para a música clássica, afirma que essa música seria qualquer música em que a atração estética resida principalmente na clareza, no equilíbrio, na austeridade e na objetividade da estrutura formal, em lugar da subjetividade, do emocionalismo exagerado ou da falta de limites de linguagem musical.

Nesse sentido a música clássica implica a antítese da música romântica feita em fins do século 17 e início do século 19, em que a ênfase recaía sobre os sentimentos, as paixões e o exótico, em lugar da razão, da contenção e de esteticismo da arte clássica.

O problema nesse caso é que os primeiros traços do romantismo, que seria a música contrária à música clássica, podem ser apreciados nas obras de Beethoven e Schubert, e, em um perídodo mais adiante, nas de Brahms, Wagner e Liszt, ou seja, hoje o termo música clássica, para a grande maioria das pessoas, abrangeria estes nomes como compositores de música clássica ou erudita. Ninguém em sã consciência afirmaria hoje que Beethoven seria a antítese da música clássica.

Assim sendo, essa também não é uma boa definição para o termo.

Uma terceira definição afirma que música erudita seria a música feita durante o período de 1750 a 1830, em especial a de Haydn, Mozart e Beethoven. Podemos dizer que nesse período a música mais representativa e mais mencionada é a da Escola Clássica Vienense, refletindo a importância de Viena como capital musical da Europa nesse período.

A Escola Clássica de Viena seria responsável pelo desenvolvimento da sinfonia, do quarteto de cordas e do concerto, e assistiu ao triunfo final da música instrumental sobre a música coral. Entre suas mais importantes e duradouras realizações está a introdução e o estabelecimento da "forma sonata" _estrutura musical que se desenvolveu durante a segunda metade do século XVIII nas sonatas, sinfonias, concertos, aberturas, quartetos, árias e etc.

Suas origens são complexas e só se tornarão conhecidos como formato padronizado após serem definidas por Reicha, em 1826, e depois por Czerny, em seu compêndio "Escola Prática de Composição", em 1848.

As principais características das "formas sonatas" estão nos primeiros movimentos de Haydn, Mozart e Beethoven. As principais mudanças que essas "formas sonatas" trouxeram para a música estão nas violentas oposições de vários tons, no contraste entre várias idéias temáticas diferentes, que, por sua vez, aumentam substancialmente o aspecto dramático da música e na articulação da estrutura através da instrumentação.

Os fatos musicais no interior da sonata costumam ser explicados a partir de três planos: exposição, desenvolvimento e recapitulação.

A exposição apresenta o material temático que caminha da tônica, que é a primeira nota de uma escala, da qual o tom em que a escala está construída recebe o nome, ou seja, a tônica da escala de dó maior ou de dó menor é dó. Existe também, dentro de uma escala, a nota dominante, que é a quinta nota acima da tônica, ou seja, se a tônica for dó a sua dominante será sol, pois sol é a quinta nota da escala de dó (1ª dó, 2ª ré, 3ª mi, 4ª fá, 5ª sol, 6ª lá, 7ª sí).

O desenvolvimento diz respeito à discussão e transformação dos temas, aliás é sempre bom lembrar que o tema é a idéia musical que forma a parte estrutural e essencial de uma composição.

A recapitulação é a que representa ao material de exposição, basicamente na área da tônica. A função dramática dessa seção é afirmar o tom original, após a transferência para a dominante no final da exposição. É a recapitulação que dá o toque final na sonata.

Porém, segundo grandes estudiosos da música e de teoria de musical, o termo que melhor representa a música dos grandes compositores é música de concerto, o que demonstra a impossibilidade de classificá-la, pois como afirma Ênio Squeff, "Beethoven não tem nada de erudito, nem Villa-Lobos. A música de concerto é aquela inqualificável. É a gênese da atividade musical".

No Brasil

A Música Erudita, ou Clássica, ou de Concerto, no Brasil dos primeiros séculos de colonização portuguesa, vinculava-se estritamente à Igreja e à catequese. Com o passar do tempo, irmandades de música, salas de concerto e manuscritos brasileiros vão traçando o perfil de uma atividade crescente no país, onde pontificaram nomes como Antônio José da Silva, cognominado "O Judeu", José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Caetano de Mello Jesus, entre outros.

Com a chegada de D. João VI no Brasil, tivemos também um grande impulso às atividades musicais e José Maurício Nunes Garcia destacou-se como o primeiro grande compositor brasileiro.

Mas mesmo com todas as obras feitas por estes compositores, ainda no século 19, falar em música erudita brasileira era motivo de riso, num período totalmente dominado pelos mestres italianos (com esporádicas contribuições de alemães e franceses).

Foi somente com Villa-Lobos que a música nacionalista no Brasil introduziu-se e consolidou-se pra valer.

Nessa época, ignorava-se compositores como Alberto Nepomuceno e Brasílio Itiberê da Cunha, exatamente por causa da excessiva brasilidade de suas composições, e admitia-se Carlos Gomes graças ao sucesso europeu.

É a partir de Villa-Lobos que o Brasil descobre a música erudita e o país passa, desde então, a produzir talentos em série: Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Camargo Guarnieri, Guerra-Peixe, Cláudio Santoro e Edino Krieger são alguns desses expoentes.

Mas mesmo hoje, o Brasil ainda é um país que não percebeu o devido valor da música clássica ou erudita ou de concerto, talvez por causa de nossa história ou de nossa situação político-econômica. Os músicos eruditos e os artistas em geral são, como na opinião do professor Koellreutter, "uma espécie de Quixotes, que lutam contra os moinhos de ventos".